Refutação do Livro A Bíblia — Palavra de Deus ou de Homem?

Publicado por Seeker em Maio-Junho de 1998 no Hourglass2 Outpost

Index:


Refutação do Capítulo 1: Por Que Ler a Bíblia?

Publicado por Seeker em 6 Maio 1998 às 08:31:12


Comentário ao Capítulo 1: "Por Que Ler a Bíblia?" do livro A Bíblia -- Palavra de Deus ou de Homem?, publicado pela Sociedade Torre de Vigia em 1989.

Capítulo 1

Por Que Ler a Bíblia?

Vivemos num mundo cheio de problemas e de muito poucas soluções. Muitos milhões de pessoas passam regularmente fome. Cresce o número dos viciados em drogas. São cada vez mais as famílias que se rompem. O incesto e a violência na família estão constantemente nas notícias. O ar que respiramos e a água que bebemos aos poucos estão sendo envenenados. No ínterim, mais e mais de nós somos vítimas de crimes. Acha que esses problemas serão alguma vez solucionados?

Concordo que existem problemas no mundo, mas existem igualmente muitas respostas. Os problemas que são mencionados acima estão a ser combatidos por aqueles que se dão ao trabalho de fazer mudanças. Há muitas pessoas nestas condições. O uso de drogas está a diminuir, o crime está a diminuir, a poluição está a diminuir. É verdade que estes problemas nunca desaparecerão completamente, mas também não ficam cada vez piores, como o parágrafo parece insinuar.

Diga-se, de passagem, que fome, abuso de drogas, famílias desfeitas, incesto, violência familiar, poluição e crime -- todas estas coisas podem ser encontradas entre as Testemunhas de Jeová. Elas deviam ser cuidadosas quanto a apontar o dedo...

ALÉM disso, vivemos numa era de difíceis escolhas. Por exemplo, muitos são implacavelmente contra o aborto, classificando-o de assassinato de nascituros. Outros acham com a mesma convicção que as mulheres têm autoridade sobre o seu próprio corpo e devem elas mesmas decidir tal assunto. Muitos encaram o homossexualismo, o adultério e o sexo pré-marital como flagrante imoralidade. Outros acham que estas práticas são uma questão de escolha pessoal. A quem cabe dizer quem está certo e quem está errado?

Exactamente, embora isto não impeça o autor desse livro de tentar dizer-nos o que está certo e o que está errado.

2 A Bíblia oferece orientação em assuntos de moralidade, e ela descreve soluções eficazes para os problemas do crime, da fome e da poluição. O problema é que a maioria das pessoas não mais encara a Bíblia como autoridade em tais assuntos. Houve tempo em que ela era escutada com respeito -- pelo menos no Ocidente. Embora a Bíblia fosse escrita por humanos, no passado a maioria na cristandade aceitava-a como a Palavra de Deus, e cria que o próprio Deus havia inspirado seu conteúdo.

A Bíblia tem algumas linhas orientadoras que revelam bom senso e que são seguidas por pessoas por toda a terra, incluindo muitos que mal ouviram falar da Bíblia. Olhem para a nações "não-cristãs", e notem como estas parecem ter os mesmos problemas e as mesmas soluções que as nações "cristãs". Por que é que a Bíblia não fez qualquer diferença?

3 Hoje, porém, está na moda ser céptico para com tudo: os costumes, as idéias, a moral e até mesmo a existência de Deus. Em especial, as pessoas duvidam do valor da Bíblia. A maioria delas parece considerá-la antiquada e irrelevante. Poucos intelectuais modernos a encaram como a Palavra de Deus. A maioria das pessoas prefere antes concordar com o erudito James Barr, que escreveu: "Meu relato sobre a formação da tradição bíblica é um relato sobre trabalho humano. É a declaração da crença do homem."1

Conforme veremos, este é o ponto de vista que tem mais sentido e é aquele que os factos apoiam. Discorda? Sinta-se à vontade para escrever uma refutação daquilo que eu vou dizer.

4 É esta também a sua opinião? Acha que a Bíblia é a palavra de Deus ou a de homem? Não importa como responda a esta pergunta, considere o seguinte ponto: Se a Bíblia for apenas a palavra de homem, então, logicamente, não há solução clara para os problemas da humanidade. Os homens simplesmente terão de se arranjar o melhor que puderem, esperando de algum modo evitar envenenar a si mesmos a ponto de deixar de existir, ou de ir pelos ares numa guerra nuclear. Mas, se a Bíblia for mesmo a Palavra de Deus, então ela é exatamente o que necessitamos para conseguir passar por estes tempos difíceis.

Este é um exemplo claro da lógica defeituosa da Sociedade. Não há nada de "lógico" ao se dizer que se a Bíblia é meramente a palavra de homens então não há solução clara para os problemas da humanidade. Uma coisa não decorre da outra, e é uma simplificação extrema e grosseira dos factos. Quanto à sobrevivência, a humanidade tem conseguido aguentar-se durante milénios e parece que continuará a fazê-lo. Tácticas intimidatórias não ajudam em nada.

5 Esta publicação apresentará evidência de que a Bíblia é realmente a Palavra de Deus. E os editores esperam que, depois de você ter considerado a evidência, se dê conta de que a Bíblia contém a única solução válida para os problemas da humanidade. Primeiro, porém, gostaríamos de trazer à sua atenção alguns fatos que, já por si sós, tornam a Bíblia merecedora da sua consideração.

Veremos que tipo de 'evidência' a Sociedade apresenta...

O Livro Mais Divulgado de Todos os Tempos

6 Para começar, ela é o livro mais divulgado, o de maior distribuição em toda a história. Segundo a edição em inglês, de 1988, de Guinness -- Livro de Recordes Mundiais, calcula-se que se imprimiram 2.500.000.000 de exemplares entre 1815 e 1975. Esta é uma quantidade enorme. Nenhum outro livro na história sequer chegou perto das cifras de distribuição da Bíblia.

7 Além disso, nenhum outro livro foi traduzido para tantas línguas. A Bíblia pode agora ser lida na sua inteireza ou em partes em mais de 1.800 idiomas. A Sociedade Bíblica Americana relata que a Bíblia está agora disponível a 98 por cento da população de nosso planeta. Imagine o enorme esforço despendido na produção de tantas traduções! Que outro livro recebeu tanta atenção?

É claro que isto só prova que essas pessoas pensam que a Bíblia é a palavra de Deus. Não é uma prova de que a Bíblia é realmente a palavra de Deus. Analogamente, o Livro de Mórmon, o Alcorão e outros livros 'sagrados' tiveram uma circulação tremenda, mas é claro que nesses casos nenhum cristão interpreta esse facto como evidência de inspiração divina. A espantosa circulação do Alcorão não significa nada para um cristão, além do facto de que os muçulmanos pensam que o Alcorão é a palavra de Deus. Uma grande circulação não constitui prova, da mesma forma que a gigantesca circulação do 'pequeno livro vermelho' de pensamentos de Mao Tse Tung ou dos CD-ROMs da America Online não constitui prova da sua origem divina.

Lembre-se, a chave da questão é as pessoas pensarem que algo é a palavra de Deus, e depois essas pessoas fazem coisas fantásticas. O ponto central é o zelo, não é a exactidão.

Livro de Influência

8 A Nova Enciclopédia Britânica classifica a Bíblia como "provavelmente a coleção mais influente de livros na história humana".2 O poeta alemão Heinrich Heine, do século 19, confessou: "Devo meu esclarecimento simplesmente à leitura dum livro ... a Bíblia. Ela é corretamente chamada de Escrituras Sagradas. Aquele que tiver perdido seu Deus pode redescobri-Lo neste livro."3 Durante aquele mesmo século, o ativista antiescravista William H. Seward proclamou: "Toda a esperança de progresso humano depende da sempre crescente influência da Bíblia."4

9 Abraão Lincoln, 16.º presidente dos Estados Unidos, chamou a Bíblia de "a melhor dádiva que Deus já deu ao homem ... Sem ela, não saberíamos distinguir o certo do errado".5 O jurista britânico Sir William Blackstone destacou a influência da Bíblia ao dizer: "Destes dois alicerces, a lei da natureza e a lei da revelação [a Bíblia], dependem todas as leis humanas, ou seja, não se deve tolerar que nenhuma lei humana contradiga estas."6

Isto é evidência anedótica, uma táctica favorita da Sociedade. É claro que isto não prova nada, da mesma forma que nada ficaria provado se eles citassem meia dúzia de pessoas que acham que a Bíblia é um lixo.

Quanto a ser um livro influente, isso é verdade, mas de novo estamos perante pessoas que pensam que a Bíblia é a palavra de Deus, nada mais do que isso. Por exemplo, há nações inteiras no mundo muçulmano que estão a mudar a própria forma de governo e da sociedade segundo os moldes do Alcorão. Isto representa uma influência numa escala muito maior do que a influência da Bíblia, pois qual é a nação que declara explicitamente que está a mudar as suas leis e constituições para se encaixar nos moldes da Bíblia? Será que isto prova que o Alcorão é a palavra de Deus, visto ser um livro com tanta influência?

Estão a ver por que é que esse tipo de argumentação que a Sociedade usa não tem qualquer validade?

Odiada e Amada

10 Ao mesmo tempo, temos de observar que nenhum outro livro tem sido alvo de tanta oposição ferrenha e até mesmo de ódio, em toda a história. Bíblias foram incineradas em fogueiras públicas, desde a Idade Média até o nosso século 20. E a leitura ou a distribuição da Bíblia têm sido punidas com multas e encarceramentos, mesmo nos tempos modernos. Em séculos passados, tais "crimes" muitas vezes levavam a torturas e à morte.

Isso tinha menos a ver com a Bíblia do que com os objectivos políticos da igreja. A igreja tinha poder, queria conservar esse poder, e por isso manobrou os acontecimentos para manter a informação longe das pessoas comuns. Em que medida é que as maquinações da igreja provam alguma coisa acerca da inspiração da Bíblia?

11 Paralelo a isso, tem havido a devoção inspirada pela Bíblia. Muitos têm perseverado na leitura dela, apesar de implacável perseguição. Tome, por exemplo, William Tyndale, um inglês do século 16, educado na Universidade de Oxford e que se tornou um respeitado instrutor na Universidade de Cambridge.

12 Tyndale amava a Bíblia. Mas, nos seus dias, as autoridades religiosas insistiam em mantê-la em latim, uma língua morta. Assim, a fim de torná-la acessível aos seus conterrâneos, Tyndale decidiu traduzir a Bíblia para o inglês. Visto que isso era contra a lei, Tyndale tinha de renunciar à sua confortável carreira acadêmica e fugir para o continente europeu. Levou a vida difícil de fugitivo o tempo suficiente para traduzir as Escrituras Gregas (o "Novo Testamento") e parte das Escrituras Hebraicas (o "Antigo Testamento") para a sua língua nativa; mas finalmente foi preso, condenado por heresia e estrangulado, e seu corpo foi queimado.

13 Tyndale é apenas um dentre um grande número de pessoas que sacrificaram tudo para ler a Bíblia ou para torná-la disponível a outros. Nenhum outro livro inspirou em tantos homens e mulheres comuns tão grande coragem. Neste respeito, a Bíblia, deveras, não tem igual.

Mais uma vez, na medida em que Tyndale acreditava na Bíblia como palavra de Deus, assim ele estava disposto a enfrentar a morte. Hoje os indivíduos que fazem ataques suicidas com bombas ilustram o mesmo ponto no que diz respeito ao Alcorão. Qualquer dos casos nada mais nos diz além do estado mental da pessoa que se matou.

Afirmação de Que Ela É a Palavra de Deus

14 A Bíblia é também ímpar por causa da afirmação feita por muitos dos seus escritores. Cerca de 40 pessoas, inclusive reis, pastores, pescadores, funcionários públicos, sacerdotes, pelo menos um general, e um médico, participaram na escrita de diferentes partes da Bíblia. Mas, vez após vez, os escritores fizeram a mesma afirmação: que não estavam escrevendo as suas próprias idéias, mas as de Deus.

15 Neste respeito, muitas vezes lemos na Bíblia expressões tais como estas: "Foi o espírito de Jeová que falou por meu intermédio, e a sua palavra estava na minha língua", ou: "Assim disse o Soberano Senhor, Jeová dos exércitos." (2 Samuel 23:2; Isaías 22:15) Numa carta enviada a um co-evangelizador, o apóstolo Paulo escreveu: "Toda a Escritura é inspirada por Deus e proveitosa para ensinar, para repreender, para endireitar as coisas, para disciplinar em justiça, a fim de que o homem de Deus seja plenamente competente, completamente equipado para toda boa obra." -- 2 Timóteo 3:16, 17.

Se eu escrevesse um livro 'sagrado', também faria essa afirmação. É que dá-nos poder sobre os outros. Mas a mera afirmação de algo não o torna imediatamente verdadeiro. Essas afirmações não passam de um modo cómodo de se esquivar, caso alguém questione o que foi escrito.

16 Em harmonia com a sua afirmação de ser a palavra de Deus, não a de homem, a Bíblia dá respostas a perguntas a que só Deus pode responder. Por exemplo, ela explica por que os governos humanos foram incapazes de trazer paz duradoura, como os humanos podem obter a mais profunda satisfação na vida, e o que o futuro reserva para a terra e a humanidade sobre ela. Agora, você, como alguém que usa de reflexão, deve ter-se feito muitas vezes estas e outras perguntas similares. Então, por que não considerar pelo menos a possibilidade de que a Bíblia seja a Palavra de Deus e assim extraordinariamente capaz de fornecer respostas com autoridade?

Nós vamos de facto testar a Bíblia. O facto de a Bíblia afirmar que tem respostas, não quer dizer necessariamente que essas respostas sejam reais. Os escritos Mórmons dizem-nos que podemos ser deuses do nosso próprio planeta. Esta é uma resposta que só Deus pode dar, mas será que é a resposta correcta?

17 Exortamo-lo a examinar com cuidado a evidência apresentada neste livro. Alguns dos capítulos considerarão freqüentes críticas feitas à Bíblia. É a Bíblia anticientífica? Será que ela se contradiz? Contém história real ou apenas mitos? Aconteceram realmente os milagres registrados na Bíblia? Apresenta-se evidência lógica para responder a estas perguntas. Depois disso, consideram-se poderosas demonstrações da inspiração divina da Bíblia: suas profecias, sua profunda sabedoria e o notável efeito que ela exerce na vida das pessoas. Finalmente, veremos que efeito a Bíblia pode ter na sua vida.

18 Em primeiro lugar, porém, consideraremos como a Bíblia chegou a nós. Mesmo já a história deste espantoso livro fornece prova de que ela tem mais do que uma origem meramente humana.

Volte para a próxima para ver esses argumentos refutados...


Refutação do Capítulo 2: A Bíblia Luta Para Sobreviver

Publicado por Seeker em 12 Maio 1998 às 05:24:48


Comentário ao Capítulo 2: "A Bíblia Luta Para Sobreviver" do livro A Bíblia -- Palavra de Deus ou de Homem?, publicado pela Sociedade Torre de Vigia em 1989.

Capítulo 2

A Bíblia Luta Para Sobreviver

A BÍBLIA é mais do que apenas um livro. É uma valiosa biblioteca de 66 livros, alguns deles curtos, outros bastante longos, contendo leis, profecias, história, poesia, conselhos, e muito mais. Séculos antes do nascimento de Cristo, foram escritos os primeiros 39 destes livros -- na maior parte na língua hebraica -- por judeus ou israelitas fiéis. Esta parte é freqüentemente chamada de Antigo (ou Velho) Testamento. Os últimos 27 livros foram escritos em grego, por cristãos, e são amplamente conhecidos como Novo Testamento. Segundo a evidência interna e as mais antigas tradições, estes 66 livros foram escritos durante um período de cerca de 1.600 anos, começando no tempo em que o Egito era uma potência dominante e terminando quando Roma era senhora do mundo.

Esta informação, que contextualiza a discussão que se segue, é correcta.

Somente a Bíblia Sobreviveu

2 Há mais de 3.000 anos, quando a escrita da Bíblia teve início, Israel era apenas uma nação pequena entre muitas no Oriente Médio. Jeová era seu Deus, ao passo que as nações circunvizinhas tinham uma desconcertante variedade de deuses e deusas. Durante aquele período, os israelitas não eram os únicos a produzir literatura religiosa. Outras nações também produziam obras escritas, que refletiam sua religião e seus valores nacionais. Por exemplo, a lenda acadiana de Gilgamés (ou Gilgamesh) da Mesopotâmia, e as epopéias de Ras Xamra, escritas em ugarítico (língua falada no que agora é o norte da Síria), sem dúvida eram muito populares. A vasta literatura daquela era incluía também obras tais como As Admoestações de Ipu-wer e A Profecia de Nefer-rohu, na língua egípcia, hinos a diferentes divindades em sumeriano, e obras proféticas em acadiano.1

Com certeza as outras nações não viam os seus deuses e deusas como 'desconcertantes'. Esse é o julgamento que fazem pessoas que não pertenceram a essas sociedades. Provavelmente a prática Israelita de adorar Jeová parecia esquisita aos outros povos. Pelo modo como apresentam a situação, os escritores deste livro rebaixam de forma subtil as outras tradições religiosas e exaltam a adoração dos Israelitas.

Este parágrafo 2 só menciona um número reduzido de textos religiosos da antiguidade que datam daquele tempo. Existem outros, conforme veremos adiante, que também têm uma história rica e influenciam grandemente as pessoas até à actualidade.

3 Todas estas obras do Oriente Médio, porém, tiveram a mesma sorte. Foram esquecidas, e até mesmo as línguas em que foram escritas tornaram-se extintas. Foi apenas em anos recentes que arqueólogos e filólogos souberam da sua existência e descobriram a maneira de lê-las. Por outro lado, os primeiros livros escritos da Bíblia hebraica sobreviveram até o nosso tempo e ainda são amplamente lidos. Vez por outra, alguns eruditos afirmam que os livros hebraicos da Bíblia derivaram de algum modo daquelas antigas obras literárias. Mas o fato de que uma tão grande parte daquela literatura foi esquecida, ao passo que a Bíblia hebraica sobreviveu, marca a Bíblia como significativamente diferente.

Não marca nada. Foi pura sorte. Se a civilização ocidental tivesse decidido seguir a lenda de Gilgamesh, em vez da lenda de Cristo, então o Acadiano teria sobrevivido e o Hebreu podia ter-se tornado extinto. Dizer que toda e qualquer tradição religiosa que tenha sobrevivido é necessariamente a correcta, é ignorar o modo como a História se processa. Além disso, existem muitas outras línguas e tradições que sobreviveram até à actualidade, mas a Sociedade não faz nenhum comentário sobre elas. Em vez disso, eles seleccionam alguns exemplos 'seguros' para fazerem a comparação com a Bíblia.

Agora percebemos porque é que a WTS seleccionou cuidadosamente apenas aqueles exemplos de escritos religiosos -- eles escolheram especificamente exemplos que estão agora praticamente esquecidos e que foram escritos em línguas actualmente extintas. Isto permite-lhes fazer aquele comentário no último parágrafo, de que a Bíblia é 'marcada como significativamente diferente'. Mas esta não é uma comparação honesta. Eles estão a deixar evidência de fora, para poderem salientar o seu ponto de vista.

Uma comparação muito mais justa seria entre a Bíblia e os escritos budistas, ou as tradições hindus, que também sobreviveram até à actualidade. Repare nos exemplos seguintes, e veja como são diferentes daqueles que a WTS usou acima.

No livro Mankind's Search for God [O Homem em Busca de Deus], p. 102, encontramos o seguinte a respeito dos escritos hindus:

"Os escritos mais antigos são os Vedas, uma coletânea de orações e hinos conhecidos como Rig-Veda, Sama-Veda, Iajur-Veda e Atarva-Veda. Foram compostos durante vários séculos e completados por volta de 900 AEC. Os Vedas foram mais tarde suplementados por outros escritos, incluindo os Brâmanas e os Upanichades."

Aqui temos o argumento da longevidade, portanto, será que o facto de as pessoas ainda lerem os Vedas hoje significa que Deus foi responsável pela sua sobrevivência?

Tomemos outro exemplo dessa região da terra, o Zoroastrianismo. Esta é a antiga religião da Pérsia e ainda existe hoje no Irão e na Índia. Sabia que o profeta Zaratustra [ou Zoroastro] viveu há 3500 anos, o que o torna contemporâneo com os escritos mais antigos da Bíblia? Além disso, o Zoroastrianismo foi uma das primeiras religiões monoteístas.

Se a WTS tivesse comparado os antecedentes da Bíblia com os escritos religiosos que sobreviveram até aos nossos dias, não teria conseguido fazer aquelas afirmações acerca da Bíblia. Eles criaram uma falsa impressão ao escolherem exemplos específicos de escritos que não influenciam as pessoas hoje.

Os Guardiães da Palavra

4 Não se engane, pois, do ponto de vista humano, a sobrevivência da Bíblia não era presumível. As comunidades que a produziram sofreram provações tão difíceis e opressão tão amarga, que a sobrevivência dela até os nossos dias é realmente algo notável. Nos anos antes de Cristo, os judeus que produziram as Escrituras Hebraicas (o "Antigo Testamento") eram uma nação relativamente pequena. Moravam precariamente no meio de estados políticos poderosos, que se rivalizavam pela supremacia. Israel teve de lutar pela sua vida contra uma sucessão de nações, tais como os filisteus, os moabitas, os amonitas e os edomitas. Durante um período em que os hebreus estavam divididos em dois reinos, o cruel Império Assírio virtualmente eliminou o reino setentrional, ao passo que os babilônios destruíram o reino meridional, levando o povo a um exílio do qual apenas um restante retornou 70 anos mais tarde.

Israel era uma nação tão pequena e insignificante que as potências mundiais sempre a consideraram pouco importante. É verdade que às vezes Israel ficava sob o domínio de uma ou outra potência, mas de cada vez que isso aconteceu, Israel não era o alvo primário.

Mas isso é irrelevante. O argumento que o livro apresenta é este: contra todas as probabilidades, os judeus sobreviveram como uma pequena nação, portanto Deus estava a protegê-los. Que dizer das outras nações ou grupos religiosos, que também sobreviveram apesar de grandes contrariedades? Por exemplo, o Hinduísmo sobreviveu a onda após onda de invasões. Será que Deus também foi responsável por este facto? Se não foi, então o argumento utilizado pelo livro não é válido.

Apenas como nota, é interessante que este tipo de argumentação (a nação é pequena, ameaçada por vizinhos poderosos, logo a sua sobrevivência só pode ser atribuída à intervenção divina) seja usado ao mencionarem a nação de Israel da antiguidade. Mas exactamente os mesmos argumentos podem ser usados para a nação de Israel da actualidade. Continua a ser uma nação pequena, ameaçada por vizinhos poderosos e muitos judeus hoje também atribuem a sua sobrevivência à manifestação da aprovação divina.

É curioso que a WTS só usa este tipo de raciocínio para apoiar a sua argumentação acima, mas rejeitaria exactamente o mesmo raciocínio como sendo inválido se fosse apresentado por um judeu da actualidade.

5 Existem até mesmo relatos sobre tentativas de genocídio contra os israelitas. Lá nos dias de Moisés, Faraó ordenou o assassinato de todos os meninos recém-nascidos deles. Se a sua ordem tivesse sido executada, o povo hebreu teria sido aniquilado. (Êxodo 1:15-22) Muito mais tarde, quando os judeus vieram a estar sob domínio persa, os inimigos deles tramaram a adoção duma lei destinada a exterminá-los. (Ester 3:1-15) O fracasso desta trama ainda é celebrado na festividade judaica de Purim.

O que foi dito anteriormente aplica-se também aqui. A informação apresentada neste parágrafo não é muito relevante para a ideia principal que eles pretendem provar.

6 Mais tarde ainda, quando os judeus estiveram sujeitos à Síria, o Rei Antíoco IV tentou muito helenizar a nação, obrigando-a a seguir costumes gregos e a adorar deuses gregos. Ele também fracassou. Em vez de os judeus serem exterminados ou assimilados, eles sobreviveram, ao passo que a maior parte dos grupos nacionais em volta deles, um após outro, desapareceu do cenário mundial. E as Escrituras Hebraicas da Bíblia sobreviveram com eles.

Esta é uma constante ao longo de toda a história, não é nada único aos judeus daquele tempo.

7 Os cristãos, que produziram a segunda parte da Bíblia (o "Novo Testamento"), também eram um grupo oprimido. Seu líder, Jesus, foi morto como se fosse um criminoso comum. Nos dias que se seguiram à sua morte, as autoridades judaicas na Palestina tentaram suprimi-los. Quando o cristianismo se espalhou a outras terras, os judeus os assediavam, tentando impedir a sua obra missionária. -- Atos 5:27, 28; 7:58-60; 11:19-21; 13:45; 14:19; 18:5, 6.

Aqui também não há nada de novo. As lutas são endémicas ao longo da história. Todos os grupos religiosos foram oprimidos numa ou noutra ocasião. Esta opressão, por si só, não prova nada além do facto de algumas pessoas não gostarem de outras que pensam de modo diferente.

8 No tempo de Nero, a atitude inicialmente tolerante das autoridades romanas mudou. Tácito gabou-se das "penas mais horrorosas" infligidas aos cristãos por aquele perverso imperador, e do tempo dele em diante, era crime passível de pena capital ser cristão.2 Em 303 EC, o Imperador Diocleciano agiu diretamente contra a Bíblia. Num esforço de eliminar o cristianismo, ordenou que todas as Bíblias cristãs fossem queimadas.3

Nessa altura já era demasiado tarde. Algumas pessoas já tinham decidido que o cristianismo era o caminho a seguir e por isso estavam dispostas a perder as suas vidas. Hitler não conseguiu exterminar todos os judeus durante a II Guerra Mundial, e Diocleciano não conseguiu fazer desaparecer todas as Bíblias cristãs. Desde que as pessoas pensem que vale a pena preservar algo, farão tudo o que for preciso para evitar o seu desaparecimento. Assim se explica a preservação da Bíblia, do Alcorão, dos escritos hindus, Budistas, etc.

9 Estas campanhas de opressão e de genocídio constituíam verdadeira ameaça à sobrevivência da Bíblia. Se a sorte dos judeus tivesse sido a mesma que a dos filisteus e dos moabitas, ou se os esforços, primeiro das autoridades judaicas e depois das romanas, de eliminar o cristianismo, tivessem sido bem-sucedidos, quem teria escrito e preservado a Bíblia? Felizmente, os guardiães da Bíblia -- primeiro os judeus e depois os cristãos -- não foram eliminados, e a Bíblia sobreviveu. No entanto, houve outra ameaça séria, se não à sobrevivência da Bíblia, pelo menos à sua integridade.

Se as tradições Acádicas tivessem permanecido triunfantes, este parágrafo poderia ser rescrito assim: "Felizmente, os guardiães de Gilgamés..." Novamente, aquele que fez a preservação pode vangloriar-se, mas isso não prova nada quanto à intervenção divina.

Os parágrafos incluídos neste subtítulo limitaram-se a apresentar exemplo atrás de exemplo de opressão, mas se um exemplo não prova o argumento da Sociedade, uma dúzia de exemplos também não provam. Esta é uma táctica muito comum usada pela Sociedade: recorrer a evidência anedótica para inundar a audiência com 'factos', independentemente da sua relevância para a o argumento que apresentam.

Resumindo, este subtítulo diz que a nação de Israel e os cristãos (os guardiães da Bíblia) sobreviveram a guerras, perseguição e tentativas de assimilação. E, ao sobreviverem, preservaram a Bíblia. Tudo isto é verdadeiro e factual.

Mas depois cometem o erro lógico de supor que isso prova de alguma forma que a Bíblia é um livro de Deus. Se aceitássemos este argumento, então poderíamos tirar a mesma conclusão a respeito de qualquer escrito sagrado que alegue inspiração e que tenha sobrevivido a guerras, perseguição e tentativas de assimilação. Conforme já mostrámos, os escritos religiosos Hindus estão nestas condições e no entanto a WTS não aplica o mesmo argumento a esses escritos Hindus.

Cópias Falíveis

10 Muitas das obras antigas já mencionadas, que subseqüentemente foram esquecidas, haviam sido gravadas em pedra ou em duráveis tabuinhas de argila. Mas isso não se deu com a Bíblia. Esta foi originalmente escrita em papiro ou em pergaminho -- materiais muito mais perecíveis. De modo que os manuscritos produzidos pelos escritores originais já desapareceram há muito, muito tempo. Então, como foi preservada a Bíblia? Incontáveis milhares de cópias foram laboriosamente feitas a mão. Esta era a maneira normal de reproduzir um livro antes do advento da imprensa.

É claro que existem literalmente milhares de registos Babilónicos que remontam ao curto período em que os judeus lá estiveram cativos, mas isso parece não contar para a Sociedade. Até agora, eles tentaram transmitir a ideia de que apenas a Bíblia sobreviveu, quando na realidade existem muitos outros escritos da antiguidade que sobreviveram. A Sociedade limita-se a ignorar todos esses escritos. Para exemplos de alguns destes registos babilónicos, veja o apêndice do livro Venha o Teu Reino.

11 No entanto, há um perigo quando se fazem cópias manuscritas. Sir Frederic Kenyon, famoso arqueólogo e bibliotecário do Museu Britânico, explicou: "Ainda não foram criados a mão e o cérebro humanos que consigam copiar na inteireza uma obra extensa sem absolutamente nenhum erro.... Forçosamente se introduziriam sem querer erros."4 Quando sem querer se introduziu um erro num manuscrito, ele foi repetido quando este manuscrito se tornou a base para outras cópias. Quando se fizeram muitas cópias durante um longo período, introduziram-se sem querer numerosos erros humanos.

É claro que essa situação é minorada se as pessoas pensarem que estão a copiar os pensamentos de Deus. As pessoas fazem coisas estranhas e vão a extremos quando pensam que aquilo que fazem é para Deus. Vejamos como é que isto se relaciona com o que é dito neste subtítulo.

12 Em vista dos muitos milhares de cópias da Bíblia feitas, como sabemos que este processo de reprodução não a alterou a ponto de ficar irreconhecível? Pois bem, tomemos o caso da Bíblia hebraica, o "Antigo Testamento". Na segunda metade do sexto século AEC, quando os judeus retornaram do seu exílio babilônico, um grupo de eruditos hebreus, conhecidos como soferins, "escribas", tornaram-se os depositários do texto da Bíblia hebraica, e era da sua responsabilidade copiar essas Escrituras para uso na adoração pública e particular. Eram profissionais altamente motivados, e sua obra era da melhor qualidade.

Novamente, eles pensavam que estavam a trabalhar para Deus, portanto é natural que estivessem altamente motivados. Os monges medievais que fizeram manuscritos espantosos pensavam que estavam a servir a Deus. O que tornou o seu trabalho significativo foi o facto de acreditarem nisso. No entanto, a WTS não argumentaria que esses monges medievais estavam a servir a Deus de forma correcta.

13 Desde o sétimo até o décimo século de nossa Era Comum, os herdeiros dos soferins eram os massoretas. O nome deles deriva duma palavra hebraica que significa "tradição", e eles essencialmente também eram escribas encarregados da tarefa de preservar o tradicional texto hebraico. Os massoretas eram meticulosos. Por exemplo, o escriba tinha de usar um exemplar devidamente autenticado como texto-base, e não se lhe permitia escrever nada de memória. Ele tinha de verificar cada letra antes de escrevê-la.5 O Professor Norman K. Gottwald relata: "Uma noção do cuidado com que eles se desincumbiram dos seus deveres é indicada no requisito rabínico de que todos os novos manuscritos fossem revisados e as cópias falhas rejeitadas imediatamente."6

De facto, estes escribas eram muito minuciosos e produziram um excelente trabalho. Eles estavam altamente motivados, pois acreditavam que o trabalho que faziam era para Deus.

14 Quão exata foi a transmissão do texto pelos soferins e pelos massoretas? Até 1947, era difícil de responder a esta pergunta, visto que os manuscritos hebraicos mais antigos disponíveis eram do décimo século da nossa Era Comum. Em 1947, porém, foram encontrados alguns fragmentos de manuscritos bem antigos em cavernas, na vizinhança do mar Morto, inclusive partes dos livros da Bíblia hebraica. Alguns dos fragmentos datam de antes do tempo de Cristo. Os eruditos compararam-nos com manuscritos hebraicos existentes, para confirmar a exatidão da transmissão do texto. Qual foi o resultado desta comparação?

Note que apenas é possível fazer uma comparação muito limitada, pois só foram descobertos alguns 'fragmentos', não foram descobertas todas as escrituras hebraicas. Por essa razão, é impossível provar a exactidão da Bíblia na sua inteireza. Ainda assim, o que foi descoberto revela alguns pormenores embaraçosos para a Sociedade. Repare:

15 Uma das obras mais antigas descobertas foi o livro inteiro de Isaías, e a exatidão deste texto em comparação com a Bíblia massorética que hoje temos é espantosa. O Professor Millar Burrows escreve: "Muitas das diferenças entre o [recém-descoberto] rolo de Isaías de S. Marcos e o texto massorético podem ser explicadas como erros de cópia. Fora disso, no todo, há uma notável concordância com o texto encontrado nos manuscritos medievais. Tal concordância num manuscrito bem mais antigo fornece um testemunho que renova a confiança na exatidão geral do texto tradicional."7 Burrows acrescenta: "É de admirar que no decorrer de uns mil anos o texto tenha sofrido tão pouca alteração."

É espantoso que essas cópias se tenham revelado exactas. Mas qual é o argumento? Que Deus preservou a sua palavra? Se é assim, então porque é que as cópias contêm pequenas diferenças, em vez de serem perfeitas? Será que vão dizer que os copistas eram apenas humanos e por isso sujeitos a errar? Se dizem isso, então como é que podem continuar a argumentar que a exactidão das cópias implica a intervenção de Deus? Será que vamos aceitar o argumento de que qualquer trabalho da antiguidade que se tenha preservado de modo notável teve a protecção de Deus? Ainda hoje temos os Vedas Hindus, que têm uma história de quase 3.000 anos de preservação e sobrevivência. Será que Deus também é o autor dos Vedas?

16 No caso da parte da Bíblia escrita em grego, pelos cristãos, o chamado Novo Testamento, os copistas eram mais parecidos a amadores talentosos, do que aos soferins profissionais, altamente treinados. Mas, visto que trabalhavam sob a ameaça de punição por parte das autoridades, eles tomavam seu trabalho a sério. E duas coisas asseguram-nos que hoje temos um texto essencialmente igual ao assentado pelos escritores originais. Primeiro, possuímos manuscritos de data muito mais próxima ao tempo da escrita, do que no caso da parte hebraica da Bíblia. De fato, um fragmento do Evangelho de João é da primeira metade do segundo século, menos de 50 anos depois da data em que João provavelmente escreveu seu Evangelho. Segundo, a própria quantidade de manuscritos que sobreviveram constitui uma colossal demonstração da integridade do texto.

Tanto quanto sei, essa informação é correcta. Parece que hoje temos a Bíblia numa forma exacta.

17 Sobre este ponto atestou Sir Frederic Kenyon: "Não é exagero afirmar que o texto da Bíblia, em essência, é certo. Isto se dá especialmente com o Novo Testamento. O número de manuscritos do Novo Testamento, de primitivas traduções dele e de citações dele nos escritores mais antigos da Igreja, é tão grande, que é praticamente certo que a verdadeira versão de toda passagem duvidosa é preservada em uma ou outra dessas autoridades antigas. Não se pode dizer isto de nenhum outro livro antigo no mundo."10

A informação apresentada nesta secção do livro pode-se resumir assim: Os manuscritos da Bíblia foram preservados e copiados com espantosa exactidão. Isto é correcto. É neste ponto que ocorre a falha lógica no argumento, quando dizem que isto prova que Deus foi responsável por esse esforço. Mais uma vez, o factor determinante para isso ter acontecido foi as pessoas pensarem que a Bíblia era a palavra de Deus.

Os Povos e Suas Línguas

18 As línguas originais em que a Bíblia foi escrita, a longo prazo, também eram um obstáculo para a sua sobrevivência. Os primeiros 39 livros, na maior parte, foram escritos em hebraico, a língua dos israelitas. Mas o hebraico nunca fora amplamente conhecido. Se a Bíblia tivesse continuado só nesta língua, nunca teria exercido influência fora da nação judaica e dos poucos estrangeiros que sabiam lê-la. Entretanto, no terceiro século AEC, em benefício dos hebreus que moravam em Alexandria, no Egito, iniciou-se a tradução da parte hebraica da Bíblia para o grego. O grego era então uma língua internacional. De modo que a Bíblia hebraica tornou-se facilmente acessível aos não-judeus.

Isto é correcto e factual.

19 Quando chegou o tempo para se escrever a segunda parte da Bíblia, ainda se falava amplamente o grego, de modo que os últimos 27 livros da Bíblia foram escritos nesta língua. Mas nem todos entendiam o grego. De modo que, em pouco tempo começaram a aparecer traduções, tanto da parte hebraica como da grega da Bíblia, nas línguas cotidianas daqueles primeiros séculos, tais como o siríaco, o copta, o armênio, o georgiano, o gótico e o etíope. O idioma oficial do Império Romano era o latim, e fizeram-se traduções latinas em tal número, que se teve de comissionar uma "versão autorizada". Esta foi terminada por volta de 405 EC e veio a ser conhecida como a Vulgata (que significa "popular" ou "comum").

E hoje a Bíblia está disponível em muitas outras línguas, mas isto só prova que algumas pessoas pensam que é importante traduzir a Bíblia.

O argumento desta secção é que a Bíblia, embora tenha sido originalmente escrita em línguas que já não são muito usadas hoje, foi traduzida ao longo da história para as línguas comuns em cada época. O que é que isto prova? Que é inspirada? Seguindo essa lógica, qualquer livro (como os Vedas hindus) que tenha sido originalmente escrito numa língua obscura e depois traduzido para línguas mais comuns deve ter sido divinamente inspirado.

20 Portanto, foi apesar de muitos obstáculos que a Bíblia sobreviveu até os primeiros séculos da nossa Era Comum. Aqueles que a produziram eram minorias desprezadas e perseguidas, que levavam uma existência difícil no meio dum mundo hostil. Ela facilmente poderia ter sido muito deturpada ao se produzirem cópias, mas não foi. Além disso, escapou ao perigo de estar disponível apenas àqueles que falavam determinada língua.

Isso é verdade, mas aconteceu o mesmo com outras religiões. A Bíblia não é o único documento religioso que sobreviveu a essas circunstâncias.

Pode substituir-se nesse parágrafo as palavras 'a Bíblia' por 'os Vedas hindus', e continuamos a ter afirmações verdadeiras.

21 Por que foi para a Bíblia tão difícil de sobreviver? A própria Bíblia diz: "O mundo inteiro jaz no poder do iníquo." (1 João 5:19) Em vista disso, era de esperar que o mundo fosse hostil à publicação da verdade, e assim mostrou ser. Então, por que sobreviveu a Bíblia, quando tantas outras obras literárias, que não se confrontavam com as mesmas dificuldades, foram esquecidas? A Bíblia responde também a isso. Ela diz: "A declaração de Jeová permanece para sempre." (1 Pedro 1:25) Se a Bíblia realmente é a Palavra de Deus, nenhum poder humano pode destruí-la. E assim tem sido, até mesmo neste século 20.

Que dizer de todas aquelas peças de literatura da antiguidade que sobreviveram? Será que a sua sobrevivência é indicação de que Deus estava por detrás dessas obras? Quanto a usarem Satanás como bode expiatório pela perseguição contra os cristãos, essa é uma desculpa simplista. Todos os grupos religiosos acreditam que o diabo os persegue.

22 Entretanto, no quarto século da nossa Era Comum, aconteceu algo que finalmente resultou em novos ataques à Bíblia e que influiu profundamente no curso da história européia. Apenas dez anos depois de Diocleciano ter tentado destruir todos os exemplares da Bíblia, a política imperial mudou e o "cristianismo" foi legalizado. Doze anos mais tarde, em 325 EC, um imperador romano presidiu ao "cristão" Concílio de Nicéia. Por que seria perigoso para a Bíblia tal acontecimento aparentemente favorável? Saberemos a resposta no próximo capítulo.

As três linhas de raciocínio que foram usadas neste capítulo com o objectivo de provar que a Bíblia é inspirada, foram: a Bíblia 1) sobreviveu a hostilidades; 2) sobreviveu a séculos de cópias e 3) tornou-se disponível nas línguas comuns.

Quando removemos toda a informação supérflua e reduzimos o que é dito neste capítulo a estes três pontos, torna-se evidente que a Sociedade está a recorrer a uma falácia lógica [special pleading] para provar o seu ponto. Conforme foi dito, todos estes argumentos podem ser aplicados aos Vedas hindus. Será que isto significa que acabámos de provar que os Vedas são inspirados por Deus? Se não, porque é que os argumentos usados ao longo deste capítulo não são válidos no caso dos Vedas, mas são válidos no caso da Bíblia?


Refutação do Capítulo 4: Pode-se Crer no "Antigo Testamento"?

Publicado por Seeker em 26 Maio 1998


Comentário ao Capítulo 4: "Pode-se Crer no "Antigo Testamento"?" do livro A Bíblia -- Palavra de Deus ou de Homem?, publicado pela Sociedade Torre de Vigia em 1989.

Capítulo 4

Pode-se Crer no "Antigo Testamento"?

Uma cidade antiga está sendo sitiada. Seus atacantes haviam atravessado em massa o rio Jordão e estavam agora acampados diante das altas muralhas da cidade. Mas, que estranha tática de guerra! Todos os dias, durante seis dias, o exército invasor marchara ao redor da cidade em silêncio, rompido apenas por um acompanhante grupo de sacerdotes que tocara buzinas. Agora, no sétimo dia, o exército marcha silencioso sete vezes ao redor da cidade. De repente, os sacerdotes tocam as buzinas com toda a força. O exército rompe o silêncio com um forte grito de guerra, e as altas muralhas da cidade desmoronam numa nuvem de poeira, deixando a cidade indefesa. -- Josué 6:1-21.

2 É assim que o livro de Josué, o sexto das Escrituras Hebraicas, descreve a queda de Jericó, que ocorreu há quase 3.500 anos. Mas, será que aconteceu realmente? Muitos altos críticos responderiam confiantemente que não. Eles afirmam que o livro de Josué, junto com os cinco livros precedentes da Bíblia, é composto de lendas escritas muitos séculos depois da ocorrência dos alegados eventos. Também muitos arqueólogos diriam o mesmo. Segundo eles, quando os israelitas entraram na terra de Canaã, Jericó talvez nem existisse.

O Velho Testamento está cheio de relatos (como o anterior) que descrevem Jeová a conduzir os Israelitas à vitória sobre os seus inimigos, mas não é só a Bíblia que contém este tipo de histórias; a literatura das nações vizinhas conta como os seus deuses também os conduziram à vitória. A Pedra Moabita diz que o Deus Chemosh deu a Mesha (um rei moabita mencionado em 2 Reis 3:4) a vitória sobre os seus inimigos.

Se os cristãos aceitam essas histórias da Bíblia como sendo verdades literais, em que se baseiam para dar à Bíblia um estatuto privilegiado? Não devia esse estatuto ser igualmente dado à literatura de outras nações contemporâneas dos tempos bíblicos, que também afirmam que os seus deuses lhes deram vitórias na guerra? Como a crença no sobrenatural era comum naquele tempo, a literatura da época obviamente reflectia essa crença. O historiador judeu Josefo (frequentemente citado pela WTS) escreveu muitos relatos de acontecimentos sobrenaturais, alguns apoiando os escritos bíblicos, outros sendo independentes da Bíblia. Será que aceitamos apenas os relatos sobrenaturais relatados pela Bíblia e recusamos todos os outros? Porquê? Com que base? E que dizer das acções sobrenaturais 'realizadas' pelo Deus Chemosh, conforme relatado na Pedra Moabita? Será que as aceitamos ou recusamos?

3 Estas são acusações sérias. Ao passo que ler a Bíblia, notará que os ensinos dela se relacionam solidamente com a história. Deus lida com homens, mulheres, famílias e nações reais, e suas ordens são dadas a um povo histórico. Os eruditos modernos que lançam dúvidas sobre a historicidade da Bíblia também lançam dúvidas sobre a importância e a fidedignidade da sua mensagem. Se a Bíblia realmente é a Palavra de Deus, então a sua história tem de ser fidedigna, e não conter meras lendas e mitos. Será que esses críticos têm alguma base para desafiar a veracidade histórica dela?

Este parágrafo estabelece o cenário para o resto do capítulo. Os "altos críticos" são todos metidos no mesmo saco, como se fossem um só homem. São-lhes atribuídas motivações suspeitas, como veremos melhor mais adiante. E foi levantado o tipo de argumento a preto-e-branco a que a Sociedade gosta de reduzir tudo.

Quando a WTS conclui que episódios bíblicos miraculosos aconteceram mesmo, que provas apresentam? Será que é possível provar alguma coisa a esse respeito? Talvez eles pensem que se conseguirem detectar falhas na argumentação dos seus críticos, isto de algum modo prova que os milagres aconteceram. Pense nisto: será que a Sociedade ou qualquer outra pessoa consegue provar que este ou qualquer outro episódio registado na Bíblia (ou em qualquer outro escrito contemporâneo) aconteceu mesmo?

Como é que se avalia uma afirmação para a qual não existe conhecimento em primeira mão?

Considere este método:

"Quando não temos evidência, a única maneira de decidir se acreditamos ou não em algo é perguntarmo-nos: É isso provável? Se me disser que um pássaro passou a voar pela minha janela, eu provavelmente acreditarei em si, embora eu próprio não tenha visto o pássaro e não tenha qualquer evidência. Acredito porque esse acontecimento é provável [ou comum]. Já o vi ocorrer antes. É mais provável que um pássaro tenha passado a voar pela minha janela do que você me estar a enganar. Mas se me disser que um porco passou a voar pela minha janela, eu não acredito em si porque a minha experiência passada diz-me que esse tipo de coisas não acontecem, e portanto eu presumo que aquilo que você me contou é falso. Assim, nos casos em que não há evidência, temos de nos basear na nossa experiência passada a respeito das coisas que realmente acontecem." (Lofmark, Carl, What Is the Bible? [O Que É a Bíblia?], pp. 41-42)

Portanto, vejamos se a WTS apresenta de facto evidência [prova] para fundamentar as suas afirmações...

A Alta Crítica -- Quão Confiável É?

4 A alta crítica da Bíblia começou a sério durante os séculos 18 e 19. Na última metade do século 19, o crítico da Bíblia alemão Julius Wellhausen popularizou a teoria de que os primeiros seis livros da Bíblia, incluindo Josué, foram escritos no quinto século AEC -- cerca de mil anos depois dos acontecimentos descritos. No entanto, ele disse que contêm matéria escrita anteriormente.1 Esta teoria foi apresentada na 11.ª edição da Enciclopédia Britânica, publicada em 1911, que explicava: "Gênesis é uma obra pós-exílica, composta de fonte sacerdotal pós-exílica (P) e de anteriores fontes não-sacerdotais, notadamente diferentes de P em linguagem, estilo e ponto de vista religioso."

É interessante notar que Wellhausen é o único "alto crítico" mencionado neste capítulo, como se ele representasse toda a "alta crítica" e como se, respondendo a Wellhausen, estivessem a responder a todos os outros críticos. É claro que isto é demasiado simplista.

5 Para Wellhausen e seus seguidores, toda a história registrada na primeira parte das Escrituras Hebraicas era, "não história literal, mas tradições populares do passado".2 Os relatos anteriores eram considerados apenas um reflexo da história posterior de Israel. Por exemplo, declarou-se que a inimizade entre Jacó e Esaú realmente não aconteceu, mas refletia a inimizade entre as nações de Israel e de Edom em tempos posteriores.

Será que é apresentada neste parágrafo alguma das razões que fundamentam as posições de Wellhausen? Não. Em vez disso a Sociedade menciona as ideias dele, não apresentando qualquer fundamentação, para que a audiência de Testemunhas ridicularize essas ideias. Este é um modo de reduzir a influência de Wellhausen por fazê-lo parecer ridículo. É claro que se a Sociedade incluísse mesmo as razões que fundamentam as posições de Wellhausen, estas fariam sentido, mesmo que discordássemos delas. Mas já que está a mencionar este assunto, porque é que a Sociedade está com medo de trazer à luz as razões que estão por detrás destas questões?

6 Em harmonia com isso, esses críticos achavam que Moisés nunca recebeu ordem para fazer a arca do pacto, e que o tabernáculo, centro da adoração israelita no ermo, nunca existiu. Eles acreditavam também que a autoridade do sacerdócio arônico só foi plenamente estabelecida poucos anos antes da destruição de Jerusalém pelos babilônios, a qual os críticos acreditavam ter acontecido no começo do sexto século AEC.3

Porque é que "esses críticos" acreditam nisso? A Sociedade prefere não dizer. E sabe que a maioria das TJ nunca se dará ao incómodo de fazer pesquisas para descobrir. Eles pensam que a Sociedade lhes está a dizer tudo sobre o assunto. Repare neste parágrafo por exemplo:

7 Que "provas" apresentaram para essas ideias? Os altos críticos afirmam que conseguem dividir o texto dos primeiros livros da Bíblia em diversos documentos diferentes. Um princípio básico que eles usam é presumir que, falando-se de modo geral, todo versículo da Bíblia que usa a palavra hebraica para Deus ('Elo·hím) sozinha foi escrito por um escritor, ao passo que todo versículo que se refere a Deus pelo nome dele, Jeová, deve ter sido escrito por outro -- como se um mesmo escritor não pudesse usar ambos os termos.4

Isto é insidioso. O parágrafo começa com uma pergunta, parecendo que nos vão dar a conhecer o ponto de vista de Wellhausen acerca de todos os pontos mencionados antes, nomeadamente que o Pentateuco foi escrito muito mais tarde do que se pensava, que a inimizade entre Esaú e Jacó nunca existiu, nem existiram a arca e o tabernáculo, nem o clero sacerdotal foi estabelecido tão cedo como se pensava. O livro dá unicamente uma razão porque Wellhausen teorizou um dos assuntos mencionados (que o Pentateuco foi escrito mais tarde do que se pensava).

8 De modo similar, sempre que um evento se encontra registrado mais de uma vez num livro, toma-se isso como prova de que mais de um escritor o produziu, embora a antiga literatura semítica apresente outros exemplos similares de repetição. Além disso, presume-se que toda mudança de estilo significa uma mudança de escritor. No entanto, até mesmo escritores, nas línguas atuais, freqüentemente escrevem em estilos diferentes, em estágios diferentes de sua carreira, ou ao tratarem de matéria diferente.

Agora apresentam, de forma muito simplificada, uma segunda razão para a mesma questão (Pentateuco), e novamente todas as outras questões e razões são ignoradas. Qualquer TJ que leia estes parágrafos pensará: "Há! Que ideia tão estúpida, só porque o texto às vezes diz Elohim e outras vezes diz Jeová eles concluem que Esaú não tinha inimizade por Jacó. Absurdo! Em que é que este sujeito Wellhausen estava a pensar? Bem, é óbvio que podemos ignorar este maluquinho..."

Há muito mais a dizer acerca de Wellhausen do que a Sociedade apresenta aqui. Adiante vou dar algumas referências que o leitor poderá verificar. Por agora, vejamos o que é que a Sociedade faz a seguir:

9 Existe realmente alguma prova que substancie essas teorias? Nenhuma. Certo comentador escreveu: "A crítica, mesmo no melhor dos casos, é especulativa e tentativa, algo sempre sujeito a ser modificado ou mostrado errado, e que tem de ser substituído por outra coisa. É um exercício intelectual, sujeito a todas as dúvidas e palpites que são inseparáveis de tais exercícios."5 A alta crítica bíblica, em especial, é "especulativa e tentativa" em extremo.

O que o comentador disse é correcto, e não há nada de errado com esses exercícios. É assim que a aprendizagem se processa, passo a passo, cometendo erros e corrigindo-os ao longo do percurso. Mas que prova apresenta a Sociedade para fundamentar a última frase do parágrafo? Porque é que a alta crítica é mais "especulativa e tentativa" do que outros tipos de criticismo? Eles não dizem, levando-nos a pensar que é uma opinião pessoal e emocional. A última frase do parágrafo é "um exercício intelectual, sujeito a todas as dúvidas e palpites que são inseparáveis de tais exercícios."

10 Gleason L. Archer, Jr., mostra outra falha no raciocínio da alta crítica. O problema, segundo ele, é que "a escola de Wellhausen começou com a pura suposição (que praticamente não se incomodaram de demonstrar) que a religião de Israel era de mera origem humana, como qualquer outra, e que devia ser explicada como mero produto da evolução".6 Em outras palavras, Wellhausen e seus seguidores começaram com a suposição de que a Bíblia era apenas a palavra de homem, e seus argumentos partiram deste ponto.

Ah, agora a Sociedade recorre a um observador aparentemente imparcial para apoiar a sua afirmação de que Wellhausen não sabia o que estava a fazer. Que razões apresenta Archer? Apenas esta: Wellhausen começou com a suposição de que a religião de Israel era de origem humana.

E depois? A Sociedade neste livro também começa com uma suposição: que a religião de Israel era de origem divina. Porque é que isto está correcto mas a suposição de Wellhausen não está?

Em qualquer campo, os cientistas seguem uma abordagem standardizada e objectiva às questões. Começa-se com uma hipótese, depois esta é testada através de uma série de testes, experiências, estudos, etc. Com base no resultado dessas experiências e testes, a hipótese pode ser confirmada, modificada ou completamente abandonada, dependendo da nova evidência que aparecer. Infelizmente, a WTS não segue esta abordagem standard e imparcial. A Sociedade começa com a sua hipótese, segundo a qual a Bíblia é a palavra de Deus, mas depois estão determinados a provar que a sua hipótese é correcta, em vez de examinarem de forma imparcial toda a evidência disponível e depois deixarem a evidência apontar as devidas conclusões. Pergunte-se a si mesmo porque é que eles agem desta forma. Porque é que eles preferiram ignorar a maior parte da evidência?

Quanto ao senhor Gleason L. Archer, Jr., quem é ele? A Sociedade não diz, levando os seus leitores a assumir que ele é algum crítico imparcial. Quem é ele? Bem, se o leitor fizer uma pesquisa na Internet sobre ele, descobrirá que ele não é imparcial, nem nada que se pareça. De facto, ele é um cristão evangélico que escreve livros defendendo que a Bíblia é de origem divina. Portanto, o senhor Archer também tem algumas suposições de partida.

Vamos pôr os pontos nos ii: Se uma pessoa começa com uma suposição com a qual a Sociedade concorda, eles citam essa pessoa em seu apoio. Se uma pessoa começa com uma suposição coma qual a Sociedade discorda, eles denunciam-no como 'preconceituoso'. Quem é que está a ser preconceituoso, afinal?

Note-se, de passagem, que o senhor Archer nunca seria citado pela Sociedade na brochura Deve-se Crer na Trindade?, pois ele escreveu o seguinte:

"O Nosso Senhor Jesus Cristo estava aqui a falar, não da Sua natureza divina como Filho de Deus, mas da Sua natureza humana, como Filho do Homem. Cristo veio para sofrer e morrer, não como Deus, que não pode fazer nenhuma dessas duas coisas, mas como segundo Adão, nascido de Maria. Só como Filho do Homem é que ele podia servir como Messias, ou Cristo (o Ungido). A menos que pudesse ele mesmo tomar uma natureza humana verdadeira e genuína, Ele nunca poderia ter representado a raça de Adão como aquele que leva os pecados na Cruz. Mas como Filho do Homem, Ele certamente estava numa posição inferior a Deus o Pai. Como Isaías 52:13-53:12 torna claro, Ele só se podia tornar nosso Salvador tornando-se também Servo de Yahweh. Por definição, o servo nunca pode ser tão grande como o seu amo." (Gleason L. Archer, Encyclopedia of Bible Difficulties [Enciclopédia das Dificuldades Bíblicas], 1982, p. 375)

Parece que o senhor Archer acredita na Trindade e na cruz, suposições com as quais a Sociedade não se sentiria confortável, não acha? Parece-lhe ele a pessoa mais imparcial e adequada para julgar o trabalho de Wellhausen?

A Sociedade também cita outra referência acerca deste assunto:

11 Lá em 1909, The Jewish Encyclopedia (A Enciclopédia Judaica) mencionou mais duas fraquezas da teoria de Wellhausen: "Os argumentos com os quais Wellhausen cativou quase que inteiramente todo o grupo de críticos contemporâneos da Bíblia baseiam-se em duas suposições: primeiro, que o rito fica mais apurado com o desenvolvimento da religião; segundo, que as fontes mais antigas necessariamente tratam dos estágios mais primitivos do desenvolvimento ritual. A primeira suposição é contrária à evidência das culturas primitivas, e a última não encontra nenhum apoio na evidência de códigos rituais, tais como os da Índia."

Como Wellhausen teorizou que grande parte da tradição judaica estava incorrecta, não nos deve surpreender que a The Jewish Encyclopedia [A Enciclopédia Judaica] considerasse este conceito ameaçador e tentasse encontrar exemplos para combatê-lo. Novamente, a Sociedade cita uma fonte que não é um observador imparcial.

12 Existe um modo de testar a alta crítica, para ver se suas teorias são corretas, ou não? A Enciclopédia Judaica prossegue: "Os conceitos de Wellhausen baseiam-se quase que exclusivamente numa análise literal, e precisam ser suplementados por um exame feito do ponto de vista da arqueologia institucional." Será que a arqueologia, com o passar dos anos, tendeu a confirmar as teorias de Wellhausen? The New Encyclopædia Britannica (A Nova Enciclopédia Britânica) responde: "A crítica arqueológica tende a substanciar a fidedignidade dos pormenores históricos, típicos, mesmo dos períodos mais antigos [da história bíblica] e a desconsiderar a teoria de que os relatos do Pentateuco [os registros históricos nos mais antigos livros da Bíblia] sejam meros reflexos de um período muito posterior."

O facto de os desenvolvimentos da arqueologia nos últimos cem anos terem acrescentado muitos conhecimentos novos nesta área não devia ser surpreendente. Esse novo conhecimento actualiza as teorias que tratam deste assunto, incluindo as teorias de Wellhausen. Será que isto significa que isso significa que Wellhausen caiu em descrédito devido às novas descobertas arqueológicas? A Sociedade deixa transparecer essa ideia. No entanto, não é verdade que todos partilhem essa opinião. Repare nesta referência, que revela o que é ensinado actualmente na University of California em Santa Bárbara [E.U.A.]:

"Em 1878, Julius Wellhausen, um académico [perito] alemão, propôs uma teoria para explicar a construção do Pentateuco, ou Tora, os primeiros cinco livros da Bíblia hebraica. Wellhausen e alguns outros antes dele tinham notado várias descontinuidades, repetições e contradições ocasionais na narrativa dos livros. A teoria dele, geralmente chamada "Hipótese Documental", tentou levar em consideração esses aspectos. Embora tenha gerado controvérsia e várias teorias concorrentes ao longo do último século, nenhuma outra explicação reteve continuamente a atenção como essa e a Hipótese Documental é aceite por praticamente todos os peritos bíblicos hoje."

Hummmm... parece que as ideias de Wellhausen não estão tão desacreditadas como a Sociedade gostaria que acreditássemos. De facto, as ideias dele são a base de muito do que "todos" os peritos bíblicos aceitam actualmente! Será que todos os peritos bíblicos são preconceituosos e só a Sociedade é que está certa? Será que as coisas são assim tão a preto-e-branco? Porque não faz alguma pesquisa você mesmo e vê com os seus próprios olhos? Para mais informação acerca da Hipótese Documental, incluindo os desenvolvimentos através dos séculos, e o modo como é realmente encarada hoje, veja este link.

Essa informação é da University of Santa Clara e descreve de forma muito clara e simples as ideias que Wellhausen discutiu, e como estas foram encaradas e se desenvolveram até aos nossos dias. As coisas não são tão simples como a Sociedade pretende.

13 Em vista da fraqueza da alta crítica, por que é ela hoje tão popular entre os intelectuais? Porque lhes diz coisas que querem ouvir. Certo erudito do século 19 explicou: "Eu, pessoalmente, aceito mais este livro de Wellhausen do que quase qualquer outro; porque parece-me que o problema premente da história do Antigo Testamento por fim é solucionado dum modo consoante com o princípio da evolução humana, que me vejo forçado a aplicar à história de todas as religiões."7 Evidentemente, a alta crítica concordava com os preconceitos dele qual evolucionista. E, de fato, as duas teorias têm uma finalidade similar. Assim como a evolução eliminaria a necessidade de se crer num Criador, assim a alta crítica de Wellhausen significaria que não se precisa crer que a Bíblia foi inspirada por Deus.

Aqui vemos a Sociedade a fazer um juízo de valor. Todos os altos críticos podem ser metidos no mesmo saco e lançados fora porque obviamente todos eles têm maus motivos. A Sociedade até cita um sujeito de há cem anos atrás a aplica o comentário dele a todos os altos críticos que viveram desde esse tempo. Bem, então o assunto deve estar encerrado! [na opinião da Sociedade]

De facto, à medida que estudar o alto criticismo, verá que os motivos variam muito, e que as conclusões alcançadas não são tão universais como a Sociedade pretende. Mais uma vez, se só lermos o que a Sociedade nos dá, nunca chegaremos a saber a verdadeira natureza das questões.

14 Neste racionalista século 20, a suposição de que a Bíblia não seja a palavra de Deus, mas sim de homem, parece plausível aos intelectuais. Para eles, é muito mais fácil crer que as profecias foram escritas depois do seu cumprimento, do que aceitá-las como genuínas. Preferem invalidar os relatos bíblicos dos milagres por classificá-los de mitos, lendas ou folclore, a considerar a possibilidade de que realmente aconteceram. Mas, tal ponto de vista é preconceituoso e não oferece nenhuma razão válida para se rejeitar a Bíblia como verdadeira. A alta crítica tem sérias falhas, e seu ataque contra a Bíblia deixou de demonstrar que a Bíblia não é a Palavra de Deus.

Outro juízo de valor. A alta crítica tem preconceitos contra a Bíblia. É claro que a Sociedade tem pelo menos tantos preconceitos como os altos críticos, mas a favor da Bíblia, portanto será que também devemos rejeitar o ponto de vista da Sociedade? Se não, porquê? Porque a Sociedade nos diz o que gostamos de ouvir?

Além disso, se não abordamos a Bíblia de um ponto de vista "racional", o que é que isto significa? Que deveríamos abordar a Bíblia de forma irracional? O que é que eles nos estão realmente a dizer aqui?

É claro que a última frase deles é altamente subjectiva e seria contestada por muitos. Certamente que nada apresentado neste capítulo apoia o argumento da Sociedade. Eles apresentaram as coisas de uma forma extraordinariamente simplista. A alta crítica é muito mais abrangente, tem razões muito mais credíveis do que a Sociedade deixa adivinhar neste capítulo. Porque é que a Sociedade não trata dos verdadeiros argumentos da alta crítica? Este livro que estamos a comentar é que seria o mais indicado para essas questões serem discutidas, e apesar disto tudo o que eles fazem é tocar ao de leve no assunto e passar adiante. O leitor já se perguntou porque é que eles preferiram evitar este assunto?

A WTS iniciou este capítulo coma pergunta: "Será que esses críticos têm alguma base para desafiar a veracidade histórica dela?" Acha que a WTS tentou responder a esta questão de forma honesta e imparcial? Será que eles examinaram e apresentaram toda a evidência e a consideraram cuidadosamente? Ou limitaram-se a extrair a informação suficiente para apoiar as suas conclusões preconcebidas, nomeadamente que ó alto criticismo é "preconceituoso", tem "sérias falhas" e "deixou de demonstrar que a Bíblia não é a Palavra de Deus"?

É a Bíblia Apoiada Pela Arqueologia?

15 A arqueologia é um campo de estudo de base muito mais sólida do que a alta crítica. Os arqueólogos, por escavarem os restos de civilizações passadas, aumentaram de muitas maneiras nosso entendimento sobre como as coisas eram nos tempos antigos. Por isso, não surpreende que o registro arqueológico repetidas vezes se harmonize com o que lemos na Bíblia. Ocasionalmente, a arqueologia até mesmo tem vindicado a Bíblia perante os críticos dela.

E outras vezes a arqueologia contradiz completamente a Bíblia. Veja, por exemplo, evidência arqueológica a respeito da evolução, ou a respeito do suposto dilúvio global, em http://www.talkorigins.org/

16 Por exemplo, segundo o livro de Daniel, o último governante de Babilônia, antes de esta cair diante dos persas, era chamado Belsazar. (Daniel 5:1-30) Visto que, fora da Bíblia, não parecia haver nenhuma menção de Belsazar, levantou-se a acusação de que a Bíblia estava errada e que este homem nunca existiu. Mas, no século 19, em algumas ruínas no sul do Iraque, descobriram-se diversos cilindros pequenos, com inscrições cuneiformes. Verificou-se que incluíam orações pela saúde do filho mais velho de Nabonido, rei de Babilônia. O nome deste filho? Belsazar.

17 Portanto, existia um Belsazar! Mas, será que ele era rei por ocasião da queda de Babilônia? A maioria dos documentos encontrados subseqüentemente referiam-se a ele como filho do rei, príncipe herdeiro. Mas um documento cuneiforme descrito como o "Relato Versificado de Nabonido" lançou mais luz sobre a verdadeira posição de Belsazar. Relatou: "Ele [Nabonido] confiou o 'Acampamento' ao seu (filho) mais velho, o primogênito, as tropas em toda a parte no país ele mandou pôr sob (o comando) dele. Largou (tudo), confiou-lhe o reinado."8 De modo que se confiou o reinado a Belsazar. Certamente, para todos os fins e objetivos, isso fez dele um rei! Este relacionamento entre Belsazar e seu pai, Nabonido, explica por que Belsazar, durante aquele banquete final em Babilônia, ofereceu fazer de Daniel o terceiro governante no reino. (Daniel 5:16) Visto que Nabonido era o primeiro governante, o próprio Belsazar era apenas o segundo governante de Babilônia.

Uh? É isso tudo o que têm a dizer? Só Belsazar? O facto de algumas pessoas terem pensado erroneamente que Belsazar não existia não prova grande coisa. Quando escrevemos acerca de um local, a inclusão de alguns detalhes ajuda a tornar a história mais convincente. Foi isso que o autor do livro Daniel fez. O Alcorão também menciona lugares e pessoas reais.

Visto estarmos a usar a evidência arqueológica para apoiar a existência de uma personagem mencionada no livro de Daniel, porque não apresentar e examinar de forma imparcial todas as descobertas arqueológicas relacionadas com o mesmo livro? O que é que os arqueólogos descobriram? Eles encontraram tantas discrepâncias entre a arqueologia e o livro de Daniel que até elaboraram uma história de Babilónia muito diferente, baseando-se em registos arqueológicos recuperados durante o último século e meio.

Até este ponto, não há nada de relevante a assinalar. A maior parte deste capítulo foi dedicado à alta crítica, mas em vez de tratar devidamente o tema, a Sociedade limitou-se a atacar Wellhausen, e fê-lo com grande estreiteza de vistas. Se o leitor tomar tempo para ler os links que mencionei, verá que este assunto é muito mais complexo do que a Sociedade dá a entender.

Outra Evidência em Apoio

18 De fato, muitas descobertas arqueológicas demonstram a exatidão histórica da Bíblia. Por exemplo, a Bíblia relata que, depois de o Rei Salomão ter assumido o reinado de seu pai, Davi, Israel usufruiu grande prosperidade. Lemos: "Judá e Israel eram muitos, em multidão, iguais aos grãos de areia junto ao mar, comendo e bebendo, e alegrando-se." (1 Reis 4:20) Em apoio desta declaração, lemos: "A evidência arqueológica revela que houve uma explosão populacional em Judá durante e depois do décimo século a.C., quando a paz e a prosperidade trazidas por Davi tornaram possível construir muitas cidades novas."

Exactidão histórica não é sinónimo de autoria divina. Quando alguém quer basear uma história na realidade, enquadra-a em situações históricas e assim consegue ter os detalhes correctos. Shakespeare, por exemplo, enquadrou os seus trabalhos de ficção em situações e circunstâncias históricas. Não quero com isto dizer que a Bíblia é um trabalho de ficção. Só estou a dizer que a exactidão histórica num documento escrito não implica necessariamente que esse documento seja divinamente inspirado.

19 Mais tarde, Israel e Judá tornaram-se duas nações, e Israel conquistou a vizinha terra de Moabe. Em certa ocasião, Moabe, sob o Rei Mesa, revoltou-se, e Israel formou uma aliança com Judá e com o vizinho reino de Edom, para guerrear contra Moabe. (2 Reis 3:4-27) Notavelmente, em 1868, em Jordão, descobriu-se uma estela (uma esculpida laje de pedra), inscrita na língua moabita com o relato do próprio Mesa sobre este conflito.

Porque é que consideram isto notável?

20 Daí, no ano 740 AEC, Deus permitiu que o rebelde reino setentrional de Israel fosse destruído pelos assírios. (2 Reis 17:6-18) Falando sobre o relato bíblico deste evento, a arqueóloga Kathleen Kenyon comenta: "Poder-se-ia suspeitar que parte disso fosse uma hipérbole." Mas, será que é? Ela acrescenta: "A evidência arqueológica da queda do reino de Israel é quase mais vívida do que a do registro bíblico.... A completa obliteração das cidades israelitas de Samaria e Hazor, e a acompanhante destruição de Megido, é a evidência arqueológica fatual de que o escritor [bíblico] não exagerou."

Parte da história de Israel está contida na Bíblia. Normalmente na Bíblia os episódios mais recentes são mais exactos e menos fantasiosos do que os episódios mais antigos. Por exemplo, o período de tempo de há milhares de anos atrás é descrito na Bíblia como uma época em que gigantes andavam na terra, caía fogo do céu e houve um dilúvio global. Contudo, à medida que o tempo passa, o relato baseia-se mais na realidade até que chegamos a períodos, como o oitavo século A.C., em que o relato contém história real. Gigantes e fogo que cai do céu não podem ser confirmados a partir de fontes seculares. As invasões da Assíria podem.

Longe de indicarem uma fonte divina, esta progressão de relatos fantasiosos para relatos históricos é evidência de um típico embelezamento humano.

21 Ainda mais tarde, a Bíblia nos conta que Jerusalém, sob o Rei Joaquim, foi sitiada pelos babilônios e foi tomada. Este evento está registrado na Crônica Babilônica, uma tabuinha cuneiforme descoberta pelos arqueólogos. Lemos nela: "O rei de Acade [Babilônia] ... sitiou a cidade de Judá (iahudu) e o rei tomou a cidade no segundo dia do mês de adaru." Joaquim foi levado a Babilônia e encarcerado. Mais tarde, porém, segundo a Bíblia, ele foi solto da prisão e deu-se-lhe uma subsistência alimentar. (2 Reis 24:8-15; 25:27-30) Isto é apoiado por documentos administrativos encontrados em Babilônia, que alistam as rações dadas a "Yaukîn, rei de Judá".

Mais uma vez pergunto: porque é isto considerado notável? É claro que Jerusalém foi tomada por Babilónia. Isto é confirmado tanto pela história como pela Bíblia. O Velho Testamento contém grande parte da história do povo judeu. Não devemos ficar surpreendidos ao encontrar pormenores históricos que coincidem com fontes seculares.

22 Referente à relação entre a arqueologia e os relatos históricos da Bíblia, o Professor David Noel Freedman comentou: "Em geral, porém, a arqueologia tende a apoiar a validez histórica da narrativa bíblica. O amplo esboço cronológico, desde os patriarcas até os tempos do N[ovo] T[estamento], correlaciona-se com os dados arqueológicos.... Descobertas adicionais provavelmente confirmarão a atual posição moderada, de que a tradição bíblica tem raízes históricas, e foi fielmente transmitida, embora não seja história no sentido crítico ou científico."

Reparou nas palavras vagas que são usadas nesta citação? "Em geral", "amplo esboço", "provavelmente". Esta citação, retirada de uma edição de 1959 de um livro, reconhece realisticamente, de forma implícita, que nem todas as descobertas arqueológicas apoiam o registo bíblico. De facto, se o leitor estudar este assunto, verá que existem muitos exemplos em que a arqueologia contradiz os relatos bíblicos.

23 Daí, a respeito dos esforços dos altos críticos, de desacreditar a Bíblia, ele diz: "As tentativas de reconstituição da história bíblica por eruditos modernos -- p. ex., o conceito de Wellhausen, de que a era patriarcal era um reflexo da monarquia dividida; ou a rejeição da historicidade de Moisés e do êxodo, e a conseqüente reestruturação da história israelita por Noth e seus seguidores -- não sobreviveram aos dados arqueológicos tão bem como a narrativa bíblica."

Freedman pensa que o facto de terem sido feitos ajustes aos pontos de vista de Wellhausen significa que esses pontos de vista estão agora desacreditados, enquanto a Bíblia tem sido confirmada. Na realidade, os factos mostram exactamente o contrário, como qualquer investigação sobre este assunto mostra.

De fato, as descobertas arqueológicas mostraram que a Bíblia não é tão exacta como a Sociedade gostaria de nos fazer acreditar. Repare como eles tentam contornar este dilema no próximo subtítulo.

A Queda de Jericó

24 Significa isso que a arqueologia concorda com a Bíblia em todos os casos? Não, pois há diversos desacordos. Um deles é a conquista dramática de Jericó, descrita no início deste capítulo. Segundo a Bíblia, Jericó foi a primeira cidade conquistada por Josué, quando conduziu os israelitas à terra de Canaã. A cronologia bíblica indica que a cidade caiu na primeira metade do século 15 AEC. Depois da conquista, Jericó foi completamente queimada e foi deixada desabitada por centenas de anos. -- Josué 6:1-26; 1 Reis 16:34.

25 Antes da Segunda Guerra Mundial, o Professor John Garstang escavou o sítio que se acreditava ser Jericó. Ele descobriu que a cidade era bem antiga, e que ela havia sido destruída e reconstruída muitas vezes. Garstang constatou que, durante uma destas destruições, os muros desabaram como que num terremoto, e a cidade foi completamente queimada. Garstang achava que isso ocorreu por volta de 1400 AEC, não muito longe da data indicada pela Bíblia para a destruição de Jericó por Josué.

O trabalho de Garstang foi contestado naquela altura porque se baseava em evidência que não apoiava as conclusões dele. A imprensa, contudo, pegou na história sensacionalista e anunciou as descobertas de Garstang como prova de que a Bíblia é exacta. Os factos acabaram por apontar noutra direcção:

26 Depois da guerra, a arqueóloga Kathleen Kenyon fez escavações adicionais em Jericó. Ela chegou à conclusão de que os muros desmoronados, identificados por Garstang, datavam de centenas de anos antes do que ele pensava. Ela, de fato, identificou uma grande destruição de Jericó no século 16 AEC, mas disse que não havia cidade no lugar de Jericó durante o século 15 -- quando a Bíblia diz que Josué invadiu a terra. Ela passa então a relatar possíveis indícios de outra destruição que poderia ter ocorrido no lugar em 1325 AEC, e sugere: "Se a destruição de Jericó há de ser associada com uma invasão sob Josué, esta [última] data é a sugerida pela arqueologia."

Leia um relato destas descobertas neste link.

Verá aí que as coisas não são tão obscuras como a Sociedade faz parecer no parágrafo 26. De facto, vários arqueólogos descobriram, independentemente uns dos outros, que Jericó foi destruída por volta de 2400 A.C. e que era, na melhor das hipóteses, uma pequena aldeia quando Josué lá chegou, tornando a conquista desnecessária.

Se a última frase do parágrafo 26 é usada como um meio de disfarçar o embaraço causado pela arqueologia, é uma fraca tentativa, pois mesmo assim a evidência ainda é desfavorável aos estudantes da Bíblia. A data 1325 A.C. ainda não lhes serve, e obrigaria a rejeitar grande parte do registo bíblico histórico.

27 Significa isso que a Bíblia está errada? De modo algum. Temos de lembrar-nos que, ao passo que a arqueologia nos oferece uma janela para o passado, esta janela nem sempre oferece uma vista clara. Às vezes está decididamente fosca. Conforme observou um comentador: "A evidência arqueológica, infelizmente, é fragmentária, e, portanto, limitada." Isto se dá especialmente com os primeiros períodos da história israelita, quando a evidência arqueológica não é clara. De fato, a evidência é menos clara em Jericó, visto que o sítio sofreu grande erosão.

Esta citação é da Biblical Archaeology Review [Revista de Arqueologia Bíblica], que não é propriamente um observador imparcial na matéria. Um arqueólogo bíblico muito conhecido, George Wright, é citado como tendo dito que a arqueologia bíblica deve ser usada com intenções apologéticas:

"O arqueólogo bíblico pode ser ou não ele próprio um escavador, mas estuda as descobertas das escavações com o objectivo de tirar delas qualquer facto que lance uma luz directa, indirecta ou até mesmo difusa sobre a Bíblia. Ele tem de estar inteligentemente preocupado com a estratigrafia e a tipologia, sobre as quais se baseia a metodologia da moderna arqueologia.... No entanto, a sua principal preocupação não é apenas com os métodos, vasos ou armas em si mesmos. O seu interesse central e absorvente é a compreensão e exposição das Escrituras." -- Recent Archaeological Discoveries and Biblical Research [Descobertas Arqueológicas Recentes e a Investigação Bíblica], de William G. Dever, p. 18.

Como já vem sendo costume, quando é descoberta evidência que contradiz a Bíblia, a Sociedade recorre ao artifício de dizer mal do campo científico em questão. Se a arqueologia apoiasse a Bíblia de forma consistente, a Sociedade aplaudiria sem reservas esse campo de estudo. Como a arqueologia por vezes contradiz a Bíblia, a Sociedade acautela-nos dizendo que este campo científico não é muito fiável.

O que eles estão realmente a dizer é: 'Acredite na Bíblia, independentemente do que a evidência diz.' Convenhamos que esta não é uma argumentação muito convincente...

As Limitações da Arqueologia

28 Os próprios arqueólogos admitem as limitações da sua ciência. Por exemplo, Yohanan Aharoni explica: "Quando se trata de interpretação histórica ou histórico-geográfica, o arqueólogo sai do domínio das ciências exatas, e precisa depender de critérios e hipóteses para chegar a um quadro histórico compreensivo." Sobre as datas atribuídas a diversas descobertas, ele acrescenta: "Sempre devemos lembrar, portanto, que nem todas as datas são absolutas e são em variados graus suspeitas", embora ele ache que os arqueólogos de hoje podem ter mais confiança nas suas datas do que os do passado.

Portanto agora a Sociedade atribui maus motivos aos arqueólogos em toda a parte, dizendo que eles têm de se basear em juízos de valor, sendo implícito que os valores deles são suspeitos. Em seguida eles incluem uma citação que deixa implícito que as datas são suspeitas, e depois corta a citação antes de podermos ler em detalhe o que o senhor Aharoni pensa acerca das datas usadas pelos arqueólogos actuais. Na verdade, parece que Aharoni pensa que as datas actuais são razoavelmente exactas. É bom lembrar que ele morreu em 1976, portanto esta citação já tem mais de 20 anos, e por isso podemos dizer que os arqueólogos têm informações ainda mais exactas actualmente. Isto não prenuncia nada de bom para a exactidão histórica da Bíblia.

29O Mundo do Antigo Testamento faz a pergunta: "Quão objetivo ou realmente científico é o método arqueológico?" Responde: "Os arqueólogos são mais objetivos quando desenterram os fatos, do que quando os interpretam. Mas, as suas preocupações humanas afetam também os métodos que usam ao 'escavar'. Não podem deixar de destruir sua evidência ao cavarem através de camadas de terra, de modo que nunca podem testar suas 'experiências' por repeti-las. Isto torna a arqueologia ímpar entre as ciências. Além disso, torna a reportagem arqueológica uma tarefa muito difícil e cheia de armadilhas."

Mais insinuações de que não podemos confiar nesses indivíduos, os arqueólogos! É claro que, embora o que a citação diz seja verdadeiro, isso não faz com que a Sociedade pare de citar esses arqueólogos todas as vezes que lhes convém. E isso também não impede as pessoas em geral de terem grande confiança nas descobertas e interpretações arqueológicas. Os arqueólogos têm limitações, mas também aprenderam a superar essas limitações de forma eficaz.

Porque é que a Sociedade cita sem reservas os arqueólogos quando estes encontram algo que apoia a Bíblia e depois minimiza qualquer descoberta que contradiz a Bíblia? Será que os métodos dos arqueólogos tornam-se subitamente inválidos neste último caso? Ou devia a Sociedade aplicar o mesmo grau de cepticismo às descobertas que apoiam a Bíblia, para ser justa e consistente? Afinal, a Sociedade utilizou vários parágrafos para nos dizer como a arqueologia não é digna de confiança.

30 De modo que a arqueologia pode ser muito útil, mas, assim como qualquer outro empreendimento humano, é falível. Ao passo que consideramos com interesse as teorias arqueológicas, nunca devemos encará-las como verdades incontestáveis. Quando os arqueólogos interpretam seus achados dum modo que contradiz a Bíblia, não devemos automaticamente presumir que a Bíblia esteja errada e que os arqueólogos estejam certos. Sabe-se que as interpretações deles têm mudado.

Quer isso dizer que se os arqueólogos interpretarem as suas descobertas de um modo que apoia a Bíblia, nós não devemos assumir automaticamente que a Bíblia está correcta? Também devemos continuar a ser cépticos neste caso? Ou é honesto escolher as interpretações que mais nos agradam e rejeitar as outras?

31 É de interesse notar que o Professor John J. Bimson, em 1981, examinou de novo a questão da destruição de Jericó. Estudou de perto a ocorrência da destruição ardente de Jericó, a qual -- segundo Kathleen Kenyon -- ocorreu em meados do século 16 AEC. Segundo ele, a destruição não somente se ajusta ao relato bíblico da destruição da cidade por Josué, mas o quadro arqueológico de Canaã, como um todo, enquadra-se perfeitamente na descrição bíblica de Canaã quando foi invadido pelos israelitas. Por isso, ele sugere que a datação arqueológica está errada e propõe que esta destruição realmente ocorreu em meados do século 15 AEC, durante a vida de Josué.

Como seria de esperar, o Professor Bimson é um autor cristão que teria muito a perder se a arqueologia refutasse o relato bíblico. Não é de estranhar que ele gostasse de repudiar as descobertas de Kenyon (e de outros). É claro que isso não muda o consenso existente entre os arqueólogos, mas desde que consiga encontrar um membro da 'cristandade' que diga algo que quer ouvir, a Sociedade cita-o.

A Bíblia É História Genuína

32 Isto ilustra o fato de que os arqueólogos muitas vezes divergem entre si. Portanto, não surpreende que alguns discordem da Bíblia, ao passo que outros concordam com ela. Não obstante, alguns eruditos estão chegando a respeitar a historicidade da Bíblia de modo geral, se não em todos os pormenores. William Foxwell Albright representava uma escola de pensamento quando escreveu: "Tem havido um retorno geral ao apreço da exatidão da história religiosa de Israel, tanto no aspecto geral como nos pormenores fatuais.... Em suma, agora podemos novamente tratar a Bíblia do começo ao fim como documento autêntico de história religiosa."

É claro que os arqueólogos divergem entre si, especialmente quando alguns deles são 'arqueólogos bíblicos' que têm uma causa a defender a todo o custo. A cristandade ensinou durante séculos que o sol se movia à volta da terra. Quando os astrónomos finalmente mostraram que isto estava errado, outros astrónomos da época discordavam deles e diziam coisas para agradar à Igreja. Será que o facto de naquela época os astrónomos 'divergirem entre si' significava que a terra realmente não se movia à volta do sol? É claro que não. Desde que existam pessoas que defendem um ponto de vista independentemente do que os factos provam, encontraremos sempre divergências entre esses e aqueles que apenas procuram o que os factos mostram.

O senhor Albright é conhecido por ter a suposição inicial de que a Bíblia nunca erra e procurar indícios que comprovem a sua suposição. Por isso ele já há muito tempo foi repudiado, como o leitor verá se ler o artigo no site que foi mencionado anteriormente nesta página. Pessoas que agem dessa forma (partindo de suposições, em vez de se basearem em factos) foram condenadas pela Sociedade, no entanto aqui a Sociedade recorre a citações deste apologista bíblico que foi repudiado pelos seus pares.

33 De fato, a própria Bíblia leva o marco de história exata. Os acontecimentos estão relacionados com tempos e datas específicos, dessemelhantes dos da maioria dos antigos mitos e lendas. Muitos acontecimentos registrados na Bíblia são apoiados por inscrições que datam daqueles tempos. Onde ocorre uma diferença entre a Bíblia e alguma inscrição antiga, a discrepância freqüentemente pode ser atribuída à aversão dos antigos governantes de registrar suas próprias derrotas, e ao seu desejo de magnificar os seus êxitos.

Aqui a Sociedade ignora, com um aceno de mão, todos os problemas que ficaram por analisar. Embora muitos episódios estejam ligados a épocas e datas específicas, nem todos estão, e muitas dessas datas foram refutadas por descobertas modernas. Vale a pena o esforço de fazer uma investigação e ver como a Sociedade está a esconder muitos factos neste capítulo.

34 Deveras, muitas daquelas antigas inscrições são mais propaganda oficial do que história. Em contraste, os escritores bíblicos demonstram uma rara franqueza. Principais personagens ancestrais, tais como Moisés e Arão, são revelados em todas as suas fraquezas e em seus pontos fortes. Até mesmo as falhas do grande rei Davi são reveladas com honestidade. As faltas da nação como um todo são repetidas vezes expostas. Este candor recomenda as Escrituras Hebraicas como verazes e fidedignas, e dá peso às palavras de Jesus, que disse, ao orar a Deus: "A tua palavra é a verdade." -- João 17:17.

Na Bíblia existe franqueza, mas também lá encontramos propaganda e engrandecimento israelita, muito além da proporção e importância histórica que na realidade tiveram. Mais ainda, a Bíblia não é o único registo escrito que menciona falhas e fraquezas.

35 Albright prosseguiu: "De qualquer modo, a Bíblia sobreleva-se em conteúdo a toda a primitiva literatura religiosa; e sobreleva-se de modo igualmente impressionante a toda a literatura subseqüente na simplicidade direta da sua mensagem e na catolicidade [alcance abrangente] do interesse que desperta em homens de todas as terras e tempos." É esta 'mensagem sobrelevante', em vez de o testemunho de eruditos, que prova a inspiração da Bíblia, conforme veremos em capítulos posteriores. Mas, notemos neste respeito que os pensadores racionalistas modernos deixaram de provar que as Escrituras Hebraicas não são história verídica, ao passo que estes próprios escritos fornecem toda a evidência de serem exatos. Pode-se dizer o mesmo das Escrituras Gregas Cristãs, o "Novo Testamento"? Consideraremos isso no próximo capítulo.

Como não conseguiram o testemunho de peritos para provar que a Bíblia é a palavra de Deus, a que é que a Sociedade agora recorre? À opinião emocional de alguém sobre a 'mensagem sobrelevante' da Bíblia? Obviamente, alguém que supõe à partida que a Bíblia é a palavra de Deus terá desse livro uma opinião emocional que é favorável, mas será que isso "prova" que a Bíblia é inspirada?

Quanto a 'pensadores racionalistas modernos deixarem de provar que as Escrituras Hebraicas não são história verídica', o que a Sociedade quer dizer é que não se importa com as provas que esses "pensadores" apresentam. A verdade é que existem muitas descobertas que contradizem a exactidão histórica da Bíblia, mas a Sociedade prefere ignorá-las.

Por fim, os próprios escritos hebraicos não 'fornecem toda a evidência de serem exactos'. Ao longo deste capítulo vieram à superfície várias inexactidões. A Sociedade pode tentar ignorar essas e outras inexactidões, mas isso não as faz desaparecer.


Refutação do Capítulo 5: O "Novo Testamento" — História ou Mito?

Publicado por Seeker em 2 Junho 1998


Comentário ao Capítulo 5: "O "Novo Testamento" -- História ou Mito?" do livro A Bíblia -- Palavra de Deus ou de Homem?, publicado pela Sociedade Torre de Vigia em 1989.

Capítulo 5

O "Novo Testamento" -- História ou Mito?

"O Novo Testamento pode hoje ser descrito como o livro mais investigado da literatura mundial." Assim disse Hans Küng no seu livro "Sobre Ser Cristão". E ele tem razão. Durante os últimos 300 anos, as Escrituras Gregas Cristãs foram investigadas ao máximo. Foram mais cabalmente dissecadas e mais minuciosamente analisadas do que qualquer outra literatura.

AS CONCLUSÕES a que alguns investigadores chegaram são estranhas. Lá no século 19, Ludwig Noack, da Alemanha, concluiu que o Evangelho de João foi escrito em 60 EC pelo discípulo amado -- o qual, segundo Noack, era Judas! O francês Joseph Ernest Renan sugeriu que a ressurreição de Lázaro provavelmente foi uma fraude elaborada pelo próprio Lázaro, para dar apoio à afirmação de Jesus, de fazer milagres, ao passo que o teólogo alemão Gustav Volkmar insistiu em que o Jesus histórico de maneira alguma podia ter feito reivindicações messiânicas.1

2 Bruno Bauer, por outro lado, decidiu que Jesus nunca existiu! "Ele sustentou que as verdadeiras forças criativas no primitivo cristianismo eram Filo, Sêneca e os gnósticos. No fim, ele declarou que nunca houve um Jesus histórico ... que a gênese da religião cristã ocorreu em fins do segundo século e procedeu de um judaísmo no qual o estoicismo se tornara dominante."2

3 Hoje em dia, poucos sustentam tais idéias extremas. Mas, ao ler as obras de eruditos modernos, verificará que muitos ainda acreditam que as Escrituras Gregas Cristãs contêm lendas, mitos e exageros. Será que isso é verdade?

Que modo interessante de começar um capítulo. A Sociedade recorre ao ridículo. Repare na forma como eles usaram pontos de exclamação para fazer parecer que estão a tratar de ideias absurdas. Repare no uso das palavras 'bizarro' e 'extremo' na descrição desses pontos de vista. Porque é que precisam de usar essa abordagem depreciativa? Se as ideias dos investigadores são de facto bizarras, não se tornará isso evidente para o leitor? Porque é que recorrem a insultos nestes três parágrafos?

Note como é que se deve lidar com assuntos controversos, conforme demonstrado pelo professor Thomas H. Huxley, no seu ensaio "Agnosticism" [Agnosticismo]:

"Veja, para uma admirável discussão de todo este assunto, ... a notável monografia do Prof. Volkmar, "Jesus Nazarenus und die erste Christliche Zeit" [Jesus, o Nazareno, e a Primitiva Época Cristã] (1882). Quer concordemos com as conclusões destes escritores ou não, o método de investigação crítica que eles adoptaram é inatacável."

Gustav Volkmar é aqui mencionado e Huxley diz que talvez não concordemos com ele, mas ao menos devemos respeitar o modo como ele fez as suas investigações. Este é um modo muito mais respeitoso de lidar com tópicos controversos.

Quando Foram Escritas?

4 Mitos e lendas levam tempo para se desenvolver. Por isso é importante fazer a pergunta: Quando foram escritos esses livros? Michael Grant, historiador, diz que os escritos históricos das Escrituras Gregas Cristãs tiveram início "trinta ou quarenta anos após a morte de Jesus".4 O arqueólogo bíblico William Foxwell Albright citou C. C. Torrey como chegando à conclusão de "que todos os Evangelhos foram escritos antes de 70 A.D. e que não há neles nada que não pudesse ter sido escrito dentro de vinte anos após a Crucificação". A opinião do próprio Albright era que sua escrita foi completada "o mais tardar por volta de 80 A.D.". Outros apresentam cálculos um pouco diferentes, mas a maioria concorda que a escrita do "Novo Testamento" estava completa por volta do fim do primeiro século.

5 O que significa isso? Albright conclui: "Só podemos dizer que um período de vinte a cinqüenta anos é limitado demais para permitir qualquer corrupção substancial do conteúdo essencial e mesmo da fraseologia específica dos dizeres de Jesus."5 O Professor Gary Habermas acrescenta: "Os Evangelhos são de bem perto do período que registram, ao passo que as histórias antigas costumam descrever eventos que ocorreram séculos antes. Todavia, os atuais historiadores conseguem com bom êxito derivar os eventos mesmo de tais períodos antigos."6

6 Em outras palavras, as partes históricas das Escrituras Gregas Cristãs merecem pelo menos tanto crédito quanto as histórias seculares. Por certo, nas poucas décadas decorridas entre os acontecimentos do primitivo cristianismo e o tempo em que foram assentados por escrito, não houve tempo para se desenvolverem mitos e lendas, e para estes serem universalmente aceitos.

A primeira frase do parágrafo 6 não é verdadeira. Eles estão a tirar uma conclusão que não tem apoio na citação que mencionaram no parágrafo 5. Podemos argumentar que os evangelhos foram escritos suficientemente perto dos acontecimentos descritos para permitir uma comparação favorável com a tabela cronológica de outros relatos históricos seculares. Mas daqui não se pode concluir que as histórias dos evangelhos merecem tanta credibilidade como as histórias seculares. Se, por exemplo, as histórias seculares não mencionarem milagres, então são dignas de muito mais crédito.

Quanto à segunda frase do parágrafo 6, é uma afirmação sem fundamento. Houve tempo suficiente para que mitos e lendas se desenvolvessem em algumas décadas. Note que quando Jesus morreu, só existiam algumas dezenas de seguidores. Quando o seu líder morreu, eles tiveram de enfrentar a hostilidade da religião instituída e não sabiam o que fazer. A atitude melhor que eles podiam ter era dizer que o seu líder estava, de facto, bem vivo e tinha poder! Talvez os discípulos não estivessem a mentir conscientemente, pois podiam ter acreditado em tudo o que diziam, usando escrituras não relacionadas para fundamentar a sua ânsia em acreditar. Ao espalharem esta mensagem, completamente convencidos nas suas mentes, os mitos e lendas espalharam-se.

Lembre-se que naquele tempo não era fácil verificar estas coisas, como seria hoje, com os nossos meios de comunicação eficazes. Se os discípulos diziam que Jesus ressuscitou, que podia argumentar o contrário? A mentalidade supersticiosa deles aceitava esse tipo de coisas, portanto a ressurreição fazia sentido para eles. À medida que uma pessoa contava a história a outra, as lendas podiam ir crescendo. Este processo podia facilmente ter acontecido em apenas alguns anos.

Testemunho Ocular

7 Isto se dá especialmente em vista do fato de muitos dos relatos falarem à base de testemunho ocular. O escritor do Evangelho de João disse: "Este é o discípulo [o discípulo a quem Jesus amava] que dá testemunho destas coisas e que escreveu estas coisas." (João 21:24) O escritor do livro de Lucas diz: "[Os fatos] no-los transmitiram os que desde o princípio se tornaram testemunhas oculares e assistentes da mensagem." (Lucas 1:2) O apóstolo Paulo, falando daqueles que testemunharam a ressurreição de Jesus, disse: "A maioria [deles] permanece até o presente, mas alguns já adormeceram na morte." -- 1 Coríntios 15:6.

Afirmações sem qualquer valor, pois quem é que nos garante que esses indivíduos mencionados foram realmente testemunhas oculares? Eles dizem que foram, mas como é que nós podemos saber se estavam a dizer a verdade? Se eu estivesse a tentar estabelecer uma pequena religião que se depara com hostilidades, também diria que tinha testemunhas oculares! Mas se alguém for inteligente, pede provas, não se contenta com a minha palavra. No entanto, no caso de Paulo já não lhe podemos pedir provas, a única coisa que temos é a palavra dele. Lembre-se de que Paulo não era uma testemunha ocular, portanto tudo o que ele podia fazer era acreditar nas palavras daqueles que afirmavam ser testemunhas oculares.

8 Neste respeito, o Professor F. F. Bruce faz uma perspicaz observação: "De modo algum deve ter sido tão fácil, como alguns escritores parecem pensar, inventar palavras e atos de Jesus naqueles primeiros anos, quando ainda existiam tantos dos discípulos Dele, que podiam lembrar-se do que havia e do que não havia acontecido.... Os discípulos não podiam arriscar-se a cometer inexatidões (sem se falar em deliberadamente manipular os fatos), que seriam imediatamente expostas por aqueles que teriam muito prazer em fazer isso. Ao contrário, um dos pontos fortes da pregação apostólica original é o apelo confiante para o conhecimento dos ouvintes; eles não somente disseram: 'Somos testemunhas destas coisas', mas também: 'Conforme vós mesmos também sabeis' (Atos 2:22)."7

De facto, as palavras dos discípulos foram expostas por aqueles que se lhes opunham! Tem sido sempre assim em questões religiosas. Os que acreditam, sentem que têm os factos do seu lado. Os que não acreditam, apontam prontamente as contradições e falsidades, e os crentes ignoram alegremente isto. Temos exemplos disto na Bíblia, com os judeus a apresentarem explicações alternativas para estes acontecimentos. Os cristãos assumem que os judeus estavam apenas ciumentos, e assim ignoram essas acusações. No entanto, a citação do Professor Bruce ignora o facto de que os cristãos tiveram acusadores que apontaram discrepâncias nas suas histórias.

Ainda hoje, é muito fácil mostrar que existem contradições entre os vários relatos dos evangelhos. Portanto os discípulos foram, de facto, culpados de inexactidões, apesar do que o Prof. Bruce diz.

É o Texto Digno de Confiança?

9 Existe a possibilidade de que esses testemunhos oculares fossem registrados com exatidão, porém mais tarde corrompidos? Em outras palavras, introduziram-se mitos e lendas depois de se completar a escrita original? Já vimos que o texto das Escrituras Gregas Cristãs está em melhores condições do que qualquer outra literatura antiga. Kurt e Barbara Aland, peritos do texto grego da Bíblia, alistam quase 5.000 manuscritos que sobreviveram desde a antiguidade até agora, alguns deles já desde o segundo século EC.8 O testemunho geral desta grande quantidade de evidência é no sentido de que o texto é essencialmente correto. Além disso, há muitas traduções antigas -- as mais antigas sendo de cerca do ano 180 EC -- que ajudam a provar que o texto é exato.9

Portanto, sem quaisquer traduções ou manuscritos anteriores ao segundo século D.C., a Sociedade admite que o que temos hoje no Novo Testamento chegou até nós vindo de apóstatas. (Lembre-se que a apostasia começou no primeiro século e depois floresceu no segundo, portanto aqueles que compilaram e copiaram aquilo que lemos hoje foram apóstatas, segundo diz a Sociedade.)

Como é que sabemos o que pode ter acontecido a estes manuscritos nos cem ou duzentos anos desde que foram escritos até ao aparecimento dos manuscritos mais antigos hoje conhecidos?

Quando se descobriram os manuscritos do Mar Morto, estes foram aclamados por confirmarem a exactidão dos manuscritos da Bíblia, especialmente Isaías. Mas sabia o leitor que, quando se examinaram outros manuscritos, estes revelaram alterações substanciais? Descobriu-se que os manuscritos de Jeremias, por exemplo, têm texto que foi acrescentado e alterado. Investigue os rolos do Mar Morto e veja por si mesmo que se deturparam alguns manuscritos. Porque é que havemos de supor que o mesmo não aconteceu com o Novo Testamento, que estava confiado aos cuidados de 'apóstatas'?

10 Portanto, não importa como encaremos isso, podemos ter a certeza de que não se infiltraram lendas e mitos nas Escrituras Gregas Cristãs depois de os escritores originais terem terminado seu trabalho. O texto que temos é substancialmente o mesmo que os escritores originais registraram, e sua exatidão é confirmada pelo fato de que foi aceito pelos cristãos contemporâneos. Então, é possível verificarmos a historicidade da Bíblia por compará-la com outras histórias antigas? Até certo ponto, sim.

É claro que os cristãos contemporâneos aceitavam as suas próprias escrituras [duh!]. Afinal foram eles que as escreveram. Só um punhado de cristãos é que estava em condições de poder dizer que algo estava errado, pois só eles tinham sido testemunhas oculares. E a maioria do que Jesus disse e fez só podia ter sido verificado por 11 homens, portanto quando estes escreviam algo, o que é que um cristão contemporâneo podia dizer? Que não concordava? É claro que não.

Nesta secção do livro a Sociedade não apresentou quase nada relevante. Se quiséssemos argumentar que os cristãos primitivos inventaram a maior parte dos relatos dos evangelhos, não existe neste subtítulo praticamente nada que refute esse argumento.

A Evidência Documentária

11 De fato, no que se refere aos eventos na vida de Jesus e de seus apóstolos, a evidência documentária fora da Bíblia é bastante limitada. Isto é somente lógico, visto que, no primeiro século, os cristãos eram um grupo relativamente pequeno, que não se envolvia na política. Mas a evidência que a história secular de fato provê concorda com o que lemos na Bíblia.

12 Por exemplo, depois de Herodes Ântipas ter sofrido uma esmagadora derrota militar, o historiador judaico Josefo, escrevendo em 93 EC, disse: "A alguns dos judeus parecia que a destruição do exército de Herodes era vingança divina, e certamente uma vingança justa, pelo tratamento que dispensou a João, apelidado de Batista. Porque Herodes mandara matá-lo, embora fosse um homem bom e tivesse exortado os judeus e levar uma vida justa, a praticar a justiça para com o seu próximo e a piedade para com Deus."10 Josefo confirma assim o relato bíblico de que João, o Batizador, era homem justo, que pregava o arrependimento e foi executado por Herodes. -- Mateus 3:1-12; 14:11.

13 Josefo menciona também o meio-irmão de Jesus, Tiago, que, segundo nos diz a Bíblia, no começo não seguiu Jesus, mas depois tornou-se um ancião de destaque em Jerusalém. (João 7:3-5; Gálatas 1:18, 19) Ele documenta a prisão de Tiago com as seguintes palavras: "[O sumo sacerdote Ananus] convocou os juízes do Sinédrio e levou perante eles um homem chamado Tiago, irmão de Jesus, que era chamado o Cristo, e certos outros."11 Escrevendo estas palavras, Josefo confirma adicionalmente que "Jesus, que era chamado o Cristo", era uma pessoa histórica, real.

14 Outros dos antigos escritores também se referem a coisas mencionadas nas Escrituras Gregas. Por exemplo, os Evangelhos nos dizem que a pregação de Jesus na Palestina teve ampla aceitação. Quando ele foi sentenciado à morte, por Pôncio Pilatos, seus seguidores ficaram confusos e desanimados. Pouco depois, estes mesmos discípulos, destemidamente, encheram Jerusalém com a mensagem de que seu Senhor havia sido ressuscitado. Em poucos anos, o cristianismo se espalhou pelo Império Romano. -- Mateus 4:25; 26:31; 27:24-26; Atos 2:23, 24, 36; 5:28; 17:6.

15 Testemunho a respeito da veracidade disso é dado pelo historiador romano Tácito, que não era amigo do cristianismo. Escrevendo logo depois do ano 100 EC, ele fala sobre a perseguição cruel que Nero movera aos cristãos e acrescenta: "O autor deste seu nome foi Cristo, que no governo de Tibério foi condenado ao último suplício pelo procurador Pôncio Pilatos. A sua perniciosa superstição, que até ali tinha estado reprimida, já tornava de novo a grassar não só por toda a Judéia, origem deste mal, mas até dentro de Roma."12

16 Em Atos 18:2, o escritor bíblico se refere ao fato de que "[o imperador romano] Cláudio tinha ordenado que todos os judeus saíssem de Roma". Suetônio, historiador romano do segundo século, também menciona esta expulsão. Na sua obra O Deificado Cláudio, o historiador diz: "Visto que os judeus causavam constantemente distúrbios às instigações de Cresto, ele [Cláudio] os expulsou de Roma."13 Se o Cresto aqui mencionado se refere a Jesus Cristo, e se os eventos em Roma acompanhavam o que ocorria em outras cidades, então os distúrbios realmente não eram às instigações de Cristo (quer dizer, os seguidores de Cristo). Antes, eram a reação violenta dos judeus à fiel atividade de pregação dos cristãos.

17 Justino, o Mártir, em meados do segundo século, escreveu com referência à morte de Jesus: "Que estas coisas realmente aconteceram, podes averiguar dos Atos de Pôncio Pilatos."14 Além disso, segundo Justino, o Mártir, os mesmos registros mencionavam os milagres de Jesus, a respeito dos quais ele diz: "Que Ele fez essas coisas, podes saber dos Atos de Pôncio Pilatos."15 É verdade que esses "Atos", ou registros oficiais, não mais existem. Mas, eles evidentemente existiam no segundo século, e Justino, o Mártir, confiantemente desafiava seus leitores a verificá-los para confirmar a veracidade do que ele dizia.

Todo este subtítulo não prova nada além do facto de os evangelhos conterem alguns elementos históricos. Já ninguém nega isso, mas é irrelevante para o argumento em discussão. Se adicionarmos alguns detalhes estranhos a um relato histórico, e depois alguém investiga e verifica que os detalhes históricos são verdadeiros, não se pode concluir daí que os detalhes estranhos também são verdadeiros.

Se eu disser que em Los Angeles, em 1998, houve muita chuva devida aos padrões atmosféricos serem afectados pelo [fenómeno da natureza] El Niño, e também disser que Frank Sinatra foi ressuscitado dos mortos, será que estou a dizer a verdade? Se alguém vier 2.000 anos depois e disser: "A cidade de Los Angeles existiu mesmo, e temos registos que comprovam um ano de 1998 particularmente chuvoso, e existiu mesmo uma figura histórica chamada Sinatra, que morreu nesse ano", será que isto prova que eu estava certo ao dizer que Frank Sinatra foi ressuscitado dos mortos? É claro que não. Tudo o que fiz foi introduzir uma história fantasiosa num ambiente realista, para torná-la mais credível. Da mesma forma, o Novo Testamento pode ter sido estruturado exactamente desta forma, e até agora este capítulo do livro que estamos a comentar não fez absolutamente nada que refute essa ideia.

A Evidência Arqueológica

18 As descobertas arqueológicas também têm ilustrado e confirmado aquilo que lemos nas Escrituras Gregas. Assim, em 1961, o nome de Pôncio Pilatos foi encontrado numa inscrição nas ruínas dum teatro romano em Cesaréia.16 Até esta descoberta, havia apenas evidência limitada, à parte da própria Bíblia, da existência deste governante romano.

Então: antes de 1961 havia evidência bíblica e secular apoiando a existência de Pôncius Pilatus. Depois de 1961 passou a haver mais evidência secular, já não era evidência "limitada". O que é que isso prova?

19 No Evangelho de Lucas, lemos que João, o Batizador, iniciou seu ministério "quando ... Lisânias era governante distrital de Abilene". (Lucas 3:1) Alguns duvidaram desta declaração, por Josefo mencionar um Lisânias que governou Abilene e que morreu em 34 AEC, muito antes do nascimento de João. No entanto, os arqueólogos descobriram uma inscrição em Abilene que menciona outro Lisânias, que era tetrarca (governante distrital) durante o reinado de Tibério, que governou como César em Roma quando João iniciou seu ministério.17 Este facilmente pode ter sido o Lisânias mencionado por Lucas.

Pois pode, mas porque é que acham que isso é significativo? Já vimos que os escritores da Bíblia usaram alguns elementos reais, históricos, portanto não deviamos ficar surpreendidos pelo facto de Lucas se referir a um governante real.

20 Lemos em Atos que Paulo e Barnabé foram enviados para fazer uma obra missionária em Chipre e que ali encontraram um procônsul chamado Sérgio Paulo, "homem inteligente". (Atos 13:7) Em meados do século 19, em escavações feitas em Chipre, descobriu-se uma inscrição datando de 55 EC, a qual menciona este mesmo homem. Sobre isso diz o arqueólogo G. Ernest Wright: "Esta é a única referência que temos a este procônsul, fora da Bíblia, e é interessante que Lucas nos forneça seu nome e título corretos."18

O leitor que é Testemunhas de Jeová costuma manter registos detalhados quando prega de casa em casa? Se o faz, está a proceder como Lucas, mas isso não prova grande coisa.

21 Durante a estada de Paulo em Atenas, ele disse que havia observado um altar dedicado "A um Deus Desconhecido". (Atos 17:23) Em outras partes do território do Império Romano descobriram-se altares dedicados em latim a deuses anônimos. Um deles foi encontrado em Pérgamo, com uma inscrição em grego, como seria o caso em Atenas.

22 Mais tarde, enquanto Paulo estava em Éfeso, sofreu oposição violenta por parte dos prateiros, cujo rendimento provinha da fabricação de santuários e imagens da deusa Ártemis. Éfeso era chamada de "guardiã do templo da grande Ártemis". (Atos 19:35) Em harmonia com isso, descobriram-se diversas estatuetas de Ártemis, de terracota e de mármore, no lugar da antiga Éfeso. No último século, escavaram-se os restos do próprio enorme templo.

Este subtítulo é "A Evidência Arqueológica", mas a única coisa que a evidência apresentada pela Sociedade prova é que se usaram alguns factos reais [históricos] no Novo Testamento. Ora, isto não é contestado por ninguém actualmente. Como é que esse argumento prova que a Bíblia é a palavra de Deus? Seguindo esse raciocínio, então o Alcorão também é a palavra de Deus, pois também menciona lugares e pessoas que existiram mesmo. Pensando bem, porque não acreditar no Hamlet, de Shakespeare, como sendo verdadeiro e real? Note que a acção decorre num lugar real e num país que existe mesmo.

O Tom da Verdade

23 Portanto, a história e a arqueologia ilustram, e até certo ponto confirmam, os elementos históricos das Escrituras Gregas. Mas, novamente, a prova mais forte da veracidade destes escritos se encontra nos próprios livros. Sua leitura não dá a impressão de mitos. Eles têm o tom da verdade.

Isso é um apelo a factores subjectivos, pois para muitas pessoas grande parte do Novo Testamento dá a impressão de ser constituído por mitos.

24 Em primeiro lugar, são muito francos. Pense no que se registrou a respeito de Pedro. Pormenoriza-se seu embaraçoso fracasso quanto a andar sobre água. Depois, Jesus disse a este altamente respeitado apóstolo: "Para trás de mim, Satanás!" (Mateus 14:28-31; 16:23) Além disso, depois de protestar vigorosamente que, mesmo que todos os outros abandonassem Jesus, ele é que nunca faria isso, Pedro adormeceu na sua vigília noturna e então negou ao seu Senhor três vezes. -- Mateus 26:31-35, 37-45, 73-75.

25 Mas, Pedro não é o único cujas fraquezas foram expostas. O registro franco não encobre as discussões dos apóstolos quanto a quem seria o maior deles. (Mateus 18:1; Marcos 9:34; Lucas 22:24) Tampouco deixa de contar-nos que a mãe dos apóstolos Tiago e João pediu que Jesus desse aos seus filhos as posições mais favorecidas no seu Reino. (Mateus 20:20-23) O "forte acesso de ira" entre Barnabé e Paulo também é documentado fielmente. -- Atos 15:36-39.

26 Digno de nota também é o fato de que o livro de Lucas nos informa que foram "as mulheres, que tinham vindo com ele desde a Galiléia", que primeiro souberam da ressurreição de Jesus. Este é um pormenor bem incomum na sociedade dominada pelos homens, do primeiro século. De fato, segundo o registro, o que as mulheres disseram 'parecia tolice' aos apóstolos. (Lucas 23:55-24:11) Se a história das Escrituras Gregas não for verdade, então deve ter sido inventada. Mas, por que inventaria alguém uma história que retratasse personagens tão respeitados de forma nada lisonjeira? Tais pormenores só teriam sido incluídos se fossem verdade.

Não há dúvida que muitos dos detalhes que encontramos no Novo Testamento são verdadeiros, ou pelo menos originam-se de uma fonte verdadeira. Pessoas, locais e aconteciemntos são descritos de um modo que dá a impressão que Jesus existiu mesmo e que tinha discípulos e que os discípulos trabalharam com ele durante algum tempo.

Este subtítulo dá ênfase ao facto de vários personagens da Bíblia serem retratados numa luz desfavorável, e portanto a Bíblia tem o "tom da verdade". Quer isso dizer que a mulher de Macbeth é uma personagem verídica, já que os seus defeitos são mencionados? Na verdade, esta 'prova' não vale nada, pois qualquer escritor pode inventar personagens realísticas e a literatura de ficção está cheia de personagens com defeitos, realísticas. Já que estas personagens estão presentes em toda a ficção, como é que um retrato realista de cristãos primitivos prova que eles devem estar a dizer a verdade? Seguindo o mesmo raciocínio, também poderíamos dizer que eles têm 'o tom da boa ficção'.

Jesus -- Uma Pessoa Real

27 Muitos tem encarado Jesus, assim como ele é descrito na Bíblia, como ficção inventada. Mas o historiador Michael Grant observa: "Se aplicamos ao Novo Testamento, conforme devemos, o mesmo critério que devemos aplicar a outros escritos antigos que contêm matéria histórica, não podemos rejeitar a existência de Jesus assim como tampouco podemos rejeitar a existência duma multidão de personagens pagãos, cuja realidade como figuras históricas nunca é questionada."19

Parece que Jesus foi uma pessoa histórica real.

28 Não somente a existência de Jesus, mas também a sua personalidade se manifesta na Bíblia com um decidido tom de verdade. Não é fácil inventar um personagem incomum e depois apresentar um retrato coerente dele em todo um livro. É quase que impossível quatro escritores diferentes escreverem sobre um mesmo personagem e coerentemente apresentarem o mesmo quadro dele, se esse personagem realmente nunca existiu. O fato de que o Jesus descrito em todos os quatro Evangelhos é obviamente a mesma pessoa é evidência persuasiva da veracidade dos Evangelhos.

Bem, se eles estavam a descrever a mesma pessoa real, era de esperar que a descrição fosse consistente. É claro que cada evangelho tem um tom próprio e distinto dos outros, mas também se tomarmos todas as biografias de Charles Dickens, por exemplo, encontramos geralmente os mesmos factos, mas com diferentes estilos. O que é que isso prova? Nada além do facto de Dickens, tal como Jesus, ter existido.

29 Michael Grant cita uma pergunta bem apropriada: "Como é que, em todas as tradições evangélicas, sem exceção, surge um quadro de traços notavelmente firmes de um atraente jovem, que andava livremente no meio de todo tipo de mulheres, inclusive as decididamente mal-afamadas, sem qualquer traço de sentimentalismo, falta de naturalidade, ou melindre, e que, no entanto, em todo momento, mantinha uma integridade simples de caráter?"20 A única resposta é que tal homem realmente existiu e agiu assim como a Bíblia diz.

A Sociedade está a atacar um argumento que actualmente tem pouco peso. A maioria das pessoas não nega que Jesus existiu, portanto é tarefa fácil a Sociedade ganhar esse argumento. Por esta altura, o leitor decerto já se apercebeu que muitos dos argumentos que a Sociedade tenta refutar foram apresentados antes do século 20. Note como é frequente eles citarem um crítico qualquer do século 19 e depois tentam demolir o argumento dele.

Porque é que neste capítulo a Sociedade evita o criticismo moderno, actualizado? Por exemplo, que dizer das discrepâncias entre os vários relatos dos evangelhos a respeito da ressurreição?

Ou que dizer do modo como o próprio Jesus é inconsistente nos evangelhos? Por exemplo, em Mateus 5:22 ele diz: "...quem disser: "Tolo desprezível!" está sujeito à geena ardente." Mais adiante, em Mateus 23:17, ele diz aos fariseus: "Tolos e cegos!" Será que Jesus era uma excepção à regra que ele próprio estabeleceu? Em Mateus 5, ele não parece permitir excepções.

A Sociedade tenta solucionar esta situação no livro Estudo Perspicaz das Escrituras, ao dizer:

"Jesus Cristo chamou os escribas e os fariseus corretamente de "tolos e cegos", isto é, pessoas sem sabedoria e moralmente imprestáveis, pois haviam distorcido a verdade com tradições humanas e se tornado hipócritas. Ademais, Jesus respaldou a acertada descrição que fizera, ilustrando a falta de discernimento deles. (Mt 23:15-22 15:3) No entanto, quem comete o erro de chamar seu irmão de "tolo desprezível", ato que o julga e condena como moralmente imprestável, põe-se em perigo de ser lançado na Geena. -- Mt 5:22" (it, vol. 3, p. 725)

Isto é um acrescento ao texto de Mateus 5:22, pois apresenta uma desculpa para o comportamento de Jesus, dizendo ele chamou correctamente os fariseus de 'tolos', mas Mateus 5:22 só se refere a chamar 'erradamente' um irmão de 'tolo'. Note que a palavra grega utilizada para 'tolo' é a mesma em ambos os casos.

Existem muitos exemplos em que Jesus é apresentado de forma inconsistente nos evangelhos. Porque é que a Sociedade nem sequer tenta discutir esses exemplos, e prefere em vez disso atacar argumentos do século 19 que actualmente não têm grande peso?

O Motivo de Alguns Não Crerem

30 Visto que existe evidência irrefutável para se dizer que as Escrituras Gregas são história verdadeira, por que dizem alguns que não são? Por que é que muitos, embora aceitem partes delas como genuínas, não obstante recusam aceitar tudo o que elas contêm? Isto se dá principalmente porque a Bíblia registra coisas em que os modernos intelectuais não querem crer. Por exemplo, ela diz que Jesus tanto cumpriu como proferiu profecias. Diz também que ele realizou milagres e que, após a sua morte, foi ressuscitado.

31 Neste céptico século 20, coisas assim são incríveis. A respeito de milagres, o Professor Ezra P. Gould observa: "Há uma ressalva que alguns dos críticos se sentem justificados a fazer ... que milagres não acontecem."21 Alguns aceitam que Jesus tenha feito curas, mas apenas do tipo psicossomático, do 'domínio da mente sobre a matéria'. Quanto aos outros milagres, a maioria deles os rejeita, quer como invenções, quer como eventos reais que foram deturpados no relato.

Porque é que o Professor Gould pensa que estes críticos se sentem justificados ao pensarem que milagres não acontecem? A Sociedade não nos diz a versão que ele tem da história, deixando isto para a Testemunha de Jeová comum investigar. É claro que a maioria não se dá ao trabalho de fazer isso. O leitor sabe porque é que o Professor Gould disse aquilo?

32 Como exemplo, considere a ocasião em que Jesus alimentou uma multidão de mais de 5.000 com apenas alguns pães e dois peixes. (Mateus 14:14-22) O erudito Heinrich Paulus, do século 19, sugeriu que o que aconteceu mesmo foi o seguinte: Jesus e seus apóstolos se viram acompanhados por uma grande multidão que estava ficando com fome. De modo que ele decidiu dar um bom exemplo aos ricos presentes. Tomou o pouco alimento que ele e seus apóstolos tinham e compartilhou-o com a multidão. Logo, outros que trouxeram alimentos consigo seguiram o exemplo dele e compartilharam o que tinham. Por fim, a multidão inteira foi alimentada.22

33 Se isto foi o que realmente aconteceu, porém, então é uma notável prova do poder dum bom exemplo. Por que se deturparia uma história tão interessante e significativa para fazê-la parecer um milagre sobrenatural? De fato, todos esses esforços para explicar os milagres como não tendo sido algo miraculoso criam mais problemas do que solucionam. E baseiam-se em premissas falsas. Começam por presumir que milagres são impossíveis. Mas, por que se daria isso?

E a Sociedade começa por presumir que os milagres são possíveis, e a isto pode-se chamar uma falsa premissa.

Quanto à questão de saber porque é que se deturparia uma história tão interessante e significativa, a resposta é obvia. Os cristãos primitivos estavam sob ataque e precisavam de todas as 'munições' que conseguissem arranjar. Uma pessoa que dá um bom exemplo para outros seguirem é uma coisa boa, mas um fazedor de milagres é muito melhor!

34 De acordo com as normas mais razoáveis, tanto as Escrituras Hebraicas como as Gregas são história genuína, no entanto, ambas contêm exemplos de profecias e de milagres. (Veja 2 Reis 4:42-44.) Que dizer, então, se as profecias são mesmo genuínas? E que dizer se os milagres realmente aconteceram? Neste caso, Deus, de fato, estava por detrás da escrita da Bíblia, e ela realmente é a palavra dele, não a de homem. Num outro capítulo consideraremos a questão das profecias, mas, primeiro examinemos os milagres. É razoável, neste século 20, crer que milagres realmente aconteceram em séculos anteriores?

Até este ponto, tudo o que o capítulo conseguiu fazer foi demonstrar que Jesus provavelmente existiu e que alguns dos escritores do Novo Testamento o conheciam pessoalmente. Nada mais se provou.


Índice · English · Copyright © 1998 Osarsif · https://osarsif.blogspot.com/2006/02/0122.html