Em Busca de Liberdade Cristã

Raymond Franz

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In Search of Christian Freedom (Em Busca de Liberdade Cristã) (Atlanta: Commentary Press, 1991) de Raymond Franz (1922-2010), pp. 207-236.

Capítulo 7: De Casa em Casa

Raymond Franz


Eu preguei-vos, e instruí-vos tanto em público como em vossas casas. -- Atos 20:20, Jerusalem Bible.

Provavelmente nenhum outro aspecto da sua atividade distingue tanto as Testemunhas de Jeová como as suas visitas de porta-a-porta. Pessoas em todo o mundo estão habituadas a vê-los tocar às suas portas com literatura bíblica e revistas, em algumas áreas com poucas semanas de intervalo. Embora seja verdade que existem outras religiões que são fortes a evangelizar e que manifestam um espírito missionário, não existe nenhuma na qual ir de porta em porta é visto, não simplesmente como um meio de espalhar uma mensagem, mas como -- em si mesmo -- uma evidência da genuinidade do cristianismo de cada um.

Se fosse colocada à organização da sede da Sociedade Torre de Vigia a questão de saber se cada membro (se fisicamente apto) tem de fazer testemunho de casa-em-casa para ser uma verdadeira Testemunha, de fato para ser um verdadeiro cristão, a resposta seria provavelmente que este não é um requisito absoluto. (Na realidade, seria extremamente difícil obter uma resposta clara e direta a tal pergunta; a organização da sede é muito reticente em se expressar por escrito em assuntos sensíveis e, mesmo quando dadas, as respostas são freqüentemente redigidas em termos ambíguos, ou com raciocínios evasivos e vagos.)

Já vimos, contudo, que homens responsáveis na organização reconhecem que existe sério motivo para questionar se na realidade a comunidade das Testemunhas como um todo se empenha nesta atividade como resultado de um desejo de coração de o fazer, como algo livremente motivado, feito sem qualquer sentimento de compulsão.

Então porque é feito? A evidência é que isso se tornou, para todos os efeitos, uma virtual regra de lei, de tal forma que a não realização do ato provoca um sentimento de culpa, de maneira muito semelhante ao que sentiria um Católico praticante se deixasse de assistir regularmente à missa.

Uma Testemunha de longa data e membro da sede, A. H. MacMillan, declarou que o trabalho de porta-em-porta veio a ser encarado como "um arranjo que era conveniente manter" e "um dever para com Deus."1 Embora afirme acreditar no ensino apostólico de que somos salvos pela fé e não por obras, encontramos freqüentemente declarações indicando o contrário nas publicações da Torre de Vigia. Como apenas um exemplo, a Sentinela de 15 de julho de 1979, página 14, declara:

É pela nossa perseverança na proclamação destas "boas novas do reino" que podemos obter a salvação.

Para as Testemunhas, a "proclamação destas boas novas" tem apenas um significado, serviço de campo, ir de porta em porta com a literatura da organização.

Restam poucas dúvidas que a maioria das Testemunhas de Jeová veio a aceitar o ensino segundo o qual este método particular de testemunho porta-a-porta é ordenado por Deus, foi o método usado por Cristo e seus apóstolos e discípulos, e que é a maneira melhor e mais eficaz de realizar uma pregação mundial das boas novas no nosso tempo. A profundidade com que este ponto de vista foi aceite por muitos é claramente ilustrada no número de 1.º de maio de 1966 da revista Sentinela, que conta a atividade das Testemunhas de Jeová na China comunista.

Um artigo conta as experiências de Stanley Jones, um missionário nesse país. Ele relata que depois da conquista comunista de Xangai, onde a atividade das Testemunhas estava centrada, eles inicialmente tiveram liberdade para prosseguir no seu trabalho. Cerca de doze meses depois, em 1951, foi-lhes dito pelas autoridades chinesas que podiam pregar nos seus Salões do Reino, conduzir estudos bíblicos na casa das pessoas, mas que trabalho de casa-em-casa não era permitido. Os missionários da Torre de Vigia, incluindo Jones, que não eram chineses, cessaram esta atividade. As Testemunhas chinesas, contudo, continuaram a ir de porta em porta e Stanley Jones declara que ele e os outros missionários estrangeiros "ficaram muito contentes" de ver isto.

Apesar de as autoridades chinesas tolerarem isto por um tempo, mais tarde começaram a trazer para a estação da polícia as Testemunhas chinesas encontradas a ir de porta em porta apesar do decreto. Chegou ao ponto em que três mulheres Testemunhas foram detidas por quatro dias. Jones diz que os missionários estavam ansiosos para ver como as Testemunhas chinesas reagiriam a isto e que estavam "tomados de gozo" de ver que eles "estavam determinadas a prosseguir pregando da mesma maneira." Ele declara que os missionários aconselharam-nos a tomar cuidado para evitar quaisquer dificuldades se possível. Embora eles mesmos se refreassem de o fazer, e aparentemente sentiram-se justificados em tal abstenção, os missionários estavam obviamente a favor da continuação de tal atividade porta-a-porta pelos membros chineses não obstante a declaração oficial e os sérios riscos envolvidos. Quais foram as conseqüências? Stanley Jones relata:

Então, a irmã Nancy Yuan foi conduzida da obra de casa em casa para a delegacia e presa. Tinha quatro filhos, um deles de um ano apenas. Procurei um advogado para nos ajudar, e ele disse: "Nada podemos fazer. Se o assunto estiver nas mãos da polícia, não podemos interferir." ... Então, aquela irmã ficou presa por quatro anos antes de ser por fim julgada e sentenciada. Qual foi exatamente a sentença dela, não sei. Outra irmã, professora, igualmente mãe de quatro filhos, foi também presa.

Com sinais claros de perigo crescente, o que é que levaria as mães de crianças pequenas a arriscar a perspectiva terrível se serem afastadas por um período indefinido daquelas crianças, até mesmo separadas de um bebê de um ano de idade? Eles sabiam que os missionários tinham cessado tal atividade, e no entanto eles continuavam. Porquê? Será que eles e as outras Testemunhas chinesas encaravam a atividade de ir de porta em porta como algo inteiramente opcional, simplesmente um de muitos meios aceitáveis de partilhar informação das Escrituras com outras pessoas? Ou viam-no eles como A maneira de proclamar as boas novas, uma maneira ordenada por Deus que eles tinham obrigação de levar por diante? Se é este o caso, por que é que eles se sentiram desse modo; o que é que os levou a adotar esse ponto de vista?

Catorze anos depois do artigo sobre Stanley Jones aparecer, a Sentinela de 1.º de março de 1980 trazia um artigo contendo um relato em primeira mão por Nancy Yuen, agora liberta da prisão. Este artigo preparou o caminho para um artigo maior na mesma edição sobre a importância do testemunho de casa-em-casa (um artigo escrito pelo membro do Corpo Governante Lloyd Barry). Nancy Yuen conta o que lhe aconteceu e porquê:

No início de 1956 ... Começaram a avisar-nos para pararmos nossa pregação e limitarmos nossa atividade ao Salão do Reino. Contudo, eu sentia que tinha de levar a cabo a comissão de pregar, dada por Deus, assim continuei a empenhar-me no trabalho de casa em casa.

Fui várias vezes detida e retida para interrogatório, as detenções duravam às vezes cinco horas e outras vezes mais de três dias. Nesse ínterim, visto que meu marido se havia mudado para Hong Kong em 1953, requeri permissão para juntar-me a ele. As autoridades disseram que emitiriam minha licença de saída sob a condição de eu parar de pregar. Recusei-me a parar e consequentemente nunca obtive a licença.

Todos os cristãos deviam ver-se a si mesmos como tendo uma "comissão dada por Deus" para exprimir a sua fé a outros. Deviam estar dispostos a sofrer a perda da liberdade, até da própria vida, em vez de se mostrarem infiéis a essa comissão. Isso certamente não está aqui em discussão. Nem existe qualquer razão justificada para duvidar da sinceridade de Nancy Yuen ou procurar difamar a atitude de auto-sacrifício que ela demonstrou. Ela é claramente uma mulher de grande determinação. A verdadeira questão é: A comissão dada por Deus aos cristãos de tornar conhecidas as boas novas tem implícito o dever de fazer isto por um método particular, nomeadamente por ir de porta em porta? É esse método ensinado nas escrituras como sendo o modo por excelência de proclamar as boas novas, um sinal identificador do verdadeiro seguidor de Jesus Cristo? Nancy Yuen evidentemente veio a acreditar nisto, visto que as suas próprias palavras indicam que ela via tal atividade como algo que 'tinha de fazer.' Os representantes da Sociedade Torre de Vigia nada disseram que lhe desse, ou às outras mães de quatro crianças, qualquer razão para pensar de maneira diferente. Que o exemplo dela tenha sido usado para preparar o caminho para um artigo por um membro do Corpo Governante defendendo o testemunho de casa-em-casa certamente implica uma aprovação daquela atitude.

O que aconteceu Nancy Yuen como resultado do ponto de vista que ela veio a sustentar e a acreditar que se baseava nas Escrituras? Ela relata:

No final de 1956, depois de ter sido presa seis vezes, por fim, fui novamente detida, quando uma dona-de-casa notificou às autoridades que eu estava pregando de casa em casa. Depois disso, não fui mais liberta.

Antes que ela pudesse finalmente estar unida como uma família com o seu marido e crianças em Hong Kong, passaram vinte e três anos. As crianças dela já não eram agora pequenas crianças mas adultos no fim dos vinte e princípio dos trinta. Ela não tinha estado com eles durante a maior parte dos seus anos de formação. Ela esteve primeiro detida por quatro anos até ao seu julgamento, foi então sentenciada a prisão, depois de alguns anos foi liberta, começou a pregar outra vez, foi novamente presa e sentenciada de novo, totalizando estas sentenças de prisão vinte anos.

Numa carta que recebi de uma Testemunha de um estado do meio oeste, a escritora (ela própria uma mãe de três crianças) disse: "não sei o que sente sobre coisas como essa mas eu desatei a chorar depois de ter acabado de ler o artigo." Ela continuou explicando que o que a perturbou mais profundamente durante os dias seguintes foi a pergunta: Aquilo tem de acontecer? É de fato Deus quem requer ou impele os seus servos a se empenharem nesta atividade de porta-em-porta a um tal custo? Ou são os homens?

Nancy Yuen expôs a sua crença, dizendo:

Eu tive de desistir de tudo, inclusive dos meus filhos pequenos, para ser leal ao meu Deus.

Ela claramente acreditava que a lealdade a Deus requeria que ela fosse de porta em porta apesar de uma lei que proibia -- não pregar -- mas pregar por aquele método. A crença dela resultava claramente do que lhe fora ensinado pelas publicações da Torre de Vigia. De fato, no ano antes da prisão dela, a Sentinela de 1.º de julho de 1955, página 409, num artigo sobre o batismo disse o seguinte, debaixo do subtítulo "Requisitos":

10 Espera-se da pessoa dedicada que apoie a causa do Pai, a causa da adoração verdadeira, que pregue em honra da Palavra e nome de Jeová Deus, que assuma as suas responsabilidades como um ministro, um pregador no serviço de campo de casa em casa, e que de outras formas participe plenamente nas atividades da sociedade do Novo Mundo, para fazer progredir a proclamação do Reino e apoiar a adoração verdadeira de Jeová. A pessoa dedicada tem de ser uma Testemunha de casa-em-casa como foi Cristo Jesus e os apóstolos tanto quanto lhe permita a sua habilidade, e tem de ser de outras formas uma testemunha e anunciador do reino teocrático da justiça

Isto remete-nos para o verdadeiro ponto em questão: é esta crença verdadeira? Se é, então todo o sofrimento que resultou no caso de Nancy Yuen, e o sofrimento experimentado em outros casos por razões similares, pode ser corretamente visto como parte do "sofrimento por Cristo," um sacrifício necessário e de pequena conseqüência quando comparado com ser leal a Deus e fiel à sua Palavra. Nesse caso toda a responsabilidade pelo sofrimento experimentado permanece total e completamente com as autoridades governamentais que tomaram tais medidas severas e repressivas.

Se, por outro lado, o ponto de vista desenvolvido na mente e coração de Nancy Yuen e nas outras mães de quatro crianças e nas outras Testemunhas chinesas -- bem como nas mentes e corações de muitos outros em outras terras -- não é clara e inequivocamente ensinado na Bíblia, se é em vez disso o resultado de uma política organizacional baseada em raciocínios humanos, então levantam-se sérias questões quanto ao grau de responsabilidade que cabe à fonte de tal ensino.

Alguns talvez digam que este caso foi algo fora do comum, e de fato foi, e que a atitude revelada não reflete necessariamente a atitude de muitas Testemunhas. Talvez não até ao mesmo grau de convicção virtualmente inquestionada, ou com a mesma disposição para arriscar perdas comparáveis, mas ainda assim milhares experimentam detenção e encarceramento simplesmente porque se sentiram sob obrigação de manter aquele método de espalhar a sua mensagem em face de restrições legais contrárias.2

Mesmo naquelas terras onde a liberdade prevalece em larga medida e onde a probabilidade de ser preso é remota, qualquer pessoa que seja, ou tenha sido, uma das Testemunhas de Jeová tem de admitir honestamente que foram ensinados que a atividade de porta em porta é uma parte especialmente vital da adoração deles, virtualmente uma evidência essencial do seu discipulado de Cristo. Eles também sabem nos seus corações que se deixarem de se empenhar nessa atividade com alguma regularidade, são vistos como "espiritualmente fracos" pelos seus associados, criando em muitos um sentimento de culpa.

Uma carta para a Sociedade Torre de Vigia escrita por um superintendente de circuito, na qual ele abre o seu coração sobre o que tem visto na sua área de atividade permite ilustrar estes pontos. Ele declara:

Esta carta está a ser escrita depois de meses de muita consideração e de muitas conversas francas com publicadores e anciãos. Eu considerei o problema em oração e espero poder expressar claramente as suas dimensões à Sociedade. Dos cerca de 25 anciãos com quem falei em conversas longas e francas, apenas 2 não expressaram sentimentos de culpa por não serem capazes de corresponder aos objetivos estabelecidos para eles pela Sociedade.

Juntamente com o esquema das reuniões e estudo estabelecido para eles, e apelos constantes para "assumir uma melhor liderança no serviço de campo," ele afirma que muitos "sentem que estão sob uma tensão constante para avançar, avançar, avançar sem nunca ter tempo suficiente para fazer as coisas corretamente." Ele prossegue dizendo:

Muitos disseram-me que visitas anteriores de superintendentes de circuito têm sido muito pouco encorajadoras. Eles dizem que o superintendente de circuito vem sempre com a mensagem para fazerem mais, mais, mais. Como é que isto afeta pessoas que já estão cheias de sentimentos de fracasso pessoal e culpa? Um irmão observou:

"Os superintendentes de circuito passaram pela congregação como um barco a motor fazendo ondas. Depois de eles se irem embora a vida de cada um fica um pouco mais instável."

Outro disse: "Os discursos deles têm muitas vezes o efeito de chicotear um cavalo fiel e cansado que já se sente sobrepujado pelo trabalho."3

Esclarecendo que estas não são simplesmente queixas de pessoas desiludidas, centradas em si mesmas, com dúvidas, o superintendente de circuito acrescenta: "Alguns dos que se expressam assim estão entre os anciãos e publicadores melhor qualificados do circuito."

Pelo mundo fora, cada ancião e cada "servo ministerial" ("diácono") das Testemunhas de Jeová sabe que além de assistir a reuniões três vezes por semana (envolvendo um total de cinco reuniões individuais), ele tem de se empenhar em visitas de porta em porta com algum grau de regularidade ou arrisca-se a ser removido da sua designação como sendo "não exemplar." Como o seu tempo é limitado, os anciãos vêem-se no dilema de sacrificar ou deixar de lado outras coisas que nos seus corações talvez sintam terem maior prioridade, incluindo assuntos da família, gastar tempo com os seus filhos, visitar os doentes, e atividades similares. Isto pode significar tornarem-se semelhantes a marionetes em sentido espiritual, respondendo quando as cordas são puxadas por uma fonte externa. É também inegável que muitas mulheres Testemunhas se sentiram obrigadas a fazer visitas de porta em porta apesar das objeções veementes de maridos que não são Testemunhas, sabendo que continuar a fazer isto poderia causar problemas no casamento e, nalguns casos, o divórcio.

Qual é então a base para esta crença, que faz com que as Testemunhas vejam a participação no trabalho de porta em porta de maneira comparável à que um Católico encara a assistência à Missa?

De Casa em Casa e de Porta em Porta -- O Mesmo?

O ensino da liderança das Testemunhas de Jeová acerca do testemunho de casa em casa é largamente baseado em textos tais como Atos 5:42 e 20:20. Na Tradução do Novo Mundo da Sociedade Torre de Vigia estes dizem:

E cada dia no templo e de casa em casa eles continuavam sem cessar a ensinar e a declarar as boas novas acerca do Cristo, Jesus.

Enquanto eu [Paulo] não me refreei de vos transmitir tudo o que fosse proveitoso, nem de vos ensinar publicamente e de casa em casa.

Eles deduzem que "de casa em casa" indica atividade de porta em porta, indo consecutivamente de uma porta para a seguinte, uma porta a seguir à outra, visitando pessoas sem convite prévio e geralmente sem as conhecer previamente. Será que essa dedução se segue necessariamente?

Quando a Tradução do Novo Mundo foi publicada pela primeira vez, a Sociedade Torre de Vigia focou atenção considerável na frase grega original (kat' oikon) da qual vem a tradução "de casa em casa." Foi enfatizado que a preposição kata (que significa literalmente "segundo") é usada aqui num sentido distributivo. Portanto, alegou-se que a frase "de casa em casa" tem o mesmo sentido de "de porta em porta," isto é, ir de uma porta para a próxima porta ao longo de uma rua.

A alegação não se mantém válida se for examinada e se pensarmos bem nela. Em primeiro lugar, distributivo não é o mesmo que consecutivo. Uma pessoa pode ir de "casa em casa" indo de uma casa numa área para uma casa em outra área, tal como um médico ao fazer "visitas domiciliares" pode ir de lar em lar. Isso não requer de maneira nenhuma a idéia de visitas consecutivas porta-a-porta.

Qualquer alegação de que o uso da preposição kata no sentido distributivo requer a tradução "de casa em casa" para estar correta e exata, é, de fato, explorada pela própria Tradução do Novo Mundo.

Poucas Testemunhas se apercebem que a mesma frase (kat' oikon) traduzida "de casa em casa" na Tradução do Novo Mundo em Atos, capítulo cinco, versículo 42, também ocorre no capítulo dois, versículo 46. Em baixo pode ver-se como estes versículos aparecem na Kingdom Interlinear Translation (Tradução Interlinear do Reino) da Sociedade Torre de Vigia, que contém a Tradução do Novo Mundo na coluna da direita:

Atos 2:46

46 segundo dia e perseverando
de mentalidade comum em o templo, partindo e
de acordo com casa pão, eles estavam a partilhar
da comida em exultação e simplicidade
de coração, 47 louvando o Deus e tendo
a necessidade. 46 E dia após dia assistiam
constantemente no templo de comum acordo,
tomando as suas refeições em lares
particulares e participando do alimento
com grande júbilo e sinceridade de coração,
47 louvando a Deus e

Atos 5:42

porque eles foram contados dignos sobre o
nome para ser desonrado; todos e
dia em o templo e segundo casa não
eles estavam cessando ensinando e
declarando boas novas sobre o Cristo Jesus.
desonrados a favor do nome dele. 42 E cada
dia no templo e de casa em casa continuavam
sem cessar a ensinar e a declarar as boas
novas a respeito do Cristo, Jesus.

Como a parte esquerda da interlinear mostra, a mesma frase, com o mesmo sentido distributivo de kata aparece nos dois textos. E no entanto, em Atos 2:46, a tradução não é "de casa em casa" mas "em lares particulares." Porquê?

Porque é ilógico pensar que os discípulos tomavam refeições indo de uma casa para a seguinte pela rua abaixo, e como a Sociedade Torre de Vigia pretende que esse sentido particular seja atribuído à frase "de casa em casa" (em apoio à sua atividade porta-a-porta), não quer levantar possíveis perguntas que surgiriam se usasse a tradução "casa em casa" aqui. Conforme foi dito, a maioria das Testemunhas não se apercebe deste modo alternado de traduzir e a Sociedade Torre de Vigia prefere não chamar a atenção para este assunto, nem referi-lo abertamente.

Em Atos 20:20, a frase aparece outra vez, embora a palavra para "casa" ou "lares" esteja aqui no plural (kat' oikous):

conspirações os Judeus; 20 como nada
eu refreei das (coisas) que trazem juntas
dos não para contar a VÓS e ensinar VÓS
ao [lugar] público e segundo casas,
20 ao passo que não me refreei de VOS falar
coisa alguma que fosse proveitosa nem de
VOS ensinar publicamente e de casa em
casa.

Uma vez mais, é simplesmente uma decisão do tradutor como é que esta frase grega será traduzida. Que o principal tradutor da Tradução do Novo Mundo, Fred Franz, reconheceu isto é mostrado na nota de rodapé deste versículo conforme encontrada numa edição especial mais completa da Tradução do Novo Mundo. A nota de rodapé diz:

Ou, "e nas casas particulares."

Não se dá o caso de traduzir kat' oikon (ou kat' oikous) como "de casa em casa" estar errado. É uma tradução perfeitamente correta e é encontrada em muitas outras traduções, mesmo em Atos 2:46. Que a tradução "de casa em casa" ou "em lares particulares" seja usada em ambos os textos nada mais é do que uma escolha do tradutor. O que está errado é tentar fazer a frase transmitir um sentido que de fato não está lá.

Que os apóstolos e outros cristãos primitivos visitavam pessoas nos seus lares particulares, é claro. Que eles se empenhavam em atividade porta-a-porta conforme é feita pelas Testemunhas de Jeová hoje é que já não é nada claro. Pode-se fazer essa afirmação, mas é uma afirmação sem prova absolutamente nenhuma.

Não que a Sociedade Torre de Vigia use apenas estes textos na sua tentativa de apresentar o testemunho porta-a-porta como sendo o modo verdadeiramente cristão e semelhante ao de Cristo de espalhar conhecimento da Palavra de Deus. Outra parte das Escrituras freqüentemente usada nos argumentos deles é Mateus 10:9-14, na qual Jesus deu estas instruções ao enviar os seus apóstolos a pregar:

Em qualquer cidade ou aldeia em que entrardes, procurai nela quem é merecedor, e ficai ali até partirdes. Ao entrardes na casa, cumprimentai a família; e se a casa for merecedora, venha sobre ela a paz que lhe desejais; mas se ela não for merecedora, volte a vós a vossa paz. Onde quer que alguém não vos acolher ou não escutar as vossas palavras, ao sairdes daquela casa ou daquela cidade, sacudi o pó dos vossos pés.

Nas publicações da Torre de Vigia, é constantemente colocada ênfase na expressão "Procurai nela [na cidade ou aldeia] quem é merecedor." Esta é depois comentada como significando ir de porta em porta para encontrar pessoas receptivas às boas novas. Não é dada atenção às palavras do contexto, que dizem (versículo 11): "Ficai ali até partirdes." Estas palavras quase nunca são discutidas nas publicações da Torre de Vigia porque tornam evidente que Jesus estava aqui a falar, não sobre testemunho porta-a-porta, mas sobre obter alojamento.

Muitas destas questões foram submetidas a discussão pelo Corpo Governante em mais de uma ocasião. Os antecedentes para isto foram os seguintes:

Em 1972, quando um novo manual da organização intitulado Organização para Pregar o Reino e Fazer Discípulos foi desenvolvido, eu fui designado para preparar um terço do manual, incluindo o capítulo intitulado "Seu Serviço a Deus." Ao longo da minha vida como uma das Testemunhas de Jeová eu tinha estado ativo nas visitas porta-a-porta e continuei a estar enquanto no Corpo Governante e depois da minha renúncia em 1980. Empenhei-me em participar nessa atividade todos os meses dos meus quarenta e três anos de associação ativa, visitando literalmente dezenas de milhares de lares durante esse tempo. Mês em que não participasse nesse trabalho, era uma rara excepção.4

Mas por volta de 1972, embora continuasse ativo nesse trabalho, eu já não estava convencido que as Escrituras apoiavam o ponto de vista que eu tinha há muito tempo, nomeadamente, que ir de porta em porta era a maneira distintamente Cristã de declarar as boas novas. Que os cristãos tinham uma responsabilidade de partilhar as boas novas com outros era claramente evidente, inegável. E ao escrever o capítulo do manual que me foi designado, apresentei claramente essa responsabilidade, como qualquer pessoa pode ver lendo o capítulo. Mas não encontrei nada nas Escrituras que ordenasse um certo método de fazer isto.

Que Cristo Jesus e os apóstolos e discípulos tinham visitado pessoas nos seus lares também era claramente evidente, inegável. Mas que eles tinham ido de porta em porta a fazer isto não estava indicado em nenhum lugar das Escrituras. Eu não pude usar conscienciosamente os textos em Atos 5:42 e Atos 20:20 para provar que eles o fizeram. Assim, no manual eu apresentei as visitas porta-a-porta como um meio eficaz de alcançar as pessoas mas não tentei apresentar este método como algo indicado na Bíblia.

O que escrevi foi submetido à apreciação de Karl Adams. Karl leu e aprovou a matéria e passou-a ao presidente. O manual inteiro foi subseqüentemente submetido ao Corpo Governante para discussão. A questão de aplicar aqueles dois textos como referindo-se a tocar consecutivamente de porta em porta foi longamente discutida, a favor e contra. O capítulo foi finalmente aprovado -- unanimemente -- por todo o Corpo Governante, que era constituído nessa altura por onze membros.5

O assunto ficou assim arrumado durante vários anos, durante os primeiros três destes registaram-se alguns dos maiores aumentos no número de Testemunhas. Começando em 1976 deu-se uma quebra severa tanto no aumento como na atividade global. Havia evidência clara a ligar este decréscimo ao fato de as grandes expectativas criadas pelas publicações da Torre de Vigia acerca do ano 1975 não se terem concretizado.6 Não obstante, alguns membros do Departamento de Redação começavam agora a insistir na reintrodução do uso dos textos em Atos como apoio para o ponto de vista de a atividade porta-a-porta ser "vital" para a pregação das boas novas, fundamental para o Cristianismo.7

Sam Buck, do Departamento de Redação, submeteu um artigo tentando sustentar esse ponto de vista, intitulado "Como é Que Jesus e os Seus Seguidores Pregavam?". O Comitê de Redação do Corpo Governante, do qual eu era membro, discutiu esse artigo numa das nossa reuniões semanais. Karl Adams, embora não fosse membro do Corpo Governante, estava presente como secretário do Comitê de Redação. Entre os comentários feitos, a expressão de Karl foi que o artigo "parecia estar a tentar torcer as Escrituras para se ajustar a uma idéia preconcebida."

Antes disto, eu tinha pedido a outro membro de longa data do Departamento de Redação comentários sobre a matéria que fora submetida.8 Ele escreveu:

Do tom do artigo, fiquei com a impressão que estamos a tentar fazer as Escrituras dizer algo que queremos que elas digam; trabalhamos os textos para os fazer dizer o que queremos que eles digam....

Penso que nos estamos a esquecer de um ponto importante em tudo isto. Todos devem louvar a Deus, pregar. O que é vital é fazê-lo, não é como é feito. Se os primeiros cristãos não iam de casa em casa, isso não significa que nós não o devamos fazer. Se o fizeram, isso não significa que também tenhamos de o fazer. Eles iam a sinagogas, nós não vamos a igrejas. Nós fazemos congressos internacionais, não há indicação de que eles os fizessem.... Porquê forçar um requisito de uma maneira de pregar? Porquê fazer uma pedra-de-toque de "casa em casa"? A questão é chegar às pessoas. O como não é importante, desde que seja amoroso e de ajuda para as pessoas a quem se testemunha.

Na discussão do Comitê de Redação não houve unanimidade entre os cinco membros, pelo que o assunto foi submetido a todo o Corpo Governante. Na esperança de que a discussão se focasse e fosse orientada primariamente pelas próprias Escrituras, fiz um esforço para pesquisar todos os exemplos nos quatro relatos do Evangelho e no livro de Atos relacionados com qualquer atividade que tivesse nem que fosse uma remota semelhança com pregar ou "testemunhar," e depois resumi o que encontrei num quadro de doze páginas de extensão. Também fiz um quadro comparativo de 27 traduções e da maneira como apresentam Atos 2:46; 5:42; e 20:20. Foi fornecida a cada membro do Corpo Governante uma cópia de cada um destes quadros. O quadro com as 27 traduções é apresentado a seguir.

Atos 2:46 Atos 5:42 Atos 20:20
AV
ASV
Douay
RSV
NEB
Rotherham
Byington
Basic Eng
Eng Revised
Knox
New Am St


Moffatt
Moulton
New Am Bi
Diaglott
Goodspeed
Today's Eng Vers
New International
Philips
Jerusalem
Young
New Berkeley
Syriac
New Int. Test.

Barclay
Translators' N T
Weymouth
de casa em casa
no lar
de casa em casa
nos seus lares
em casas particulares
no lar
no lar
nas suas casas
no lar
nesta ou naquela casa
de casa em casa


nos seus próprios lares
no lar
nas suas casas
no lar
nos seus lares
nos seus lares
nos seus lares
nos seus lares
nas suas casas
em todas as casas
no lar
no lar
de casa em casa
  [Int: nas [suas] casas]
nas casas uns dos outros
no lar
no lar
em todas as casas
no lar
de casa em casa
no lar
em casas particulares
no lar
no lar
particularmente
no lar
de casa em casa
de casa em casa
  [lar ou nos vários
   lares particulares]
no lar
no lar
no lar
no lar
em casas particulares
nos lares das pessoas
de casa em casa
nas casas das pessoas
em casas particulares
em todas as casas
no lar
no lar
em todas as casas
  [Int: nas casas]
de casa em casa
nos lares das pessoas
nos lares
de casa em casa
de casa em casa
de casa em casa
de casa em casa
nos vossos lares
nos vossos lares
de casa em casa
particularmente
particularmente
de casa em casa
de casa em casa
  [lar ou nos vários
   lares particulares]
de casa em casa
de casa em casa
em privado
nas vossas casas
nas vossas casas
nos vossos lares
de casa em casa
nos vossos próprios lares
nos vossos lares
em todas as casas
em lares
em lares
de casa em casa

nos vossos próprios lares
nos vossos lares
nos vossos lares

O espaço não permite apresentar todas as doze páginas do segundo quadro mas a primeira página é apresentada aqui como amostra do seu conteúdo:

TEXTO ATIVIDADE DE PREGAÇÃO LOCAL OU MÉTODO
Mat 3:1-6 Atividade de João No deserto, as pessoas iam ter com ele. (MARCOS 1:4-8; LUCAS 3:3-18; JOÃO 1:19-35)
4:17 Começo de Jesus Não especificado (MARCOS 1:14, 15)
4:18-22 Chama os primeiros discípulos Ao longo do mar da Galiléia (MARCOS 1:16-20)
4:23-25 Viagem na Galiléia Não é descrito nenhum método; "grandes multidões seguiam-no."
5:1-7:29 Sermão no monte Falou a multidões na região montanhosa (LUCAS 6:12-42)
8:1-4 Ao leproso O relato diz "multidões seguiam-no" e o leproso veio até ele (LUCAS 5:12 -16)
8:5-10 Ao oficial do exército O oficial veio até ele, "aqueles que o seguiam [Jesus]" também ouviram
« 8:14-17 Re curas Na casa de Pedro; "as pessoas trouxeram-lhe" aqueles necessitados de cura (MARCOS 1:29-34; LUCAS 4:38-41)
8:18-22 Ao escriba "multidão à volta dele," Jesus pronto a entrar no barco, escriba aproxima-se dele
8:28-34 Re homem possesso por um demónio Fora da cidade, as pessoas  saem para se encontrarem com Jesus (MARCOS 5:1-20; LUCAS 8:26-39)
9:2-8 Re homem paralítico Cafarnaum, as pessoas trazem-lhe o homem paralítico (LUCAS 5:17-26)
9:9 Chama Mateus No lugar onde Mateus cobrava impostos (MARCOS 2:14; LUCAS 5:27-32)
« 9:10-13 Re cobradores de impostos e pecadores Reclinado na mesa em casa de Mateus, as pessoas vieram ali (MARCOS 2:15-17)
9:14-17 Re jejum Os discípulos de João "vieram até ele" (MARCOS 2:18; LUCAS 5:33-35)
« 9:18-26 Filha doente de um governante e mulher doente O governante "aproximou-se ," uma mulher veio até ele, ele entrou na casa do governante (MARCOS 5:21-43; LUCAS 8:40-56)
« 9:27-31 Dois cegos Seguiram-no para dentro da casa [onde evidentemente Jesus ficou em Cafarnaum] (Compare com MARCOS 2:1, 2)
« 9:32-34 Re homem mudo As pessoas trouxeram-lhe o homem na mesma casa
9:35-38 Viagem Sinagogas; relato fala de multidões; outros métodos não indicados (MARCOS 6:6, 12, 13)
« 10:1-42 Envia doze Não são prescritos métodos específicos; deu instruções a respeito de cuidar das necessidades quanto a comida, vestuário, dinheiro, e alojamento, mostrando como encontrar alojamento apropriado a partir do qual desenvolver atividade; fala de 'pregar do alto das casas' mas evidentemente em sentido figurativo (MARCOS 3:13-15; 6:1- 12, 30; LUCAS 9:1-6; COMPARE COM LUCAS 9:51-56; 10:5, 6; ACTOS 16:15; 17:6, 7; 21:4, 7, 8, 16; 28:7, 14)

No quadro completo da "Atividade de Testemunho," foram alistados cerca de 150 incidentes distintos de "testemunho" (quando o mesmo incidente era relatado por mais de um escritor do Evangelho as citações de textos para todos os relatos foram geralmente agrupadas sob um incidente).

Dos cerca de 150 incidentes registados nestes cinco relatos das Escrituras, apenas cerca de 34 incluem alguma referência a "casa" ou "lar." Entre estes estão as quatro ocorrências que são usadas com mais freqüência nas publicações da Torre de Vigia como base para o seu ensino acerca de atividade porta-a-porta. Estas quatro ocorrências referem-se às considerações de Jesus ao dar instruções aos seus doze apóstolos e aos setenta discípulos antes de os enviar para a atividade evangelizadora, e àquelas duas ocorrências no livro de Atos onde a frase "de casa em casa" ocorre (na Tradução do Novo Mundo). Visto que a questão em discussão era inteiramente a de saber o que é que estes quatro relatos descrevem -- isto é, saber se devem ser compreendidos como referindo-se a ir de uma porta para a seguinte ou não -- então certamente as outras trinta passagens onde ocorre a palavra "casa" ou "lar" deviam ter sido objeto de sério interesse, pois seria razoável esperar que lançassem luz sobre a maneira como Jesus e os seus apóstolos e discípulos faziam a sua atividade. O que é que essas passagem revelam? Conforme indiquei aos membros do Corpo Governante, o quadro mostrava que:

21 referem-se quer a casas nas quais Jesus, Pedro ou Paulo se alojaram quer a casas para as quais foram convidados, muitas vezes para uma refeição, incluindo as casas de Marta, Maria e Lázaro, Zaqueu, Simão o Curtidor, Cornélio, Lídia, um guarda prisional em Filipos, Áquila e Priscila, Tito, Justo, e Públio.

7 passagens referem-se a casas não identificadas mas o contexto indica quer um local de alojamento quer um local de reunião, estando por vezes presentes todos os doze apóstolos ou até uma grande multidão.

2 referem-se a Jesus enviando uma pessoa curada para casa.

Em todas as passagens, não existe uma única que mostre Jesus ou algum dos seus apóstolos ou discípulos tocando de porta em porta ou até indo de uma casa para outra.

Talvez seja esta a razão porque apesar de ser tão completo, o quadro nem sequer foi discutido pelo Corpo Governante, excetuando uma ou duas referências indiretas.

Em vez disso a discussão centrou-se principalmente no uso da expressão "casa em casa" que se encontra nos dois conhecidos textos do livro de Atos, na Tradução do Novo Mundo. Lloyd Barry insistiu num regresso ao uso destes textos para apoiar o trabalho porta-a-porta, dizendo que 'é desta maneira que a organização tem levado a cabo o trabalho ao longo dos anos.'9 Leo Greenlees declarou que 'precisamos de ter uma maneira organizada de cobrir os territórios' (cada congregação divide a sua área designada em "territórios" de algumas centenas de lares cada). Albert Schroeder leu algumas citações sobre o uso da preposição grega kata e também citou exemplos de testemunho público feito pelos Lolardos, seguidores de Wycliffe. George Gangas disse que 'a vasta maioria das pessoas que vieram para a organização foram contatadas por se ir de porta em porta.'10 Carey Barber falou da atitude dos anciãos que questionaram a base bíblica do trabalho porta-a-porta, dizendo que 'eles evidentemente não sentem que é necessário ser zeloso neste trabalho.' Ele referiu-se a Atos 20:21, dizendo que Paulo tinha falado a pessoas sobre "arrependimento," argumentando que isto indicava que o trabalho de casa em casa dele (a que se refere o versículo 20) era feito entre estranhos, e não entre os discípulos. Ele citou a expressão de uma mulher, uma Testemunha, que disse a respeito do trabalho porta-a-porta, "O que é que eu estou aqui fora a fazer se não tenho de pregar?" Lyman Swingle disse que 'evidentemente aquele que escreveu o artigo proposto queria ter uma "ordem" para ir de porta em porta, algo que ele (Swingle) não sentia que as Escrituras justificassem.' Karl Klein declarou que nós estamos 'sob obrigação de usar os melhores meios possíveis para pregar,' e citou o exemplo do "homem com o tinteiro" na visão do profeta Ezequiel e da sua ação de pôr um sinal na testa das pessoas.11 Ele disse que 'os irmãos que se disciplinam a si mesmos e têm amor vão de casa em casa.' Milton Henschel avisou que 'alguns anciãos estavam a dizer que "não há apoio das Escrituras para o trabalho casa-a-casa,"' e, com força considerável, acrescentou que 'ele próprio não estava em Éfeso mas que Lucas estava e Lucas afirma que Paulo foi de "casa em casa."' Também disse que 'a nossa tarefa é fazer discípulos e os irmãos deviam ser encorajados a ir de porta em porta.' Ele sugeriu que se citassem algumas das decisões do Supremo Tribunal dos Estados Unidos que falam sobre a prática de ir a lares das pessoas sem ser convidado como sendo um método antigo de pregar. O Secretário-Tesoureiro Grant Suiter disse que 'se foi publicada alguma coisa depreciando o trabalho casa-a-casa então devia ser nomeado um comitê especial para considerar isso.' Ele disse que existiam alguns relatórios indicando que algumas Testemunhas não estavam a levar literatura com elas quando iam de porta em porta. Ele disse que 'existe muita gente que gostaria de ser Testemunha de Jeová mas que não gosta de testemunhar' e que os anciãos não deviam ser desse tipo.12 Lloyd Barry falou outra vez, citando o comentário de um padre Católico sobre o bom exemplo das Testemunhas de Jeová ao irem de casa em casa. Ele citou um membro do Comitê da Filial no Panamá como tendo dito que o trabalho casa-a-casa é "a verdadeira espinha dorsal da nossa adoração." Leo Greenlees também falou outra vez dizendo que a maioria dos irmãos são "pessoalmente desorganizados" e não fariam o trabalho se a organização não fizesse arranjos para eles.

Este é um resumo do essencial da discussão e ilustra a tendência que tomou, as atitudes e pensamentos que nela foram manifestados. Eu bem tentei chamar atenção para as próprias Escrituras ao longo da sessão mas a discussão raramente se centrava em algum ponto o tempo suficiente para permitir qualquer consideração aprofundada. Toda a discussão Bíblica focava-se quase totalmente na correção da tradução "de casa em casa," conforme apresentada em Atos 5:42 e 20:20, na Tradução do Novo Mundo, sendo isto particularmente defendido pelo Presidente Fred Franz.

Na verdade, nem eu nem ninguém tinha rejeitado ou até criticado aquela tradução. A verdadeira questão era, o que é que "casa em casa" ali significava? Era sinônimo de "porta em porta" conforme empregue pelas Testemunhas? Ou tinha simplesmente o mesmo significado de "em lares particulares," que era como a Tradução do Novo Mundo apresentava a frase grega idêntica em Atos 2:46? Eu tinha chamado a atenção para isto em vários momentos na discussão. Como Fred Franz era de fato o tradutor da Tradução do Novo Mundo, eu tinha a certeza de que ele se apercebia que esta mesma expressão grega (kat' oikon) era também usada quatro vezes para se referir ao lugar de reunião dos crentes cristãos nos lares de certos discípulos. (Veja The Kingdom Interlinear Translation [A Tradução Interlinear do Reino] em Romanos 16:5; 1 Coríntios 16:19: Colossenses 4:15; e Filêmon versículo 2.) Nestes versículos ele tinha traduzido o termo por expressões do tipo "na casa deles," "na casa dela," e "na vossa casa." Embora seja claro que a preposição kata não é usada num sentido "distributivo" nestes textos, ainda assim eles ilustram que a frase foi usada com referência aos lares particulares de discípulos.

Portanto, numa tentativa de estabelecer que -- independentemente da forma como a expressão era traduzida -- a questão decisiva era saber se ela transmitia o significado que lhe estava a ser atribuído, eu por fim senti-me impelido a fazer uma pergunta direta ao meu tio, dizendo: "O Irmão Fred Franz acredita realmente que a expressão 'de casa em casa' tal como aparece nestes versículos [Atos 5:42; 20:20] significa mesmo ir 'de porta em porta,' de uma porta para a porta seguinte? Eu apreciava que ele se expressasse sobre isto."

O presidente, Karl Klein, voltou-se para ele e disse, "Bem, Irmão Franz?" A resposta dele começou assim, "Sim -- creio que pode incluir isso." (Note o uso da palavra "pode," e não "deve.") Ele depois acrescentou: "Por exemplo, ao ir a uma casa Paulo pode ter entrado pela porta da frente e, depois da sua discussão, ele pode ter saído pela porta das traseiras, e portanto ele estaria a ir de porta em porta." Vários dos presentes desataram a rir às gargalhadas. Mas a verdade é que a declaração não pretendia provocar o riso -- foi feita com toda a seriedade. Eu não digo isto apenas por nessa altura já conhecer o meu tio por mais de meio século, e conhecer a sua maneira de falar quando estava a ser deliberadamente humorístico, sarcástico ou até brincalhão. Esta não era uma observação improvisada feita numa conversa casual. O presidente da Sociedade sabia que a pergunta tocava no ponto central que tinha dado origem à longa discussão. Ele falou deliberadamente e num tom que apelava à razão, e não deu a menor indicação de pretender ou esperar que o seu comentário fosse entendido senão como uma explicação razoável. Eu senti-me atordoado, pois parecia incrível que tal resposta pudesse ser feita para de alguma forma clarificar o ponto central da discussão que nesta altura já durava há horas. Em conversa, Karl Klein tinha observado certa vez, "O Freddie consegue racionalizar tudo." No entanto eu ainda fico perplexo ao pensar como é que um homem obviamente inteligente pôde fazer uma racionalização tão evasiva, tão artificial que provocou o riso dos outros membros do Corpo. Mas essa foi a única resposta que a minha pergunta recebeu.

Eu tinha pedido aos membros do Corpo que considerassem as doze páginas de evidência das Escrituras e que apontassem o que quer que fosse indicando ter Jesus alguma vez estabelecido um exemplo de ir de porta em porta. Também isto ficou sem resposta.

Pouco depois da minha pergunta a Fred Franz, o Corpo Governante votou para que Lloyd Barry supervisionasse a escrita de matéria que reintroduziria o uso dos textos anteriormente mencionados como apoiando especificamente a atividade porta-a-porta feita pelas Testemunhas de Jeová. O resultado da votação foi treze a favor, quatro contra.

Achei a discussão desanimadora. Não que o resultado da votação fosse de algum modo inesperado. O aspecto desanimador foi a maneira e o espírito em que decorreu a própria discussão -- embora a tendência errante e casual que seguiu fosse algo que a experiência passada me devia ter feito esperar. Depois disso eu tirei algum tempo para escrever alguns comentários para dar a todos os membros, mas depois de os escrever interroguei-me para que é que servia continuar a tentar. Parecia fútil. Acabei por dar apenas quatro cópias ou perto disso, àqueles membros que eu pensava poderem ao menos dar consideração à matéria e arquivei as restantes. (Esses comentários podem ser obtidos através da Commentary Press.)

Fazer as Escrituras Adaptarem-se a um Ensino da Organização

Quando o membro do Corpo Governante Lloyd Barry foi designado para supervisionar a preparação de matéria sobre o assunto para a Sentinela, ele declarou voluntariamente perante o Corpo que se certificaria de que seria dada a devida consideração à informação apresentada nos dois quadros (de evidência bíblica a respeito do testemunho nos quatro Evangelhos e em Atos, e da maneira como kat' oikon era traduzida em várias versões da Bíblia) que eu tinha fornecido aos membros do Corpo. Ele preferiu escrever ele mesmo a matéria e esta apareceu na Sentinela de 1.° de março de 1980 (o mesmo número da revista que continha o artigo sobre Nancy Yuen, a sua atividade porta-a-porta e os seus vinte anos na prisão). Não continha qualquer consideração da evidência bíblica que fora apresentada nem deu, de fato, qualquer consideração às questões básicas envolvidas, como tinham sido discutidas na sessão do Corpo Governante.

Logo no início os artigos traziam uma grande imagem de casas com gravuras inseridas nela mostrando Testemunhas tocando às portas e em baixo as palavras: "Assim como fizeram os apóstolos de Jesus, os atuais cristãos estão procurando 'de casa em casa' os que merecem receber as boas novas." Assim, desde o início, "casa em casa" e "porta em porta" foram apresentados como equivalentes. Em nenhum lugar do artigo era apresentada prova de que nas Escrituras aquelas expressões se eqüivalem; esse lado da questão nem sequer foi discutido.

Os artigos que se seguiram ilustram claramente a maneira como, com desoladora freqüência, a organização apresenta aos seus membros uma imagem deformada dos assuntos, suprimindo toda a evidência desfavorável e privando desta forma os seus membros da oportunidade de avaliar os assuntos honestamente e chegar a uma conclusão pessoal quanto à validade das posições tomadas.

[imagem]

[Assim como fizeram os apóstolos de Jesus, os atuais cristãos estão procurando 'de casa em casa' os que merecem receber as boas novas.

A SENTINELA -- 1.° DE MARÇO DE 1980]

Como não podia ser apresentada nenhuma evidência de ter Jesus alguma vez estabelecido um exemplo de ir de casa em casa no sentido de visitar consecutivamente casas de porta em porta, em vez disso o primeiro artigo focou a atenção nas instruções dele aos doze apóstolos e aos setenta discípulos. (Páginas 9 e 10 do primeiro artigo.) Foi seguido o procedimento padrão de apresentar apenas aquelas partes do texto que falam de 'procurar quem é merecedor,' e omitir as expressões de acompanham estas palavras, tais como "ficai ali até partirdes," "ficai nessa casa, comendo e bebendo as coisas que vos derem.... Não vos estejais transferindo de casa em casa." (Parágrafos 8-10) Depois de citar apenas uma parte das palavras de Jesus, o artigo diz:

Isto exigiria irem aos lares das pessoas, onde os "merecedores" acatariam as "boas novas." Desta maneira, esses discípulos iriam também encontrar hospedagem para pernoitar.

Note, "iriam também encontrar". Isto pretende dar a idéia que esta parte das instruções de Jesus referia-se primariamente a testemunho de porta em porta e que o alojamento era algo secundário, quase incidental. No entanto, uma simples leitura do relato (neste e nos outros evangelhos) mostra que Jesus, depois de falar aos seus discípulos sobre coisas que eles necessitariam, ou pensava que eles necessitariam, ao irem numa viagem de pregação, nomeadamente, dinheiro, comida e vestuário, falou então acerca de outra coisa que eles necessitariam na sua viagem, a saber, alojamento, e este era o assunto principal discutido nas palavras dele que foram citadas. A declaração que Jesus fez imediatamente a seguir, "e ficai ali até partirdes" demonstra isto. Ao citar apenas uma parte do versículo e separar os assuntos, o artigo manipula mais facilmente a mente do leitor para aceitar as idéias apresentadas.13

O escritor usou o mesmo método ao citar as palavras de Jesus aos setenta discípulos que foram enviados, conforme registadas em Lucas 10:1-16. No artigo, foram citadas estas palavras:

Onde quer que entrardes num casa, dizei primeiro: "Haja paz nesta casa." E, se ali houver um amigo da paz, descansará sobre ele a vossa paz. Mas, se não houver, ela voltará para vós.

As palavras de Jesus que aparecem imediatamente a seguir não foram citadas. Porquê? Essas palavras são:

Assim, ficai naquela casa, comendo e bebendo as coisas que vos derem, porque o trabalhador é digno do seu salário. Não vos estejais transferindo de casa em casa.

Estas palavras mostram que Jesus estava a dizer claramente àqueles discípulos como obter alojamento com pessoas apropriadas e como se deviam comportar quando esse alojamento fosse obtido. Como estas palavras dão um aspecto completamente diferente à questão, não convinham ao argumento do escritor. Portanto, simplesmente não são consideradas.

Quando o assunto da tradução foi introduzido na discussão, o artigo reconheceu brevemente que "existem outras maneiras de traduzir" kat' oikon além de "casa em casa," mas depois apresentou apenas aquelas traduções que usam esta maneira de traduzir! O artigo nunca se referiu à questão de saber se "distributivo" significa ou requer a idéia de "consecutivo."

Numa nota de rodapé o artigo enumerava dezoito traduções que contêm a expressão "de casa em casa" em Atos 20:20. Não se diz ao leitor que existem igualmente tantas traduções como essas que apresentam os versículos de outras maneiras, tais como "particularmente," "em lares particulares," "em casa," e outras expressões similares. Não se diz ao leitor que algumas das mesmas traduções alistadas como usando "casa em casa" em Atos 20:20, vertem kat' oikon como "em casa" em Atos 5:42. (American Standard Version [Versão Padrão Americana]; Revised Standard Version (Verão Padrão Revista); English Revised Version (Versão Inglesa Revista); tradução de Moffatt.) O artigo incluiu a New American Standard Version (Nova Versão Padrão Americana) na sua nota de rodapé, na lista de versões que usam "de casa em casa" em Atos 20:20 mas não indica que na margem dessa versão lê-se "ou nos vários lares particulares." Qualquer coisa que não se ajustasse à idéia que se pretendia promover com os artigos, foi simplesmente ignorada. E no entanto o escritor, Lloyd Barry, sabia que aquele tinha sido um ponto sério e crucial na discussão que ocorrera na sessão do Corpo Governante.

Mais difícil de perceber é a razão porque os artigos nunca reconhecem o fato de a própria Tradução do Novo Mundo, da organização, traduzir kat' oikon pela expressão "em lares privados" em Atos 2:46. Este versículo nem sequer é mencionado em toda a exposição. Porquê? A razão parece ser evidente.

O primeiro artigo lançou a base e os outros dois deram continuidade às idéias nele apresentadas, mencionando historiadores (E. Arnold e H. G. Wells, que escreveram sobre o espírito evangélico do cristianismo primitivo), o uso tradicional da própria organização de testemunho porta-a-porta, decisões de tribunais e outra matéria como apoio para o ponto de vista apresentado.

Assim, os artigos constituem um exemplo notável de supressão de evidência contrária, de "raciocínio circular" em que se raciocina com base em premissas não provadas como se estas fosses fatos. Escrito numa linguagem enérgica, colorida, com declarações feitas de uma maneira afirmativa, confiante, o artigo não dá ao leitor rigorosamente nenhuma indicação de que poderia haver um entendimento alternativo das passagens das Escrituras a que se recorreu para apoiar a posição tradicional. Em vista da discussão do Corpo Governante e da evidência então apresentada, é difícil encarar isto como outra coisa que não seja desonestidade intelectual.

O Registo de Testemunho do Apóstolo Paulo

Poderiam ser dados mais exemplos em que a evidência também foi ignorada e suprimida. Como apenas um dentre muitos, a Sentinela de 1.° de julho de 1983 continha uma discussão do serviço do apóstolo Paulo e citou as suas palavras em Atos 20:20, 21. Considere a afirmação que se seguia a essa discussão (página 13):

Mais tarde, ele podia apropriadamente dizer aos "anciãos" da congregação de Éfeso: "Não me refreei de vos falar coisa alguma que fosse proveitosa, nem de vos ensinar publicamente e de casa em casa. Mas, eu dei cabalmente testemunho, tanto a judeus como a gregos, do arrependimento para com Deus e da fé em nosso Senhor Jesus." (Atos 20:17, 20, 21, 31; 19:1-4) De modo que o apóstolo Paulo, antes que estes homens que agora eram anciãos se haviam tornado cristãos, lhes havia ensinado as verdades básicas do cristianismo na pregação "de casa em casa".

O próprio Paulo diz ter ensinado estes homens primeiro "publicamente" e depois de "casa em casa." O escritor do artigo na verdade inverte a ordem, afirmando terminantemente que a maneira inicial pela qual os anciãos Efésios se tinham tornado cristãos foi através da atividade 'casa-a-casa.' Ele passa completamente por cima da parte que o ensino "público" de Paulo desempenhou na instrução destes homens nas "verdades básicas do cristianismo," apesar de o próprio Paulo ter dito isto em primeiro lugar. Com que base pôde o escritor do artigo fazer isto? Onde é que as palavras de Paulo especificam o momento em que estes homens se arrependeram e tiveram fé em Jesus Cristo, tornando-se assim cristãos? Na realidade, no capítulo anterior ao que foi citado (isto é, em Atos capítulo dezanove) a própria Bíblia conta-nos sobre a atividade de Paulo em Éfeso. Visto que, como disse Milton Henschel, 'nós não estávamos em Éfeso mas Lucas estava,' o que é que o próprio relato de Lucas (como escritor do livro de Atos) mostra quanto a como e onde Paulo deu "cabalmente testemunho, tanto a judeus como a gregos" acerca do arrependimento e da fé em Cristo?

Atos capítulo dezanove mostra que, ao chegar a Éfeso, Paulo "encontrou alguns discípulos," cerca de doze, que não tinham conhecimento acerca de receber a dádiva do Espírito ou acerca de serem batizados no nome de Cristo, tendo sido batizados com o batismo de João. Paulo batizou-os no nome de Jesus. Mas deve-se notar que estes homens já eram "crentes," "discípulos," quando ele os encontrou. Ele ensinou-os, não como se eles fossem estrangeiros não informados, mas como homens que já eram discípulos.

O caso deles pode ser comparado ao de Apolo, descrito no capítulo anterior como estando "familiarizado apenas com o batismo de João" quando Áquila e Priscila o conheceram. (Atos 18:24-26) Não obstante, mesmo antes que eles "lhe expusessem mais claramente o caminho de Deus," Apolo já tinha estado a "falar e ensinar corretamente as coisas acerca de Jesus" na sinagoga. Embora incompleto no seu entendimento, ele já era um cristão quando Áquila e Priscila o conheceram. Mais ainda, eles conheceram-no, não indo de porta em porta, mas enquanto eles próprios freqüentavam a sinagoga. Não existe nenhuma razão para encarar os doze homens em Éfeso de maneira diferente.

Depois de descrever o batismo destes homens por Paulo, o relato em Atos capítulo dezanove diz:

Entrando na sinagoga, [Paulo] falou com denodo, por três meses, proferindo discursos e usando de persuasão a respeito do reino de Deus. Mas, quando alguns prosseguiam em endurecer-se em não crer, falando injuriosamente sobre O Caminho perante a multidão, retirou-se deles e separou deles os discípulos, proferindo diariamente discursos no auditório da escola de Tirano.

Este é o relato de Lucas como testemunha ocular sobre o ministério de Paulo em Éfeso. Ele mostra que alguns dos que ouviam os discursos de Paulo na sinagoga durante aqueles três meses ou já eram ou tornaram-se depois discípulos. Ele não diz que terem estes, ou quaisquer outros, abraçado o cristianismo foi o resultado de atividade de pregação "casa-a-casa." Um contexto muito claro de evidência das Escrituras indica que isto foi mais provavelmente o resultado de terem escutado os discursos públicos de Paulo na sinagoga. Considere essa evidência conforme é apresentada no relato de Lucas:

Ao longo de todo o livro de Atos existem exemplos uns atrás dos outros de pessoas que se tornaram crentes como resultado de discursos dados em lugares públicos ou de maneira pública. Os 3.000 em Pentecostes reuniram-se publicamente para ouvir Pedro e os outros discípulos falar e nesse mesmo dia arrependeram-se e tornaram-se crentes. Eles não estavam a responder à chamada de alguém à porta da sua casa. (Atos 2:1-41) Embora seja verdade que Cornélio e os seus associados ouviram a mensagem de arrependimento e fé em Cristo na sua casa, a visita de Pedro ali não estava relacionada com nenhuma "atividade de pregação casa-a-casa" mas era antes uma visita específica àquele lar. (Atos 10:24-48) Em Antioquia da Pisídia, como resultado de Paulo falar na sinagoga, alguns judeus e prosélitos, "seguiram Paulo e Barnabé" para ouvirem mais coisas. (Atos 13:14-16, 38-43) Se estava envolvida alguma casa, era mais provavelmente aquela em que Paulo e Barnabé estavam hospedados, com estas pessoas interessadas visitando-os em tal casa, o que é o contrário de serem visitadas nas suas casas por Paulo e Barnabé. (Compare com a situação similar no ministério de Jesus em João 1:35-39.) No sábado seguinte, "todos os corretamente dispostos para com a vida eterna tornaram-se crentes" -- na sinagoga, segundo todas as indicações. (Atos 13:44-48) Em Icónio, o relato diz que Paulo e Barnabé falaram de novo na sinagoga e "uma grande multidão, tanto de Judeus como de gregos, tornaram[-se] crentes." Eles 'arrependeram-se e tiveram fé em Cristo' como resultado de ensino público na sinagoga sem que seja mencionada qualquer "atividade de casa-a-casa." (Atos 14:1) Em Filipos, Lídia 'abriu o seu coração e respondeu à mensagem de Paulo,' mas isto foi junto de um rio e Paulo só entrou em casa dela mais tarde, e nessa altura como convidado dela.14 O guarda prisional filipense que mais tarde foi convertido conheceu Paulo enquanto este estava detido na prisão dele e a entrada de Paulo na casa dele resultou de um pedido de conhecimento do guarda, e não de uma visita não solicitada à sua casa. (Atos 16:12-15, 25-34) Em Tessalônica, o resultado de Paulo ter raciocinado com as pessoas na sinagoga durante três sábados foi que "alguns deles tornaram-se crentes e associaram-se com Paulo e Silas, e assim fizeram também uma grande multidão dos gregos que adoravam a Deus" -- novamente, ensino público numa sinagoga sem referência a nenhuma atividade de pregação "casa-a-casa." (Atos 17:1-4) Em Beréia, ao chegarem eles "entraram na sinagoga dos judeus" e "muitos deles tornaram-se crentes, e assim também não poucas das mulheres gregas bem conceituadas e dos homens." (Atos 17:10-12) Em Atenas, depois de Paulo ter falado publicamente na sinagoga, na feira e no Areópago, tudo lugares públicos, alguns "juntaram-se a ele e tornaram-se crentes." (Atos 17:16-34) Em Corinto, Paulo, enquanto hóspede na casa de Áquila e Priscila, "cada sábado, dava um discurso na sinagoga e persuadia judeus e gregos." Quando os opositores o forçaram a sair da sinagoga ele foi para casa de Tício Justo, que era contígua à sinagoga, e usou esta casa como um lugar de ensino, e o relato diz, "Mas Crispo, o presidente da sinagoga, tornou-se crente no Senhor, e assim também todos os de sua família. E muitos dos coríntios, que tinham ouvido, começaram a acreditar e a ser batizados." (Atos 18:1-8) Crispo e a sua família ouviram inicialmente as boas novas na sinagoga e só mais tarde em sua casa, quando esta foi usada como local de reunião, sem que as visitas porta-a-porta entrem no cenário.

Todos estes relatos precedem o relato da atividade de Paulo em Éfeso. Será que vamos pensar que esses relatos não lançam luz sobre a declaração de Paulo em Atos 20:20 citado na Sentinela, segundo a qual ele deu "cabalmente testemunho, tanto a judeus como a gregos, do arrependimento para com Deus e da fé em nosso Senhor Jesus"? Onde é que Paulo tinha feito exatamente isso nestes relatos todos? Foi em algum tipo de atividade de porta-a-porta? Ou foi em vez disso em lugares públicos, principalmente sinagogas? Quando estavam envolvidas casas, o apóstolo tinha ido lá em atividade porta-a-porta, ou tinha ele em cada caso sido convidado para aquela casa específica? Será que as pessoas "judeus e gregos," se tinham arrependido e tornado cristãs através de ensino público nas sinagogas? Tinham, claramente. Em face desta evidência das próprias Escrituras, das palavras de Lucas como testemunha ocular, como pôde o escritor da Sentinela não fazer a mínima referência à hipótese evidente de o que aconteceu nos outros sítios poder também ter acontecido em Éfeso? Não pesquisou a matéria? Não estava a par de toda esta evidência? Tal superficialidade seria indigna de alguém que escreve para milhões de leitores. Ou preferiu ele passar por cima da evidência substancial de modo a fazer as escrituras ajustarem-se aos ensinos da organização Torre de Vigia? Isto seria ainda menos desculpável.

Paulo diz que ensinou pessoas em Éfeso "publicamente e de casa em casa." Se o primeiro método é público, o segundo, naturalmente, é particular. Visto no contexto extenso e detalhado de todo o livro de Atos, é claro que o caso em Éfeso pode ter sido este: Paulo encontrou crentes como resultado de falar na sinagoga e mais tarde na escola de Tirano, e ele depois foi aos lares desses crentes, de um lar para outro lar, dando-lhes não instrução pública mas particular, instrução personalizada. Uma argumentação honesta reconheceria ao menos esta como uma possibilidade e, se fosse dada consideração a todos os exemplos precedentes das Escrituras, esta seria reconhecida como a explicação mais provável. A Sentinela não faz isto. Porquê?

Penso que pelo menos uma razão é a preocupação acerca do efeito que tal consideração honesta acerca das Escrituras poderia produzir. Os membros do Corpo Governante apercebem-se certamente que a extensão da atividade porta-a-porta em que os membros da organização de todo o mundo se empenham é em larga medida devida a pressões constantes, nas revistas, em reuniões semanais, em discursos por superintendentes viajantes. Embora a sua própria posição privilegiada lhes permita um certo grau de imunidade a essa pressão, eles sabem com certeza, da sua experiência passada antes de entrarem na liderança, que a sentiram e que essa pressão é real.15 As suas próprias expressões a respeito dos relatórios, por exemplo, mostram um verdadeiro medo de que abrandar a pressão possa resultar numa quebra naquela atividade. O comentário de Leo Greenlees de que a maioria dos irmãos são "desorganizados" e precisam dos arranjos da Sociedade para pô-los a fazer o trabalho, é um exemplo típico da atitude paternalista tantas vezes expressa nas sessões do Corpo Governante. Embora relacionado com outra faceta do programa da organização -- uma sugestão para reduzir a duração das reuniões semanais -- Milton Henschel fez um comentário muito similar, quando perguntou, "E o que é que os irmãos vão fazer se lhes dermos mais tempo livre? Provavelmente usá-lo a ver televisão."

Pensem ou não conscienciosamente nisso quando se discute o assunto da pregação, os homens em posições de liderança também sabem que a organização Torre de Vigia produziu um império editorial de tamanho tremendo, que demorou décadas a construir. Esse sistema de publicação com os seus escritórios de filial e parques gráficos grandes e dispendiosos e os edifícios residenciais de muitos andares para aqueles que ali trabalham, são uma fonte de considerável orgulho e são freqüentemente citados como evidência da benção divina e prosperidade. Qualquer diminuição da pressão sobre as Testemunhas para se empenharem na atividade porta-a-porta com as publicações provenientes desse sistema poderia por fim fazer o império desmoronar-se ou poderia requerer que fosse largamente desmantelado. Acredito seriamente que para muitos daqueles na liderança da organização, a mera idéia disto é impensável.

Os membros do Corpo Governante também se apercebem que, embora uma enorme quantidade de milhões de publicações sejam distribuídas cada ano, apenas uma pequena fração dessas publicações é alguma vez lida. Mas a quantidade de publicações distribuídas, por si só, ajuda a manter a ilusão de um tremendo "testemunho mundial" dado às pessoas. Enquanto que o apóstolo Paulo "ensinou" publicamente e em lares particulares, o trabalho porta-a-porta das Testemunhas de Jeová na maioria dos países onde é realizado é uma forma muito pública de pregação mas não de ensino. Mesmo a extensão da pregação é notavelmente pequena. Na maioria dos países, a testemunha só ocasionalmente consegue ter uma conversa substancial, e mais raramente ainda consegue passar do limiar da porta. Numa grande percentagem dos casos o "testemunho" não envolve mais do que uma rápida oferta de algumas publicações da Torre de Vigia. Mesmo na minoria dos casos em que as pessoas permitem que a testemunha diga mais alguma coisa, ou a convidam a entrar, o que é dito na grande maioria dos casos dificilmente poderia ser descrito como "ensinar" e nem sequer remotamente se qualifica como 'dar testemunho cabal sobre arrependimento e fé no Senhor,' porque consiste primária e principalmente numa consideração muito breve de um ou dois versículos da Bíblia seguidos pela oferta de literatura da Torre de Vigia.16 Qualquer eventual "ensino" feito só pode portanto ser o dos "estudos bíblicos domiciliares," e qualquer pessoa familiarizada com a situação nas congregações das Testemunhas de Jeová sabe com certeza que apenas uma pequena minoria delas participa em tal atividade de estudo bíblico.

Um artigo intitulado "O Desafio de Ir de Casa em Casa" na Sentinela de 15 de novembro de 1981, a que já foi feita referência anteriormente, apresenta uma imagem atrativa dos benefícios de participar no trabalho porta-a-porta. O artigo afirma que não há "nada como o método de evangelização de casa em casa para ajudar a pessoa a cultivar os frutos do espírito santo de Deus," e que esse método "ajuda a pessoa a cultivar a virtude da humildade," isto é "tende a torná-los mais compreensivos, com mais empatia," e que "serve também de proteção contra o mundo." é provavelmente verdade que qualquer atividade que faça uma pessoa sair com outros, incluindo muitas formas de trabalho social, podem ter um efeito positivo sobre as perspectivas e a atitude para com os outros. Mas a imagem apresentada é mais fantasiosa do que fatual, e acredito que a maioria das Testemunhas, que regularmente trabalham ombro a ombro com anciãos e pioneiros, e que têm contatos com superintendentes de circuito e distrito, sabem que o trabalho porta-a-porta em si mesmo contribui muito, muito pouco para tornar uma pessoa melhor, mais simpática, que manifesta em grau notável amor, paciência, longanimidade, brandura e os outros frutos do Espírito. A descrição cor-de-rosa que a Sentinela faz é mais representativa das boas intenções de quem escreveu aquilo do que da realidade, como demonstraram as cartas escritas pelos próprios anciãos respeitados da organização. Quanto aos sentimentos de empatia, o próprio fato de as Testemunhas serem treinadas para pensarem nas pessoas que visitam como mundanos, para ignorarem qualquer afirmação de espiritualidade da parte dos outros como não sendo genuinamente cristã, e para encararem como "semelhantes a ovelhas" apenas aqueles que os aceitam, certamente impedem qualquer verdadeiro sentimento de empatia. O seu interesse nas pessoal é largamente um interesse direcionado e a sua visão é como a que se obtém através de um túnel. Mesmo que a pessoa que encontram esteja a sofrer devido a problemas graves e necessidades, raramente a Testemunha se preocupará com outra coisa que não seja tentar colocar literatura ou fazer um convertido. Quando estas duas coisas não parecem ser possíveis, muitos exemplificam a maneira de proceder do Levita e do sacerdote da parábola; poucos reagem como o bom Samaritano.

O mesmo vale para as alegações de que a atividade porta-a-porta ajuda a cultivar humildade e os frutos do Espírito. Durante os anos que servi como superintendente de Filial nas Caraíbas vi muita tensão e dificuldades nos muitos lares missionários estabelecidos pela organização. Parecia ser um problema constante conseguir um grau de compatibilidade satisfatório entre muitos destes homens e mulheres que eram chamados a viver juntos em pequenos grupos na mesma casa. Nós fazíamos muitas vezes mudanças umas atrás das outras, mudando pessoas de um lar missionário para outro numa tentativa de alcançar uma atmosfera de paz em vez de dissensão. Numa zona das Caraíbas onde servi, a Filial estabeleceu mais tarde um lar especial para alguns missionários que ali serviam há mais tempo. A razão era simplesmente que eles não pareciam ser capazes de conviver com outros, com alguns deles (naqueles lares onde estavam) a pedir alívio e dizendo que as suas vidas estavam a tornar-se miseráveis por causa das atitudes e maneiras destes missionários. Num país da América do Sul ao qual fui enviado como superintendente de zona, o único lar missionário que restava era no edifício do escritório da filial. O lar estava ocupado por pessoas que tinham passado, cada uma delas, décadas no serviço a tempo inteiro. Contudo, a atmosfera de queixas e divergências mesquinhas era tal que, depois de anos a fazer o seu melhor para lidar com o egocentrismo, o coordenador da filial por fim pediu e recebeu permissão para se mudar dali para fora e viver noutro lugar qualquer, embora continuando o seu trabalho como coordenador da filial. No entanto, em todos os casos citados estas eram pessoas que estavam, ou tinham estado, a gastar diariamente cinco horas ou mais a testemunhar e grande parte deste testemunho era na "evangelização de casa-a-casa."

Apesar de toda a evidência, as publicações da organização continuam a descrever regularmente qualquer questionação deste programa porta-a-porta como o resultado de falta de humildade e falta de fé e amor por Deus e pelos outros. Assim, a Sentinela de 1.º de Dezembro de 1987 (página 20) declara:

... Para os que deixam de temer a Jeová, as reuniões, o serviço de campo [testemunho porta-a-porta] e outras atividades cristãs podem tornar-se uma carga.

Note como esses foram descritos em A Torre de Vigia (atual A Sentinela) de junho de 1937: "Para os infiéis, o privilégio de servir a Deus levando fruto do reino perante outros, como o Senhor tem ordenado, se tornou mera cerimônia e formalidade enfadonha, que não lhes oferece a oportunidade de brilhar aos olhos dos homens. O levar a mensagem do reino em forma impressa, de casa em casa, e apresentá-la ao povo, é muito humilhante para tais importantes para si mesmos" ... Isto é o que pode acontecer se perdermos o temor de Jeová e, junto com isso, o amor por ele.

Isto faria parecer que ninguém pode de maneira nenhuma questionar a justeza da enorme importância colocada no método porta-a-porta pela organização da Torre de Vigia e fazê-lo por razões sinceras e conscienciosas, baseadas num estudo da Palavra de Deus e na evidência que ela apresenta de maneira muito clara. O artigo citado diz que qualquer pessoa que questione essa importância é infiel a Deus, preocupa-se em 'brilhar aos olhos dos homens,' considera-se importante, e perdeu o seu temor de Jeová e o seu amor por ele.

Vale a pena lembrar que este artigo de 1937 que foi citado (tal como todos os "artigos de estudo" daquele tempo) foi escrito pelo Juiz Rutherford que não participava ele próprio na atividade porta-a-porta. Os seus próprios associados declaram que ele encarava o trabalho que fazia com sendo de maior importância. Ele não era só o homem cuja voz aparecia em todos os registos fonográficos que as Testemunhas nesse tempo levavam às portas (esses registos eram a única

PESSOAS sinceras estão a observar com grande medo
e preocupação os preparativos febris para a guerra entre
as nações. ódio, rancor má vontade aumentam a cada
dia que passa. Parece certo que um terrível desastre mundial
é iminente e é sentido por quase todos.

Será que se pode encontrar um lugar de
S E G U R A N Ç A ?


O homem que por ter viajado ao redor do mundo,
por ter pesquisado, e conhecer a exata Palavra
de Profecia de Deus está qualificado para responder
autoritativamente é o
JUIZ  RUTHERFORD
Ele vai responder numa conferência pública
a ser realizada no
C O L I S E U M
do
FAIR GROUNDS DO ESTADO DE OHIO

Domingo, 19 de Setembro, meio dia
Hora Padrão de Leste
Conferência grátis        Não se fazem coletas
Para lista das estações radiofônicas espalhadas pelo país que transmitirão
o discurso veja o verso desta folha
Panfleto de 1937 anunciando uma das conferências do "Juiz" Rutherford.

maneira em que Rutherford, enviezadamente, foi alguma vez de porta em porta), mas também era ele quem dava todos os principais discursos em qualquer assembléia, era a imagem dele que aparecia em todos os anúncios de tais assembléias, com o seu nome sempre precedido pelo título "Juiz," e muitas vezes com a referência de ele ser o presidente da empresa e um membro da associação New York Bar. Era este, portanto, o escritor que teve o descaramento de atribuir o desejo de ser importante e de brilhar a qualquer pessoa que não apoiasse vigorosamente a atividade porta-a-porta que ele ordenava, mas da qual se considerava a si próprio dispensado.

Acredito que uma pesada responsabilidade acompanha a argumentação sectária e deturpada que é usada para sustentar a alegação da organização de que a atividade porta-a-porta é ensinada e advogada na Bíblia, e que era um método destacado do testemunho do primeiro século. Esta não é uma mera discussão acadêmica nem debate sobre assuntos técnicos. Tem um impacto sobre a vida das pessoas, e sobre a maneira como se vêem a si mesmas e aos outros.

O método porta-a-porta promovido organizacionalmente foi claramente convertido num padrão pelo qual a espiritualidade dos outros e o seu amor a Deus são julgados. Com certeza que qualquer ensino que tenha tais conseqüências merece uma argumentação mais séria do que aquela que se encontra nas publicações da organização, uma argumentação mais completa, uma consideração mais justa da evidência e dos aspectos envolvidos.

O que mostram as Escrituras quanto ao verdadeiro significado da pregação das "boas novas do reino" será discutido num capítulo posterior.


In Search of Christian Freedom (Em Busca de Liberdade Cristã) (Atlanta: Commentary Press, 1991) de Raymond Franz (1922-2010), pp. 286-311.

Capítulo 9: O Sangue e a Vida, A Lei e o Amor

Raymond Franz


A letra mata, mas o Espírito dá vida. -- 2 Coríntios 3:6, New Revised Standard Version.

O que vai agora ser discutido não implica de maneira nenhuma que o uso do sangue não envolva um sério grau de risco. Que existe risco é um fato evidente. Nem o que vai ser dito implica de maneira nenhuma que a pessoa que faz uma escolha pessoal, não sob coação, de evitar transfusões (ou aceitar receber componentes do sangue e frações) numa base inteiramente religiosa, está a agir de maneira imprópria. Mesmo atos que são corretos em si mesmos tornam-se errados se forem feitos em má consciência. Como o apóstolo Paulo diz, "Considerem afortunado o homem que pode fazer a sua decisão sem ir contra a sua consciência.... todo o ato feito de má consciência é um pecado."1 Se, à luz da evidência que será apresentada, certos escrúpulos a respeito do sangue refletem uma consciência fraca ou forte, deixo à consideração do leitor.

Ao mesmo tempo, a gravidade da responsabilidade de uma organização que impõe os seus pontos de vista sobre esses assuntos delicados à consciência de um indivíduo, nunca devia ser subestimada. O que aconteceu com a Sociedade Torre de Vigia no assunto do sangue ilustra de maneira dramática como o legalismo pode conduzir uma organização para um pântano de inconsistências, com a possibilidade de os seus membros sofrerem quaisquer conseqüências adversas que daí possam resultar.

Começando no fim da década de 1940, a organização inicialmente decretou uma proibição total de aceitar sangue sob qualquer forma, na totalidade ou em frações. Depois, ao longo dos anos, estabeleceu novas regras que entraram em aspectos cada vez mais técnicos da questão. A tabela seguinte apresenta aquela que é basicamente a posição atual da organização acerca do uso de sangue:

Componentes do sangue e práticas proibidas Componentes do sangue e práticas permitidas
Sangue total Albumina
Plasma Imunoglobina
Glóbulos brancos (leucócitos) Preparados hemofílicos (Fator VIII e IX)
Glóbulos vermelhos Passagem do sangue do paciente através de uma bomba cárdio-pulmonar, ou outra em que a "circulação extra-corpórea seja ininterrupta."2
Plaquetas
Armazenar o sangue do próprio paciente para transfusão posterior

A organização classifica agora os elementos do sangue como ou componentes "maiores" ou componentes "menores" (o resultado desta divisão aparece no quadro apresentado). Esta classificação ilustra, em si mesma, a natureza arbitrária, bem como a inconsistência, de tais regras. Onde é que Deus deu ao homem autoridade para fazer tal divisão? Em que é que se baseiam para fazer a divisão -- apenas numa certa percentagem do total do sangue, e se assim é, qual é o ponto de corte na percentagem que separa as componentes "maiores" das "menores"? Ou fazem-no na base da importância do papel de cada componente? Se é assim, como é que avaliam e determinam a importância relativa de tal papel?

Conforme o ex-diretor da própria equipa médica da sede da Torre de Vigia, um médico e cirurgião licenciado, comentou certa vez, "Como é que se pode classificar um elemento como 'maior' ou 'menor'? Se uma pessoa precisa de um elemento particular do sangue para salvar a sua vida então esse elemento é um elemento 'maior' para ela."3 Mas a inconsistência na realidade é muito, muito maior.

Quando é posta a questão de saber porque é que não proíbe o uso de todas as componentes do sangue, a Sociedade Torre de Vigia tem explicado as suas mudanças de política que permitem o uso das frações do sangue alistadas dizendo que estas são usadas em "quantidades muito pequenas" e que isto coloca o seu uso no campo da consciência pessoal. Fazendo um exame mais atento, contudo, descobrimos evidência que indica ignorância ou ocultação de fatos, fatos tão convincentes que expõem a posição da organização como não tendo sentido. Considere o seguinte:

As declarações da Torre de Vigia expressas fortemente contra o uso de "sangue total" soam de forma impressionante para muitas Testemunhas. Embora fossem comuns nas décadas de 1950 e 1960, essas transfusões de sangue hoje são na verdade muito raras. Na maioria dos casos, é dada ao paciente a componente do sangue específica que ele ou ela precisa.4 No momento em que é doado, a maior parte do sangue é separada em várias componentes (plasma, leucócitos, eritrócitos [glóbulos vermelhos], etc.). Estas são armazenadas para uso futuro. A maioria delas será enviada diretamente para centros médicos. Portanto, na grande maioria dos casos, quando uma Testemunha é posta perante a necessidade de uma transfusão a questão não é o uso de sangue total mas de alguma componente do sangue.

Awake!, 22 de outubro de 1990

As Principais Componentes do Sangue

  • Plasma: cerca de 55% do sangue. É constituído por 92% de água, o resto é constituído por proteínas complexas, tais como globulina, fibrinogênio e albumina

  • Plaquetas: cerca de 0.17% do sangue

  • Glóbulos Brancos: cerca de 1%

  • Glóbulos Vermelhos: cerca de 45%

A inconsistência da política da Torre de Vigia quanto a componentes aceitáveis e não aceitáveis é bem ilustrada pela sua política quanto ao plasma. Como se pode ver na imagem tirada da edição de 22 de Outubro de 1990 da Despertai!, o plasma constitui cerca de 55% do volume do sangue. Evidentemente segundo o critério do volume, é colocado na lista de "componentes maiores" proibidos pela Torre de Vigia. E no entanto o plasma chega a ser constituído por 93% de água simples. Quais são as componentes dos aproximadamente 7% restantes? As principais são albumina, globulina (da qual as imunoglobulinas são as partes mais importantes), fibrinogênio e fatores de coagulação (usados nas soluções hemofílicas).5 E estas são precisamente as componentes que a organização põe na lista das que são permitidas aos seus membros! O plasma é proibido apesar de as suas componentes principais serem permitidas -- desde que sejam introduzidas no corpo separadamente. Como disse certa pessoa, é como se alguém fosse proibido pelo médico de comer sanduíches de queijo e fiambre, mas lhe dissessem que pode separar as componentes da sanduíche e comer o pão, o queijo e o fiambre separadamente.6

Os leucócitos, muitas vezes chamados "células brancas do sangue" [glóbulos brancos], também são proibidos. Na realidade, o termo "células brancas do sangue" é muito enganador, porque a maioria dos leucócitos no corpo de uma pessoa existem de fato fora do sistema sangüíneo. O nosso corpo contém cerca de 2 a 3 quilos de leucócitos e só cerca de 2-3% destes estão no sistema sangüíneo. Os outros 97-98% estão espalhados por todo o tecido do corpo, formando o seu sistema de defesa (ou imunologico).7

Isto significa que uma pessoa sujeita a um transplante de órgão receberá simultaneamente no seu corpo mais leucócitos estranhos do que se tivesse recebido uma transfusão de sangue. Como a organização Torre de Vigia agora permite o transplante de órgãos, a sua posição intransigente contra os leucócitos, enquanto permite outras componentes do sangue, torna-se sem sentido. Só pode ser defendida usando raciocínios rebuscados, que certamente não têm qualquer base moral, racional ou lógica. A separação arbitrária do sangue em componentes "maiores" e "menores" também não tem qualquer base sólida. A organização evidentemente proíbe o plasma -- embora seja principalmente água -- por causa do seu volume (55% do sangue), e no entanto proíbe também os leucócitos que, como mostra a imagem da Despertai!, compõem apenas 1/10 de 1% (.001) do sangue!8

A ausência de quaisquer bases morais ou lógicas para essa proibição é também vista no fato de o leite humano conter leucócitos, de fato, contém mais leucócitos do que se podem encontrar numa quantidade equivalente de sangue. O sangue contém cerca de 4.000 a 11.000 leucócitos por milímetro cúbico, enquanto o leite de uma mãe pode conter, durante os primeiros meses de aleitação, até 50.000 leucócitos por milímetro cúbico. Isto representa entre cinco e doze vezes mais do que a quantidade presente no sangue!9

Isto deixa os eritrócitos (glóbulos vermelhos) e as plaquetas na lista proibida. Que dizer das componentes permitidas?

Um ponto importante a ter em mente é que a argumentação da organização Torre de Vigia procura apoio nas provisões da lei Mosaica que ordenam que o sangue de animais mortos seja derramado no chão, sendo isto citado como se justificasse a objeção da organização a qualquer armazenamento de sangue humano.10 Lembremo-nos também que a organização apresenta as componentes do sangue que permite como constituindo apenas uma quantidade negligenciável de sangue. Considere agora os fatos seguintes com respeito às componentes que a organização classifica como admissíveis:

Uma destas componentes é a albumina. A albumina é usada principalmente em tratamentos relacionados com queimaduras e hemorragias graves. Uma pessoa com queimaduras do terceiro grau em 30 a 50% do seu corpo necessitaria de 600 gramas de albumina. A política da Torre de Vigia permitiria isto. Quanto sangue seria necessário para extrair esta quantidade? Seriam necessários uns 10 a 15 litros (de 10.6 a 15.9 quartos de galão) de sangue para produzir essa quantidade de albumina.11 Isto dificilmente poderia ser considerado uma "pequena quantidade." é igualmente óbvio que os litros de sangue do qual a albumina foi extraída foram armazenados, não foram "derramados no chão."

A situação é semelhante no caso da imunoglobina (ou globulina gama). Para produzir globulina gama em quantidade suficiente para uma injeção por seringa (uma vacina que pessoas, incluindo Testemunhas de Jeová, que viajam para certos países do sul podem tomar como proteção contra a cólera) são necessários perto de 3 litros de sangue como fonte do fornecimento.12 Isto é ainda mais sangue do que é geralmente empregue numa transfusão de sangue vulgar. E de novo, a globulina gama é tirada de sangue que é armazenado, e não "derramado no chão."

Restam os preparados hemofílicos (Fatores VIII e IX). Antes de estes preparados começarem a ser usados, o tempo médio de vida de um hemofílico na década de 1940 era 16 anos e meio.13 Hoje, graças a estes preparados derivados do sangue, um hemofílico pode alcançar o tempo normal de vida. Para produzir preparados que manteriam um hemofílico vivo durante este período de tempo estima-se que seriam necessárias extrações de 100.000 litros de sangue.14 Embora os preparados hemofílicos representem em si mesmos apenas uma fração desse total, quando consideramos a sua fonte não podemos deixar de nos perguntar como é que isto poderia alguma vez ser considerado como envolvendo uma "pequena quantidade" de sangue?

O uso de qualquer destas componentes implica obviamente o armazenamento de grandes, até mesmo colossais quantidades de sangue. Por um lado a organização Torre de Vigia decreta como permitido o uso destas componentes do sangue -- e consequentemente do armazenamento envolvido na sua extração e produção -- enquanto por outro lado afirmam que se opõem a todo o armazenamento de sangue pois é biblicamente condenado. Este é o único motivo que eles dão para proibir o uso de sangue autólogo por uma Testemunha (isto é, algum do próprio sangue da pessoa é armazenado e depois reintroduzido na corrente sangüínea durante ou depois da cirurgia).15 Claramente, essas posições são arbitrárias, inconsistentes e contraditórias. É difícil acreditar que aqueles que formulam essa política, e também os escritores que a explicam e defendem, estejam ignorantes dos fatos a ponto de não verem a inconsistência e arbitrariedade envolvidas. E no entanto só isso poderia evitar que essa posição também fosse classificada como desonesta.

Estabelecer regras em assuntos de saúde ou tratamento médico -- proibindo isto, permitindo aquilo -- é estar a pisar terreno escorregadio. No primeiro caso podemos estar a ser culpados de criar um medo irracional, e no segundo podemos criar uma falsa sensação de segurança. O procedimento sábio -- e humilde -- é deixar a responsabilidade de decidir acerca dessas distinções a quem pertence em primeiro lugar, com a consciência de cada um.

Os artigos da Torre de Vigia sobre o assunto do sangue enfatizam a posição de não compromisso assumida pela organização a respeito do sangue, elogiando freqüentemente as suas próprias políticas como salvaguardando a saúde e vida dos seus membros. Raramente, se é que alguma vez, lemos qualquer informação ou experiências que não sejam favoráveis a essas políticas.

Artigos recentes alegam que as políticas da organização protegeram os seus membros de contraírem a SIDA. Um artigo da Despertai!, na edição de 8 de Outubro de 1988, faz esta afirmação. O mesmo artigo indica (na página 11) que "até o início de 1985 a maioria dos 10.000 americanos com hemofilia grave haviam sido infectados pelo vírus da AIDS." A edição de 22 de Outubro de 1990 da Despertai! (na página 8), atualiza esta informação ao dizer que: "Os hemofílicos, a maioria dos quais utilizam um agente coagulante tirado do plasma para tratar sua moléstia, foram dizimados. Nos Estados Unidos, dentre 60 a 90 por cento deles pegaram a AIDS antes de ser estabelecido um processo de tratamento do remédio pelo calor, a fim de eliminar o HIV." De forma similar, a Sentinela de 15 de Junho de 1985, num artigo intitulado "A Grã-Bretanha, o Sangue e a AIDS" afirma na página 23 que "uns 70 milhões de unidades de Fator VIII concentrado" foram importadas dos Estados Unidos para tratar os hemofílicos ingleses e acrescenta, "Parece que pela importação desse produto sanguíneo o vírus da AIDS passou para o suprimento britânico."

Embora contenham muitos elogios ao efeito protetor das políticas da organização acerca do sangue, existe uma coisa que todos estes artigos não mencionam aos seus leitores. É que aqueles hemofílicos que foram infectados dessa forma contraíram a infeção primariamente de uma fonte de sangue que a Sociedade Torre de Vigia tinha declarado oficialmente como sendo permitida: preparações hemofílicas de Fator VIII extraídas do plasma.16 Como mostra a Despertai! de 22 de Outubro de 1990 (páginas 7 e 8), alguns incidentes de infeção com SIDA também ocorreram através de "transplantes de tecidos", que também são classificados como "permitidos" pela organização.

Tudo isto ilustra como é idiota e completamente errado que uma organização tenha pretensões de possuir sabedoria e autoridade divina para se lançar no desenvolvimento de um conjunto complicado de padrões e de distinções técnicas e depois os imponha como regras morais obrigatórias, decidindo por outros em que caso e em que circunstâncias um assunto pode ser considerado como estando dentro ou fora do domínio da consciência pessoal.

O risco inerente à transfusão de sangue e componentes de sangue ou frações é real. Ao mesmo tempo também é verdade que pessoas podem morrer na cirurgia devido a hemorragia grave. O uso do sangue da própria pessoa, armazenado até ao momento da cirurgia, seria logicamente apelativo para pessoas preocupadas com a possibilidade de infeções relacionadas com o sangue. No entanto, conforme foi mostrado, a organização presume ter autoridade para declarar que isto está fora do domínio da decisão pessoal, proibindo até uma "recolha intra-operativa" do sangue (consiste em, durante a operação, retirar algum sangue para um recipiente de plástico e mais tarde introduzi-lo no corpo).17 E muitos milhares de pessoas estão dispostas a prescindir do direito de fazer a sua própria decisão em tais matérias cruciais, permitindo que uma organização decida por elas, apesar de a história dessa organização estar marcada por uma má vontade quando se trata de reconhecer a sua responsabilidade pelos danos que as suas políticas possam causar. Conhecendo quase inteiramente apenas aquelas declarações e experiências que são favoráveis, raramente, se é que alguma vez, essas pessoas são informadas de fatores negativos.

Considere apenas um exemplo tirado de um artigo da revista Discover (Descobrir) de Agosto de 1988. A partir dos 42 anos de idade, uma mulher Testemunha teve remoções cirúrgicas de tumores da bexiga recorrentes, por um período de vários anos. Desta última vez ela tinha esperado demasiado tempo antes de ir ao médico, estava a sangrar muito, e estava gravemente anêmica. Ela insistiu em não receber uma transfusão e esta recusa foi respeitada. Durante uma semana os urologistas tentaram sem sucesso estancar a hemorragia. A contagem do sangue dela continuava a diminuir. A médica que escreve o artigo conta o que aconteceu:

Gradualmente, à medida que o sangue dela continuava a diminuir, a Sr.ª Peyton começou a ter falta de ar. Os órgãos do corpo precisam de uma certa quantidade de oxigênio para funcionar. O oxigênio é transportado dos pulmões para a periferia pelas moléculas de hemoglobina que estão nos glóbulos vermelhos.... A equipa médica deu à Sr.ª Peyton oxigênio adicional através de uma máscara até ao ponto em que ela estava quase a respirar O2 puro. Os poucos glóbulos vermelhos que ela tinha estavam completamente carregados -- mas não restavam veículos suficientes para transportar o combustível que o corpo dela precisava.

A sua ânsia por ar aumentou. O seu ritmo respiratório caiu. Ela tornou-se cada vez mais vacilante, e finalmente -- era inevitável -- as fibras do músculo do seu coração revelaram a necessidade desesperada que tinham de oxigênio. Desenvolveu-se nela uma dor no peito esmagadora, severa.

A médica que escreve o artigo descreve os seus sentimentos ao chegar ao quarto da paciente:

Quando entrei no quarto... fiquei assustada com a cena à minha frente. No centro das atenções de toda a gente estava uma mulher forte com uma máscara de oxigênio, ávida por ar, respirando mais depressa do que parecia humanamente possível. à cabeceira da cama estavam três amigos, membros da mesma igreja [Testemunhas], segurando-a.... Ao lado dela estavam vários médicos -- um monitorizando a sua pressão sangüínea decrescente, outro extraindo algum sangue de uma artéria. O fluido que encheu a devagar a seringa tinha a consistência de Punch havaiano; testes no mesmo revelaram uma contagem de glóbulos vermelhos de apenas 9 [seria normal ter 40]. Suspenso da grade da cama estava um saco com urina muito vermelha. A mulher estava a morrer. Os seus sinais cardíacos mostravam as grandes oscilações que assinalam um coração em dor. Dentro de horas o dano que provocariam tornar-se-ia irreversível.

Aquela mulher teve uma paragem cardíaca. Uma equipa de médicos e enfermeiras começou a tentar a reanimação cárdio-pulmonar, administrou epinefrina e atropina, e depois uma descarga elétrica no coração. Este começou a trabalhar, mas depois parou outra vez. Mais RCP, mais epinefrina e atropina, outra descarga elétrica, mais RCP. Isto continuou durante uma hora até não haver mais nenhuma esperança ou possibilidade. A paciente estava morta para além de recuperação.

A médica que descreve isto não caracteriza a mulher como simplesmente uma fanática. Ela escreve:

Disseram-me que ela era uma mulher inteligente, que compreendeu totalmente as conseqüências da sua decisão. Mas o julgamento dela, pareceu-me, provinha de uma distinção cega imposta pela fé dela.18

Aqui estava uma mulher que tinha um problema recorrente que requeria cirurgias periódicas. Sabendo isto, armazenar algum do seu próprio sangue poderia ter-lhe parecido um procedimento seguro e aconselhável. Contudo, a "lei Teocrática" decretou que isto não era permitido. A obediência à "lei Teocrática" não lhe permitiu ter nenhuma escolha pessoal na matéria.

Se as políticas organizacionais fossem verdadeiramente baseadas na Bíblia, então qualquer sofrimento que pudesse resultar de aderir a essas políticas -- tal como um adiamento ou uma recusa de certa cirurgia devidos a preocupação ou incerteza acerca de assuntos relacionados com o sangue, até mesmo a eventual perda da vida por se sentir sob obrigação divina de rejeitar componentes do sangue além dos "permitidos" [pela organização] -- poderia ser encarado simplesmente como o sofrimento que um servo de Deus tem de estar disposto a suportar.19 Muitas Testemunhas de Jeová são muito sinceras ao se apegarem aos padrões da organização deles a este respeito. Algumas até viram as suas crianças morrer como conseqüência disso e seria injusto e cruel dizer que isto deve-se a alguma falta de amor parental da parte delas. Eles aceitaram simplesmente que os padrões e políticas organizacionais -- não importando quão complexos, ou até confusos, possam ser -- são fundados na Bíblia e portanto ordenados por Deus. E no entanto poucas alegações haverá que sejam tão desprovidas de fundamento como essa.

Conforme foi observado, grande parte da argumentação da Torre de Vigia centra-se em textos das Escrituras Hebraicas, especialmente nos regulamentos da lei Mosaica. Como a Sociedade reconhece que os cristãos não estão sob essa Lei, o texto de Gênesis capítulo nove, versículos 1-7, é citado com freqüência. Este texto diz:

E Deus prosseguiu abençoando Noé e seus filhos, e dizendo-lhes: "Sede fecundos e tornai-vos muitos, e enchei a terra. E o medo de vós e o terror de vós continuará sobre toda criatura vivente da terra e sobre toda criatura voadora dos céus, sobre tudo o que se está movendo no solo, e sobre todos os peixes do mar. Na vossa mão estão agora entregues. Todo animal movente que está vivo pode servir-vos de alimento. Como no caso da vegetação verde, deveras vos dou tudo. Somente a carne com a sua alma -- seu sangue -- não deveis comer. E, além disso, exigirei de volta vosso sangue das vossas almas. Da mão de cada criatura vivente o exigirei de volta; e da mão do homem, da mão de cada um que é seu irmão exigirei de volta a alma do homem. Quem derramar o sangue do homem, pelo homem será derramado o seu próprio sangue, pois à imagem de Deus fez ele o homem. E quanto a vós, homens, sede fecundos e tornai-vos muitos, fazei a terra pulular de vós e tornai-vos muitos nela."

Alega-se que, como todos os humanos são descendentes de Noé e dos seus filhos, estas ordens ainda se aplicam a todas as pessoas. Afirma-se que os regulamentos acerca do sangue na lei Mosaica devem por isso ser vistos simplesmente como repetições ou considerações adicionais sobre a lei básica estabelecida anteriormente e portanto ainda têm validade. De outro modo, como os cristãos não estão sob a lei Mosaica, não teria sentido citar textos dela como tendo relevância no assunto.20 Alega-se que o decreto divino a respeito do sangue dado a Noé tem aplicação eterna.

Se assim é, então não devia isto ser também verdade a respeito da ordem acompanhante "sede fecundos e tornai-vos muitos," e "fazei a terra pulular de vós e tornai-vos muitos nela"? E se este é o caso, como é que a Sociedade Torre de Vigia pode justificar o incitamento, não apenas a permanecer solteiro, mas até a não ter filhos, no caso das Testemunhas que são casadas? Sob o cabeçalho "Criar Filhos Hoje" a Sentinela de 1.º de março de 1988 (página 21) diz que, em vista do "tempo limitado" que resta para acabar o trabalho de testemunho, "Portanto, é apropriado que os cristãos perguntem a si mesmos até que ponto o casar-se, ou terem filhos, caso sejam casados, afetará a sua participação nessa obra vital." O artigo reconhece que criar filhos era parte da ordem de Deus a seguir ao dilúvio, mas declara (página 26) que "Atualmente, gerar filhos não é especificamente parte da tarefa dada por Jeová a seu povo ... Portanto, ter filhos ou não neste tempo do fim é um assunto pessoal que todo casal precisa decidir por si mesmo. Contudo, visto que 'o tempo que resta é reduzido', os casais farão bem em pesar cuidadosamente e com oração os prós e os contras de se ter filhos nestes tempos." Se as palavras de Jeová a Noé a respeito de criar filhos e 'pulularem e serem fecundos' podem ser assim postas de lado como já não sendo aplicáveis, como é que podem argumentar de forma consistente que as Suas palavras a respeito do sangue têm de ser encaradas como ainda aplicáveis, e usar isso como uma base para justificar a aplicação de regulamentos na lei Mosaica a respeito do sangue como ainda estando em vigor para os cristãos hoje?

Mais significativo, contudo, é que eles fazem essas palavras em Gênesis dizer algo muito diferente daquilo que elas de fato dizem. Qualquer leitura do texto torna óbvio que Deus está aqui a falar de sangue inteiramente em relação à matança de animais e depois em relação ao assassínio de humanos. No caso dos animais, o seu sangue era derramado no chão em reconhecimento evidente de que a vida sacrificada desse modo (para alimento) só era tomada por permissão divina, e não por direito natural. No caso do homem, o seu sangue reclamava a vida daquele que o derramava, sendo a vida humana uma dádiva de Deus que o homem não tinha autorização de tirar à sua vontade. O sangue derramado de animais mortos e de humanos assassinados representa a vida que eles perderam.21 O mesmo é verdade no caso dos textos da lei Mosaica freqüentemente citados, que requerem que o sangue seja "derramado." Em todos os casos, isto refere-se claramente ao sangue dos animais que foram mortos. O sangue representava a vida tomada, não a vida ainda ativa na criatura.22

As transfusões de sangue, contudo, não são o resultado da morte de animais nem de humanos, pois o sangue vem de um dador vivo e que continua a viver. Em vez de representar a morte de alguém, esse sangue é empregue exatamente com o objetivo contrário, nomeadamente a preservação da vida. Isto não é dito para considerar as transfusões de sangue uma prática desejável, ou sendo inquestionavelmente apropriadas, mas simplesmente para mostrar que não existe nenhuma verdadeira relação ou paralelo entre a ordem de Gênesis a respeito do ato de matar e de comer o sangue do animal morto, e do uso de sangue numa transfusão. O paralelo simplesmente não está lá.

Em Dezembro de 1981, um homem que nessa altura estudava com as Testemunhas de Jeová escreveu à Sociedade Torre de Vigia, expressando a sua dificuldade em conciliar a política acerca das transfusões de sangue com as Escrituras citadas em seu apoio. A discussão que ele faz dos textos revela conclusões similares àquelas que acabamos de apresentar:

Assim, estas passagens citadas acima parecem-me indicar que as proibições contra o comer sangue na Bíblia, referem-se apenas à situação em que o homem mata a vítima e depois usa o sangue sem o devolver a Deus, que é o único que tem o direito de tirar uma vida.

Contudo, fiquei particularmente impressionado com esta parte, quase no fim da sua carta:

Outro ponto a respeito deste mesmo assunto que me preocupa é que as Testemunhas de Jeová dizem que Deus proíbe comer o sangue porque simboliza a vida, que é de grande valor na perspectiva de Deus, e porque ele quer incutir no homem o valor da vida através da proibição de comer sangue. E isto parece-me muito razoável. Contudo, não consigo perceber como é que o símbolo pode ser de maior valor do que a realidade que simboliza.

É certo que na maioria dos casos as transfusões de sangue são de pouca utilidade ou até prejudiciais, no entanto, numa percentagem muito pequena dos casos, o sangue é o único meio que permite sustentar a vida até que outro tratamento possa ser feito, e.g., grave hemorragia interna que não pode ser imediatamente estancada. Parece-me que neste tipo de situação, deixar uma pessoa morrer para manter o símbolo da vida é em si mesmo uma contradição e é estar a colocar mais importância no símbolo do que na realidade que ele simboliza.

... Eu acredito tão firmemente como as Testemunhas de Jeová que um verdadeiro cristão deve estar preparado para dar a sua vida pela sua fé em Deus, se isso lhe for pedido. Mas dar a nossa vida quando Deus não o requer ou deseja verdadeiramente, não parece ser de qualquer valor real.23

Finalmente, usar leis que ordenam o derrame do sangue como base para condenar o seu armazenamento é ignorar o propósito declarado dessas leis. Segundo o contexto, os israelitas receberam a ordem de derramar no chão o sangue dos animais que matassem para garantir que o sangue não era comido, e não para garantir que o sangue não era armazenado. O armazenamento não estava sequer em questão. Empregar tais leis desse modo é tanto ilógico como uma pura manipulação da evidência, forçando-as a ter um significado que não está expresso nelas, nem sequer implicitamente.

Como os cristãos não estão sob um código de leis mas sob a "lei real do amor" e a "lei da fé," estes pontos merecem certamente séria preocupação e meditação.24 Será que permitir que políticas arbitrárias ditem como se deve proceder em situações cruciais mostra verdadeiramente apreciação pelo valor da vida? Será que fazer isto sem o apoio de declarações claras na Palavra de Deus manifesta amor a Deus e ao próximo?

Sem dúvida o principal texto bíblico empregue na argumentação da Torre de Vigia é o de Atos 15:28, 29. Estes versículos contêm a decisão de um concílio em Jerusalém e incluem as palavras, "[persisti] em abster-vos de coisas sacrificadas a ídolos, e de sangue, e de coisas estranguladas, e de fornicação." A evidência das Escrituras de que isto não foi dito como uma forma de declaração com efeitos vinculativos legais é discutida mais adiante neste capítulo. Este ponto é crucial visto que é a base principal para o argumento da Sociedade segundo o qual os regulamentos da lei Mosaica são transponíveis para o cristianismo. Embora este ponto seja discutido mais adiante, pode-se dizer já que a exortação para se "abster do sangue" refere-se claramente a comer sangue. A Sentinela de 1.º de dezembro de 1978 (página 23), de fato, cita o Professor Eduard Meyer como tendo dito que o significado de "sangue" neste texto é "tomar sangue que era proibido pela lei (Gênesis 9:4) imposta a Noé, e, assim, também à humanidade como um todo." Esse "tomar" era por comer.25

Uma questão crucial, portanto, é saber se pode ser demonstrado que transfundir sangue é o mesmo que "comer" sangue, como pretende a organização Torre de Vigia. Não existe, na realidade, nenhuma base sólida para essa pretensão. Existem, é claro, métodos clínicos de "alimentação intravenosa" na qual líquidos especialmente preparados contendo nutriente, como a glucose, são introduzidos nas veias e fornecem alimentação. Contudo, como as autoridades médicas sabem, e como a Sociedade Torre de Vigia em tempos reconheceu, uma transfusão de sangue não é alimentação intravenosa; é na realidade um transplante (de um tecido fluido), e não uma infusão de nutriente.26 Num transplante de rim, o rim não é comido como alimento pelo novo corpo a que passa a pertencer. Continua a ser um rim com a mesma forma e a mesma função. Passa-se o mesmo com o sangue. Não é comido como alimento quando é "transplantado" para outro corpo. Continua a ser o mesmo tecido fluido, com a mesma forma e a mesma função. As células do corpo não podem de maneira nenhuma utilizar esse sangue transplantado como alimento. Para que isto acontecesse o sangue teria de passar primeiro pelo sistema digestivo, ser decomposto e preparado de forma que as células do corpo o pudessem absorver -- assim teria de ser real e literalmente comido para que pudesse servir como alimento.27

Quando os profissionais médicos acham que é necessária uma transfusão de sangue não é porque o paciente esteja subnutrido. Na maioria dos casos é porque o paciente tem falta, não de nutrição, mas de oxigênio, e isto deve-se à falta de elementos que transportem um suprimento adequado de oxigênio, nomeadamente, os glóbulos vermelhos do sangue, que transportam o oxigênio. Em outros casos, é administrado sangue devido à falta de outros fatores, como agentes coagulantes (como as plaquetas), imunoglobina contendo anticorpos, ou outros elementos, mas novamente este não é um meio de fornecer "nutrição."

No seu esforço para contornar a evidência de que uma transfusão de sangue não é o mesmo que comer, não tem como objetivo a "nutrição" do corpo, a Sociedade Torre de Vigia tenta muitas vezes alargar arbitrariamente o assunto ao pôr lado a lado, ou até substituir, o termo "nutrir" com a expressão "sustentar a vida."28 Esta manobra de diversão serve o único propósito de confundir o assunto. Nutrir o corpo por comer e sustentar a vida não são coisas equivalentes. Comer é apenas uma das maneiras de sustentar a vida. Nós sustentamos a vida de muitas outras maneiras, igualmente vitais, como respirar, beber água e outros líquidos, manter o calor do corpo numa temperatura suportável, e dormir ou descansar. Quando se referem ao sangue, as próprias Escrituras tratam, não do aspecto amplo de "sustentar a vida," mas do aspecto específico de comer sangue, e referem-se claramente ao ato de comer o sangue de animais que são mortos. Quando um israelita comia carne que continha sangue, ele não estava a depender desse sangue para "sustentar" a sua vida -- a carne só por si faria isso tão bem sem o sangue como com o sangue. Saber se a sua vida era ou não "sustentada" por comer o sangue simplesmente não estava em questão. O ato de comer o sangue era proibido, e a motivação ou conseqüências posteriores de o comer não foram mencionadas nas leis do sangue.

A confusão introduzida no assunto pela inserção desnecessária do conceito de "sustentar a vida" permite que a organização Torre de Vigia imponha aos seus membros a idéia segundo a qual qualquer pessoa que aceite uma transfusão de sangue mostra desprezo pelo resgate que nos dá vida realizado pelo poder salvador do sangue de Cristo derramado em sacrifício. A duplicidade desta linha de raciocínio é vista no fato de as frações do sangue que a organização Torre de Vigia permite que os seus membros recebam, serem administradas precisamente para salvar ou "sustentar" a vida da pessoa, como no caso do Fator VIII, administrado aos hemofílicos, ou como no caso da imunoglobina, injetada como proteção contra certas doenças perigosas ou para prevenir a morte de uma criança devido a incompatibilidade de Rh.29 É injusto e revela falta de amor condenar a motivação daqueles que procuram preservar a sua vida, ou a vida de entes queridos, porque não obedecem a certos regulamentos e proibições inventados por uma organização religiosa, condenação essa que é feita quando atribuem uma negação da fé à sua motivação, quando na realidade não existe nenhuma base válida, das Escrituras ou outra, para o fazer. É uma tentativa de os sobrecarregar com um sentimento de culpa que é imposto por padrões que são humanos, não são divinos.

'Abstende-vos de Sangue'

A carta enviada pelos apóstolos e anciãos de Jerusalém, registada em Atos capítulo quinze, usa o termo "abster-se" em relação a coisas sacrificadas a ídolos, sangue, coisas estranguladas e fornicação.30 O termo grego que eles usaram (apékhomai) tem o significado básico "ficar afastado de." As publicações da Torre de Vigia argumentam que, com respeito ao sangue, tem um significado total, que abrange tudo. Assim, a publicação Poderá Viver Para Sempre no Paraíso na Terra, na página 216, diz: "'Abster-se do sangue' significa definitivamente não introduzi-lo em seu corpo." De maneira similar, a Sentinela de 1.º de maio de 1988, página 17, diz: "Andar nas pisadas de Jesus significaria não introduzir sangue no corpo, seja oralmente, seja de outro modo." Mas será que este termo, como é usado nas Escrituras, tem realmente o sentido absoluto que estas publicações indicam? Ou pode em vez disso ter um sentido relativo, referente a uma aplicação específica e limitada?

Que esse termo se pode aplicar, não num sentido total, que abrange tudo, mas de maneira limitada, específica, pode ser visto do seu uso em textos como 1 Timóteo 4:3. Ali o apóstolo Paulo avisa que alguns professos cristãos introduziriam ensinos de natureza perniciosa, "proibindo o casar-se, mandando abster-se de alimentos que Deus criou para serem tomados com agradecimentos." Claramente, ele não queria dizer que estas pessoas ordenariam a outros que se abstivessem totalmente, sob qualquer forma, de todos os alimentos criados por Deus. Isso significaria jejum total e conduziria à morte. Ele estava obviamente a referir-se a proibirem eles alimentos específicos, evidentemente aqueles proibidos sob a lei Mosaica.

De forma similar, em 1 Pedro 2:11 o apóstolo admoesta:

Amados, exorto-vos como a forasteiros e residentes temporários a que vos abstenhais dos desejos carnais, que são os que travam um combate contra a alma.

Se tomássemos esta expressão literalmente, num sentido absoluto, significaria que não podíamos satisfazer absolutamente nenhum desejo da carne. Certamente não é esse o significado das palavras do apóstolo. Temos muitos "desejos carnais," incluindo o desejo de comer, de respirar, de dormir, de usufruir recreação e muitos outros desejos, que são perfeitamente apropriados e bons. Portanto, "abster-se de desejos carnais" aplicava-se apenas no contexto do que o apóstolo escreveu, referindo-se, não a todos os desejos carnais, mas apenas a desejos prejudiciais, pecaminosos que de fato "travam um combate contra a alma."

Portanto a questão é, em que contexto Tiago e o concílio apostólico usaram a expressão "abster-se" do sangue? O próprio concílio tratava especificamente da tentativa de alguns de exigir que os cristãos gentios não apenas fossem circuncidados mas também "observassem a lei de Moisés."31 Era a essa circunstância que o apóstolo Pedro se referia, a observância da lei Mosaica, que ele descreveu como um "jugo" pesado.32 Quando Tiago falou perante o concílio e fez a sua recomendação das coisas acerca das quais os cristãos gentios deviam ser aconselhados a abster-se -- coisas poluídas por ídolos, fornicação, coisas estranguladas, e sangue -- ele depois declarou:

Pois, desde os tempos antigos, Moisés tem tido em cidade após cidade os que o pregam, porque ele está sendo lido em voz alta nas sinagogas, cada sábado.33

Por isso, a recomendação dele tomou evidentemente em consideração o que as pessoas ouviam quando 'Moisés era lido' nas sinagogas. Tiago sabia que nos tempos antigos havia gentios, "pessoas das nações," que viviam na terra de Israel, residindo entre a comunidade judaica. Que requisitos lhes foram impostos pela lei Mosaica? Não lhes era requerido que fossem circuncidados, mas sim que se abstivessem de certas práticas que são descritas no livro de Levítico, capítulos 17 e 18. Essa lei especificava que, não apenas os israelitas, mas também os "residentes forasteiros" entre eles deviam abster-se da participação em sacrifícios idólatras (Levítico 17:7-9), de comer sangue, incluindo o de animais mortos não sangrados (Levítico 17:10-16), e de práticas designadas como sexualmente imorais (incluindo o incesto e práticas homossexuais). -- Levítico 18:6-26.

Embora a própria terra de Israel estivesse agora sob controlo gentio, com um grande número de judeus a viver fora dela, em vários países (estes eram chamados a "Diáspora," que significa os "dispersos"), Tiago sabia que em muitas cidades por todo o Império Romano a comunidade judaica era como um microcosmo refletindo a situação da Palestina daquele tempo, na qual era muito comum os gentios juntarem-se às reuniões dos judeus na sinagoga, e assim associarem-se com eles.34 Os próprios cristãos primitivos, tanto judeus como gentios, continuaram a freqüentar estas reuniões na sinagoga, e até sabemos que Paulo e outros fizeram ali muito do seu testemunho e ensino.35 A referência de Tiago à leitura de Moisés na sinagoga numa cidade após outra certamente dá base para acreditar que, ao enumerar as coisas que mencionou imediatamente antes, ele tinha em mente as abstinências que Moisés estabelecera para os gentios que pertenciam à comunidade judaica em tempos antigos. Conforme vimos, Tiago enumerou não apenas exatamente as mesmas coisas que estão no livro de Levítico, mas até exatamente pela mesma ordem: abstenção de sacrifícios idólatras, sangue, coisas estranguladas (portanto não sangradas), e de imoralidade sexual. Ele recomendou a observância dessas mesmas coisas da parte dos crentes gentios e a razão evidente para esta abstenção era a circunstância então prevalecente, a presença de judeus e gentios nas reuniões cristãs e a necessidade de manter paz e harmonia nessa circunstância. Quando os cristãos gentios foram instados a 'absterem-se de sangue,' isto devia claramente ser entendido, não num sentido que abrangesse tudo, mas no sentido específico de comer sangue, algo abominável para os judeus. Levar o assunto mais longe do que isso, e tentar atribuir ao sangue em si mesmo uma espécie de estatuto de "tabu," é tirar o assunto do seu contexto nas Escrituras e histórico e impor-lhe um significado que realmente não está lá.36

Significativamente, Tiago não incluiu coisas como o assassínio ou o roubo entre as ações de que se deviam abster. Essas coisas já eram condenadas tanto entre os gentios em geral como entre os judeus. Mas os gentios toleravam a idolatria, toleravam comer sangue e comer animais não sangrados e toleravam a imoralidade sexual, tendo até "prostitutas de templo" em lugares de adoração. Portanto, as abstenções recomendadas focavam aqueles aspectos da prática dos gentios que eram mais propensos a ofender grandemente os judeus e resultar em fricção e perturbações.37 A lei Mosaica não tinha exigido a circuncisão dos residentes forasteiros como condição para viver em paz em Israel, nem Tiago exigiu isto.

A carta que resultou da recomendação de Tiago foi dirigida especificamente aos cristãos gentios, pessoas "das nações," em Antioquia, Síria e Cilícia (regiões que eram adjacentes a Israel, a norte) e, como vimos, tratava do assunto específico de uma tentativa de exigir que os crentes gentios "observassem a lei de Moisés."38 A carta considerava aquele tipo de conduta mais propensa a criar dificuldades entre os crentes judeus e gentios. Como será demonstrado mais adiante, não existe nada que indique que a carta se destinava a ser vista como uma espécie de "lei," como se as quatro abstenções impostas formassem um "Quadrálogo" substituindo o "Decálogo" dos Dez Mandamentos da lei Mosaica. Aquele era conselho específico para uma circunstância específica prevalecente naquele período da história.

Regras Preferenciais

Enquanto estive no Corpo Governante, não pude deixar de sentir que existe uma certa medida de aplicação discriminatória da política da organização, que favorece aqueles numa posição de profissionais. Os professores podem explicar o assunto da evolução, fazendo isto de um "ponto de vista puramente objetivo" e de preferência explicando previamente à turma que têm uma opinião diferente.39 Conforme vimos, os advogados são autorizados a servir em centros de eleições políticas [mesas de voto]. Talvez o fato mais espantoso, contudo, seja que os médicos possam não só pertencer a organizações médicas que aprovam práticas como transfusões de sangue e abortos, mas também lhes é dito que eles próprios podem administrar uma transfusão de sangue a um paciente que não é Testemunha e que lha peça.40 O raciocínio que pretende justificar isto é baseado na lei Mosaica que permitia aos israelitas vender a estrangeiros carne de animais que tinham morrido sem serem sangrados.41 No entanto, o sangue daqueles animais ainda estava nos seus corpos, onde sempre tinha estado, não fora extraído nem armazenado -- um processo que a organização condena como mostrando desprezo pela lei de Deus.42 Todos os apelos intensos para mostrar "profundo respeito pela santidade do sangue," todos os avisos acerca da culpa de sangue inerente a qualquer mau uso do sangue, toda a argumentação condenando qualquer armazenamento de sangue por mostrar desprezo pelas leis de Deus, subitamente perdem a sua força quando esses cirurgiões que são Testemunhas estão envolvidos.43

Com toda a sinceridade, e sem qualquer intenção de ofender alguém, quando analiso as várias ordens, regras, políticas e tecnicismos da organização que foram considerados, não posso senão pensar que se um indivíduo usasse nos assuntos mais "corriqueiros" da vida diária o tipo de raciocínio refletido naquelas posições e regras, as pessoas sentir-se-iam compelidas a questionar a sanidade mental desse indivíduo.

Porque é que as Pessoas Aceitam Isto?

No seu tempo, o apóstolo Paulo falou daqueles que "querem estar debaixo de lei." (Gálatas 4:21) Muitos hoje também querem. Contrariamente aos judaizantes do tempo de Paulo, os homens hoje talvez não advoguem a submissão à lei Mosaica, mas ao fazerem uma interpretação legalista do cristianismo eles convertem-no num código de leis, num conjunto de regras. Eles criam uma espécie de escravidão a regras, a políticas tradicionais, e são estas que governam o relacionamento das pessoas com Deus.

Mas porque é que as pessoas se submetem a tais imposições? O que é que faz as pessoas renunciarem à sua preciosa liberdade de exercerem o seu próprio julgamento moral, mesmo nos aspectos mais privados das suas vidas? O que é que os leva a submeterem-se às interpretações e regras de homens imperfeitos, mesmo com o risco de perderem o emprego, serem presas, colocar o casamento sob grande tensão, até mesmo arriscar a vida, seja a própria seja a de alguém que amam?

Estão envolvidos vários fatores. Podem existir pressões sociais e familiares, sendo o conformismo o meio de evitar desacordos e até conflitos. Pode existir um medo muito grande, um medo paralisante, da rejeição divina e eventual destruição se uma pessoa se aventurar fora da "arca" organizacional. Mas existe outra razão que é talvez mais básica, e que está muitas vezes na própria raiz do problema.

A maioria das pessoas gosta de ver as coisas a preto e branco, gosta de ter os assuntos catalogados muito distintamente como certos ou errados. Fazer decisões baseadas na nossa própria consciência pode ser difícil, por vezes agonizante. Muitos preferem não fazer esse esforço, preferem simplesmente deixar que alguém lhes diga como proceder, preferem que alguém seja a sua consciência por eles. Foi isto que permitiu o desenvolvimento do controlo rabínico e de um conjunto de tradições rabínicas nos dias de Jesus. Em vez de decidir um assunto com base na Palavra de Deus e na consciência pessoal, o que se fazia era "perguntar ao Rabi." Entre as Testemunhas de Jeová isto tornou-se inquestionavelmente, "Pergunte à organização," ou simplesmente "pergunte a Brooklyn."

Outra razão é a subtileza com que tais racionalizações e interpretações legais são apresentadas e impostas. A ênfase religiosa na lei, o legalismo, tem sido constantemente marcada pelo uso de tecnicismos e sofística, raciocínios que não são apenas subtis mas também plausíveis, por vezes até engenhosos -- e no entanto, falsos. Desmontar esses raciocínios e reconhecê-los pelo que realmente são requer esforço, um esforço que muitos não estão dispostos a fazer e que outros simplesmente parecem incapazes de realizar.

Considere apenas dois exemplos de antigas fontes rabínicas. Em tempos antigos, os "professores da lei" tentaram tornar a ordem de Êxodo 16:29 ("Ninguém saia do seu lugar no sétimo dia") mais explícita. Eles estabeleceram a regra de no Sábado um homem só poder caminhar uma certa distância (um pouco menos de 3.000 pés) a partir do limite exterior da sua cidade ou vila. Esta distância era chamada a "jornada de um Sábado" (uma expressão em uso no tempo de Jesus; veja Atos 1:12). No entanto, havia uma maneira de um homem fazer uma viagem mais longa do que essa e, do ponto de vista rabínico, ainda estar "legal." Como?

Ele podia, com efeito, "criar" um segundo domicílio nalgum lar ou local fora da sua localidade (mas ainda dentro do limite de 3.000 pés) depositando simplesmente nesse sítio no dia anterior ao sábado mantimentos para pelo menos duas refeições. Depois, no Sábado, ele podia viajar para esse segundo "domicílio" e em seguida deixá-lo e prolongar a sua viagem mais 3.000 pés.

A declaração em Jeremias 17:22, que proíbe tirar qualquer "carga dos vossos lares no dia de Sábado," foi ampliada de maneira similar. Os professores da lei raciocinaram que não haveria nenhuma proibição contra carregar coisas de uma parte de uma casa para outra parte, mesmo se a casa fosse ocupada por mais do que uma família. Portanto, eles inventaram a regra segundo a qual pessoas vivendo em casas dentro de um certo setor (como aquelas vivendo em casas construídas à volta de um pátio comum), podiam construir uma passagem "legal" para a seção inteira erigindo umbrais de porta na entrada da rua para a seção, talvez com uma trave por cima a fazer de verga de porta. Agora, a seção inteira era vista como se fosse um domicílio e as coisas podiam ser carregadas de uma casa para outra dentro da área, sem violar a lei.44

Compare agora esse método de raciocínio e uso de tecnicismos com o método que a Sociedade Torre de Vigia emprega ao aplicar as suas regras relativas a certos aspectos da prática médica. A Sentinela de 1.º de Março 1989, na seção "Perguntas dos Leitores," discute o método de retirar sangue de um paciente algum tempo antes de uma operação e armazená-lo para voltar a ser usado durante ou depois da operação. A revista declara categoricamente que as Testemunhas de Jeová "Não aceitam este procedimento," A razão? O sangue "deixou de ser parte da pessoa." é citado o texto de Deuteronômio 12:24, que diz que o sangue de um animal que foi morto tem de ser derramado no chão. Por algum raciocínio, esta lei a respeito da matança de animais é vista como se apresentasse uma situação paralela ao caso do armazenamento do sangue de uma pessoa vida, da maneira que acabamos de descrever.

Mas a seguir o artigo discute outro método, no qual, durante a operação, o sangue do paciente é introduzido numa bomba cárdio-pulmonar ou numa máquina de hemodiálise (dispositivo de rim artificial) para receber oxigênio ou ser filtrado antes de voltar a ser introduzido no corpo do paciente. O artigo informa os seus leitores que, contrariamente ao outro método, este pode ser encarado como aceitável por um cristão. Porquê? Porque o cristão pode vê-lo "como um prolongamento do seu sistema circulatório de tal forma que o sangue possa passar através de um órgão artificial," e portanto pode achar que "o sangue neste circuito fechado é ainda parte deles e não precisa de ser 'derramado.'"

Que diferença existe entre este "prolongamento" do sistema circulatório e o legalismo rabínico que permitia o "prolongamento" da jornada de um dia de Sábado por uma certa distância através do tecnicismo de um segundo domicílio artificial? Ou em que medida é esta classificação do sangue como estando tecnicamente num "circuito fechado" diferente do legalismo antigo de fazer um "circuito fechado" de um certo número de casas através de uma passagem artificial? O mesmo tipo de raciocínio casuístico e uso legalista de tecnicismos é empregue em ambos os casos, antigo e moderno.

Nos seus próprios corações muitas Testemunhas talvez achem que o primeiro método, aquele em que a pessoa armazena o seu próprio sangue, não é na realidade mais contrário às Escrituras do que o segundo método, fazer o sangue circular através de uma máquina de respiração artificial. No entanto, eles não estão livres de seguir a sua própria consciência. A vida de um indivíduo pode estar em jogo, mas os raciocínios interpretativos e os tecnicismos da Torre de Vigia têm de ser observados, pois são parte do "grande corpo de lei Teocrática." Não obedecer seria correr o risco de ser desassociado.

A Fraqueza da Lei e o Poder do Amor

A lei produz muitas vezes uma conformidade exterior que disfarça o que as pessoas são no seu íntimo. Nos dias de Jesus, a lei permitiu aos líderes religiosos, por 'viverem segundo as regras' de maneira escrupulosa, "parecerem às pessoas, exteriormente, homens bons e honestos, mas por dentro [estarem] cheios de hipocrisia e sem lei."45 Acontece o mesmo no nosso tempo.

Portanto, a lei é menos efetiva naquelas áreas que estão relacionadas mais de perto com o coração. A lei pode identificar e punir um ladrão. Mas não pode fazer o mesmo com o homem que suporta a lei, mas que também é ganancioso, e cuja ganância e mesquinhez fazem os outros sofrer. A lei pode condenar e até executar o assassino. Mas pouco pode fazer para perseguir o homem que odeia, que tem ciúme, inveja, ou rancor e que procura vingança -- especialmente se ele for cuidadoso em fazer isso por meios "legais." Conheci homens desses, mesmo em lugares elevados.

Podemos ver um contraste notável entre a abordagem legalista do controlo por "políticas," regras e regulamentos, e a abordagem adotada pelo apóstolo Paulo ao dar admoestação contra praticar o mal. O seu apelo deu constantemente ênfase primariamente, não à lei, mas ao amor. Assim, na sua carta aos Romanos, ele escreve:

A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, exceto que vos ameis uns aos outros; pois, quem ama o seu próximo tem cumprido a lei. Pois o [código da lei]: "Não deves cometer adultério, não deves assassinar, não deves furtar, não deves cobiçar," e qualquer outro mandamento que haja, está englobado nesta palavra, a saber: "Tens de amar o teu próximo como a ti mesmo." O amor não obra o mal para com o próximo; portanto, o amor é o cumprimento da lei.46

Paulo exemplificou esta abordagem ao lidar com problemas. Um exemplo notável é o do assunto de comer alimentos oferecidos a ídolos (uma das quatro coisas alistadas na carta registada em Atos capítulo 15). Em Corinto, alguns cristãos até estavam a ir a templos de ídolos onde esses alimentos sacrificados eram depois cozinhados e servidos (por um preço) nos recintos do templo pagão. Para um cristão, comer ali era aos olhos de muitos dos seus condiscípulos -- especialmente aqueles com antecedentes judaicos -- indubitavelmente comparável à maneira como as Testemunhas de Jeová veriam hoje um dos seus membros tomar uma refeição na igreja, consistindo em alimento anteriormente abençoado por padres e servido na catedral Católica Romana de St. Patrick em Nova Iorque, com o dinheiro pago pela refeição a reverter para a igreja. Embora o ponto de vista possa ser comparável, o próprio assunto era muito mais sério. Como é que, então, o apóstolo tratou do assunto?

Será que ameaçou aqueles que comiam estes alimentos com procedimentos judiciais e uma provável desassociação? Apelou à lei, a um corpo de regras, como o meio de restringir esta prática? Pelo contrário, ele mostrou que a ação em si mesma não era condenável. Mas podia ter conseqüências indesejáveis, e até trágicas. Aconselhando à base, não da lei, mas do amor, ele escreveu:

É fácil pensar que "sabemos" acerca de problemas como este, mas devíamo-nos lembrar que embora este "saber" possa fazer um homem parecer grande, apenas o amor o pode fazer crescer até à sua estatura plena. Pois se um homem pensa que "sabe," pode ainda estar muito ignorante daquilo que tinha obrigação de saber. Mas se ele ama Deus, é o homem que é conhecido por Deus.

Portanto, neste assunto de comer alimentos que foram oferecidos a ídolos, temos a certeza que nenhum ídolo tem existência real, e que não há Deus senão um.... Mas este nosso conhecimento não é partilhado por todos os homens. Pois alguns, que até agora têm estado habituados aos ídolos, comem os alimentos como realmente sacrificados a um Deus, e a sua consciência delicada é prejudicada por causa disso.... Tendes de ser cuidadosos para que a vossa liberdade de comer alimentos não cause embaraço a alguém cuja fé não é tão robusta como a vossa. Pois suponham que, com o conhecimento que tendes de Deus, éreis vistos a comer alimento num templo de ídolos, não estaríeis a encorajar o homem de consciência delicada a fazer o mesmo? Seguramente não quereis que o vosso conhecimento superior traga desastre espiritual a um irmão mais fraco por quem Cristo morreu? E quando pecais desta forma [isto é, usando mal a liberdade cristã] e feris a consciência dos vossos irmãos, realmente pecais contra Cristo.47

Portanto, se uma pessoa comia ou não comia, não dependeria da lei e da preocupação em ser considerado culpado de violar uma lei. Dependeria do amor e da preocupação em não ferir um irmão "por quem Cristo morreu" -- verdadeiramente uma abordagem superior que fazia o cristão revelar o que estava no seu coração, e não simplesmente a sua submissão a uma regra.

O mesmo conselho demonstra que o apóstolo não encarava a decisão dos apóstolos e outros em Jerusalém (registada em Atos capítulo quinze) como uma "lei." Se essa decisão fosse uma lei, Paulo nunca teria escrito como fez aos cristãos em Corinto, declarando francamente que comer ou não comer alimentos oferecidos a ídolos era um assunto de consciência, sendo o fator determinante se essa ação faria outros tropeçar ou não. Encarar a carta de Jerusalém como lei e, nesta base, pretender que a sua referência ao sangue indica que os cristãos permanecem sob os regulamentos da lei Mosaica a respeito do sangue, é claramente ignorar as declarações do apóstolo Paulo, no assunto do "alimento oferecido a ídolos," mostrando que esse raciocínio não é válido.48 Se não era provável que outros tropeçassem, então ninguém podia corretamente julgar Paulo ou qualquer outro cristão por comer tais alimentos. Como Paulo declara:

Pois, por que haveria de ser julgada a minha liberdade pela consciência de outra pessoa? Se estou participando com agradecimentos, por que se há de falar de mim de modo ultrajante por causa daquilo pelo qual dou graças?49

A liberdade cristã nunca nos devia tornar insensíveis à consciência e escrúpulos dos outros. Ao mesmo tempo, ninguém tem o direito de impor a sua consciência aos outros, colocando desta forma limites à liberdade em Cristo que estes gozam. E nenhum grupo ou corpo seleto de homens, apresentando-se a si mesmos no papel de executores da autoridade apostólica, tem o direito de impor a sua consciência coletiva aos outros, fazendo decretos com esse pressuposto.

Foi dada no capítulo anterior a distinção entre lei e preceito, uma derivando a sua força através da imposição pela autoridade, a outra transmitindo princípios através do ensino. Jesus ensinava muitas vezes por parábolas, histórias que não estabeleciam leis mas que traziam forçosamente à atenção preceitos, lições morais vitais. A parábola do filho pródigo não estabelece uma lei para que se recebam de volta os filhos maus, se lhes faça uma festa, e assim por diante. Mas enfatiza um espírito amoroso, uma atitude generosa, misericordiosa. Encontramos nas Escrituras uma combinação de métodos -- existem ordens firmes, é verdade, mas também existem relatos apresentando modos de vida aprovados (viver em amor, mantendo relações pacíficas com outros); existem respostas para questões muito contextuais, Paulo, por exemplo, responde a várias destas questões mas claramente não o faz estabelecendo leis, mas antes dando sólido conselho espiritual, destinado ao assunto particular em questão.

Quão Genuína é a Unidade Alcançada?

É verdade que estabelecendo um controlo legal sobre outros pode-se alcançar uma espécie de unidade. Mas quão genuína é? Não é na realidade uma unidade e ordem baseada na uniformidade e no conformismo? Por outro lado, será que a recusa em permitir que os homens exerçam -- através da sua interpretação legalista -- controlo sobre a nossa vida pessoal contraria a verdadeira unidade e coesão? Significa que cada um parte na sua própria direção, à sua vontade, auto-suficiente, satisfeito consigo mesmo? Não precisa nem devia ser esse o caso -- se a pessoa aceitar genuinamente a liderança Daquele que dá tal liberdade.

Tal como não podemos amar o Deus invisível e ao mesmo tempo odiar o nosso próximo, também não podemos estar unidos com o Filho invisível de Deus e em desacordo ou separados de todos os outros que também estão assim unidos e que se submetem humildemente à mesma liderança.50 Segundo as Escrituras, é o amor, e não o fato de se ser membro de uma organização, que é "o perfeito vínculo de união," pois o amor é longânime, benigno, não é ciumento, não de gaba, não se enfuna, nem procura os seus próprios interesses, mas procura o bem dos outros.51

O amor não obriga as pessoas a um relacionamento coeso; em vez disso junta-as calorosamente. Qualquer pretensa unidade cristã fundada em outra base é fictícia, não é genuína, e só pode ser mantida por meios que não são cristãos.

A Bênção da Liberdade Cristã

Um conjunto de regras incrivelmente complexo está hoje em vigor entre as Testemunhas de Jeová e requer delas o uso da consciência pessoal numa área muito vasta de vida e conduta, sujeita-os a um grupo de legisladores eclesiásticos e a um supremo tribunal composto por uns quantos homens falíveis.52 Como um ex-membro desse grupo de legisladores e tribunal, estou convencido que a raiz do problema está no não reconhecimento da verdade que, como cristãos, não estamos mais sob lei mas sob a benignidade imerecida de Deus através de Cristo. Através do Filho de Deus podemos gozar liberdade de guardar a lei, regozijarmo-nos numa retidão que resulta, não de guardar a lei, mas da fé e do amor.

Não apreciar esta provisão divina, duvidar que é realmente possível uma Pessoa invisível exercer liderança e direção efetivas dos seus seguidores sem qualquer estrutura de autoridade altamente organizada, visível, a servir como um tribunal religioso, e a relutância em acreditar que as pessoas podem ser protegidas contra a conduta errada sem serem rodeadas por uma "cerca" de leis, regras e decretos -- é isto que faz com que muitas pessoas, talvez a maioria, se sintam chocadas com a idéia de não estarem debaixo de lei, é por isso que rejeitam essa idéia como não apenas impraticável mas também perigosa, perniciosa, conduzindo à licenciosidade. Isso torna-os facilmente manipuláveis e convencidos pelos argumentos daqueles que querem introduzir e impor -- para usar os termos da Torre de Vigia -- um "arranjo legal de controlo," que é "imposto" humanamente por um sistema judicial religioso.

É porque o Espírito de Deus concedido através de Jesus Cristo tem força superior à da lei, através do seu poder que motiva o cristão a amar Deus e o próximo, que o apóstolo pôde dizer:

Mas se sois conduzidos pelo Espírito, não estais debaixo de lei... os frutos do Espírito são amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fé, brandura e autodomínio. Contra tais coisas não há lei.53

Esta é a grandeza da liberdade cristã, saber que podemos desfrutar o exercício livre e espontâneo dessas qualidades divinas sem que nenhuma autoridade religiosa tenha o direito de se intrometer e anular expressões de amor e bondade ou brandura ou qualquer outra dessas qualidades. Eles podem fazer isto livres de ansiedade sabendo que "não há lei," não há nenhum conjunto de regras que os refreie de fazer aquilo que eles estão convencidos nos seus próprios corações que é a coisa correta, boa, amável e amorosa a fazer, aprovada por Deus, embora seja desaprovada por certos homens.

Seguramente, então, o fato de não estarmos sob a lei mas sob a benignidade imerecida de Deus não minimiza de maneira nenhuma o nosso sentimento de responsabilidade como homens libertos por Cristo. Na verdade, até o aumenta. Pois sabemos que temos de "falar e comportarmo-nos como pessoas que serão julgadas [não por algum código de leis ou por um conjunto de padrões humanamente impostos, mas] pela lei da liberdade, porque haverá julgamento sem misericórdia para aqueles que não forem eles mesmos misericordiosos, mas os misericordiosos não precisam de ter medo do julgamento."54 Essa "lei da liberdade" era a que o discípulo Tiago tinha acabado de mencionar na sua carta como a "lei soberana" ou "lei suprema," nomeadamente, "Tendes de amar o vosso próximo como a vós mesmos."

Existe um efeito purificador, que fortalece o coração, em saber que agradarmos ao nosso Pai celestial será determinado, não por termos vivido segundo a lei, um "corpo de regras," mas por termos vivido segundo o amor. O Filho de Deus, nosso Cabeça e Mestre, que nos garante a liberdade de guardar a lei -- e dos que querem impor leis religiosas humanas -- exemplificou esse amor por nós. Por isso, não precisamos de memorizar nenhum conjunto complexo de regras organizacionais, nem sequer de pensar em termos de lei. Em vez disso, focamos a atenção no Filho de Deus e no que aprendemos dele através da Palavra de Deus e procuramos fielmente exemplificar a vida dele na nossa própria.


In Search of Christian Freedom (Em Busca de Liberdade Cristã) (Atlanta: Commentary Press, 1991) de Raymond Franz (1922-2010), pp. 524-534.

Capítulo 15: O Alcance das Boas Novas

Raymond Franz


Estou espantado com a prontidão com que vos afastastes daquele que vos chamou e decidistes seguir uma versão diferente das Boas Novas. -- Gálatas 1:6, Jerusalem Bible.

Nas boas novas apresentadas nas Escrituras que a liberdade cristã se baseia. A própria proclamação dessas boas novas é uma chamada à liberdade. Não seriam boas novas se não conduzissem à liberdade. É por causa de aquilo a que conduzem que são "boas novas gloriosas," e que desde o seu início têm sido "boas novas de grande alegria," e não pode ser prestado às pessoas nenhum serviço melhor do que partilhar as boas novas com elas.1 As boas novas podem trazer-lhe numa medida ainda maior a liberdade do medo, culpa e ansiedade, substituindo estas por uma confiança crescente, esperança e paz mental e de coração. Para terem estes efeitos, contudo, essas boas novas não podem ser apresentadas de uma forma adulterada e humanamente manipulada.

Não há dúvida que as Testemunhas de Jeová acreditam que fazem parte de um esforço urgente para tornar as boas novas conhecidas mundialmente. Elas acreditam que as próprias vidas das pessoas dependem de ouvirem e aceitarem a mensagem que trazem. Embora a profundidade desta crença, e a motivação que produz, possam variar (e variam mesmo) de Testemunha para Testemunha, tem ao menos de admitir-se que mesmo como um todo as Testemunhas são mais do que meros freqüentadores de igreja ou ouvintes passivos.

Para muitas Testemunhas, uma das provas mais fortes de que a organização da Watch Tower é mesmo a única entidade que Deus aprovou como seu instrumento é a crença de que esta é a única organização na terra que está a tornar conhecidas as "boas novas do reino" e cumprindo o predito "testemunho a todas as nações" que deverá preceder o fim.2 O ensino da Watch Tower é que a parábola das "ovelhas e cabritos," e a divisão de pessoas de "todas as nações" em duas classes, com o destino eterno dos indivíduos sendo pesado na balança, estão agora a ser cumpridas pelo trabalho de porta-a-porta das Testemunhas de Jeová ao distribuírem a literatura da Watch Tower e, em maior ou menor grau, visitarem novamente as pessoas. Ao exortar as Testemunhas à atividade porta-a-porta, a organização freqüentemente faz uso das instruções de Jeová ao "homem com um tinteiro" da visão do capítulo nove da profecia de Ezequiel, argumentando que a única maneira em que esta pessoa simbólica podia ter desempenhado a sua missão de "pôr um sinal na testa" daqueles que escapariam à vindoura destruição seria contatando toda a gente, principalmente por alcançá-los nos seus lares.3

Também aqui a alegação é que as Testemunhas de Jeová, e só as Testemunhas de Jeová, estão a realizar esse trabalho de "marcação" mundialmente. Os 8.800, ou perto disso, "ungidos" dentre eles são a "classe do vigilante" dos tempos modernos e é dito terminantemente que, "é claro, aqueles que se recusam a escutar o 'vigilante' de Jeová não têm esperança de sobreviver."4 Aqueles que aceitam a sua mensagem recebem o "sinal" salvador na sua testa, ou fonte de inteligência. É dito às Testemunhas que a não participação nesse trabalho pode torná-las "culpadas de sangue" em relação àqueles que morrem. Todo este trabalho de testemunho, marcação, separação, com conseqüências de vida ou morte, deverá ser completamente realizado durante o tempo de vida de uma geração que já existia em 1914. As Testemunhas recebem constantemente uma grande quantidade de relatórios de aumento do número de Testemunhas em vários países como evidência de que isto é tudo verdade, que a organização deles está a realizar esta crucial tarefa mundialmente, por si mesma e separada de todas as outras religiões.

Que validade têm essas alegações e até que ponto está a ser realizado o objetivo anunciado?

Quão Global é o "Testemunho Mundial"?

Tendo um começo pequeno nos Estados Unidos no fim da década de 1870, as Testemunhas de Jeová estão hoje ativas em 212 países e ilhas. Os milhões de horas gastas anualmente no testemunho e as centenas de milhões de publicações distribuídas em dezenas de línguas são todos fatos estabelecidos. Se a organização Watch Tower se tivesse contentado em dizer que realizou uma proclamação internacional digna de nota da sua própria mensagem, não haveria qualquer razão para discordar. Mas essa organização vai muito além disto, ao afirmar que ela, e só ela, é o instrumento através do qual Deus está a tornar conhecidas as boas novas a toda a humanidade, cumprindo deste modo a visão do anjo que tem "boas novas eternas para declarar, como boas notícias aos que moram na terra, e a toda nação, e tribo, e língua, e povo."5

Um exemplo da imagem que a organização tem de si própria é encontrado na Watchtower de 1.º de Março de 1985, num artigo intitulado "Lança-se luz em Meio às Trevas da Terra," que trata do capítulo sessenta da profecia de Isaías. Ao discutir os versículos 8 a 11 desta profecia, o artigo aplica o "lançar" da luz como ocorrendo particularmente de 1919 em diante, menciona o número decrescente de Testemunhas "ungidas," e depois diz (páginas 16, 20):

Este grupo que já fica idoso diminui em número, ao passo que um após outro termina a sua carreira terrestre em integridade. Restam ainda uns 9.000 deles. Mas outros, que ascendem a milhões, afluem como pombas para "as aberturas de seu pombal," encontrando refúgio na organização de Deus. ([Isaías 60:8] NM; The New English Bible) São como as revoadas de pombos vistos na Palestina em certas épocas do ano -- voando como nuvem, tão numerosos, que realmente obscurecem o céu.

... A seguir, Jeová dirige-se à sua organização, dizendo: "A nação e o reino que não te servirem perecerão; e as próprias nações, sem falta, sofrerão a devastação." [Isaías 60:12] Todas as nações orgulhosas do mundo e outros opositores serão humilhados no Armagedom .... Jeová declara: "Vou fazer tremer todas as nações, e terão de entrar as coisas desejáveis de todas as nações; e eu vou encher esta casa de glória." (Ageu 2:7) Mas os perseguidores, os apóstatas e outros opositores desrespeitosos ver-se-ão compelidos a 'encurvar-se' -- reconhecendo, para o seu vexame, que as Testemunhas de Jeová realmente representam a organização de Deus -- a "cidade de Jeová, Sião do Santo de Israel." -- Isaías 60:12-14.

O artigo seguinte intitulado "Jeová 'Apressa Isso'" apresenta exemplos de notável aumento no número de Testemunhas em vários países e na sua conclusão diz (página 22):

Alegramo-nos de que, nos últimos anos, Jeová tem cuidado tão maravilhosamente da expansão das dependências das congêneres da Sociedade Torre de Vigia. Atualmente, essas congêneres estão equipadas para ajudar grandes bandos de "pombas."

Portanto, participemos todos em deixar brilhar a luz das boas novas do Reino para outros milhões de pessoas! Indiquemos a todas as "pombas" regressantes o caminho para a "salvação" atrás das muralhas protetoras da organização de Jeová, e aumentemos o "louvor" de Jeová nos portões dela.

As Testemunhas de Jeová tiveram de fato um aumento notável em muitos países do mundo, algumas áreas produzindo um aumento maior e mais rápido do que outras. Conforme foi visto, é dada muita ênfase a essa expansão como sendo evidência convincente da benção divina. Mas será que o aumento no número de adeptos de uma religião é sempre um guia ou indicador seguro quanto a ser ela especialmente escolhida por Deus?

Nunca se diz que outras religiões, como os Adventistas do Sétimo Dia ou os Mórmons -- religiões que, tal como a organização Watch Tower, tiveram o seu início nos Estados Unidos durante o século dezanove -- registaram aproximadamente a mesma percentagem de aumento que as Testemunhas de Jeová.6 Obviamente, se o aumento numérico fosse o critério para determinar a aprovação e benção de Deus, então o enorme aumento mundial da fé Católica Romana num período de séculos, especialmente desde o quarto século, devia ser prova definitiva de que teve a benção divina. Contudo, o padrão usado para validar as suas próprias pretensões não é aplicado pela organização Watch Tower a outras religiões.7

Se o objetivo era alcançar um estatuto internacional, esse objetivo foi conseguido. Mas se o objetivo é alcançar toda a humanidade com a mensagem da Watch Tower antes que chegue a destruição -- durante o tempo de vida da geração de 1914 -- então os resultados alcançados ficam muito, muito aquém desse objetivo.

Basta considerar que a população da China, que ultrapassa agora um bilião de pessoas, representa um quinto da população total do mundo e não existe senão um punhado de Testemunhas de Jeová entre essa enorme população.

Existem cerca de 10.000 Testemunhas na índia, mas com a sua população de 915 milhões de pessoas isso representa apenas uma Testemunha para cerca de 90.000 pessoas. à medida que o número de Testemunhas na índia está a crescer (a uma taxa de 11 porcento em 1990), a população da índia também está a crescer a uma taxa de cerca de 26 milhões de pessoas por ano. Atualmente o tempo médio gasto em "serviço de campo" por cada Testemunha na índia é cerca de uma hora por dia.8 A essa taxa, mesmo se o julgamento divino se pudesse basear em apenas vinte minutos de "testemunho" a um indivíduo, ainda assim as Testemunhas apenas conseguiriam alcançar pouco mais de um porcento das pessoas num ano. Mas a percentagem anual de aumento da população da índia é três porcento. E uma grande parte das horas gastas "testemunhando" envolvem falar com as mesmas pessoas em "revisitas" e "estudos bíblicos domiciliares" ou simplesmente voltar a "territórios" cobertos anteriormente. Se todos os fatores continuassem como agora -- a taxa anual de aumento da população da índia, o aumento anual de 11% das Testemunhas (é altamente improvável que se mantenha) -- e se 80% de todo o tempo gasto fosse estritamente usado a contatar pessoas às quais não tivesse sido dado "testemunho" antes, no ano 2014 as Testemunhas só teriam alcançado pouco mais de metade da população da índia com esses vinte minutos de testemunho de julgamento de "vida ou morte." Além disso, esse longo período de oportunidade não se encaixa de maneira nenhuma no cenário que a organização estabelece, pois é dito regularmente às Testemunhas que "nós estamos no limiar da 'grande tribulação.'"9

A razão no Paquistão com os seus 106 milhões de habitantes é ainda mais desproporcionada (377.224 pessoas para cada Testemunha).

As populações da China, índia e Paquistão juntas representam dois quintos da população mundial -- duas em cada cinco pessoas que vivem na terra. E só uma insignificante fração desta enorme população tem nem que seja um pequeno conhecimento da mensagem da Watch Tower. Seria puro egoísmo se uma organização qualquer acreditasse que um Deus justo e amoroso poderia basear um julgamento de vida ou morte de toda a humanidade numa base tão terrivelmente desequilibrada e frágil.10

A todos estes podemos adicionar outros cerca de 635 milhões de pessoas que se encontram nos países predominantemente muçulmanos da Arábia, África do Norte e Ocidental, Indonésia, Bangladesh, Afeganistão e Turquia, onde também só uma fração diminuta da população foi contatada. Lembro-me que quando visitei Marrocos numa viagem de "supervisão de zona" em 1978, os missionários da Watch Tower ali informaram-me que a sede em Brooklyn tinha-os instruído estritamente que não deviam tentar testemunhar aos muçulmanos mas deviam restringir o seu testemunho somente à pequena população européia, predominantemente cristã, daquele país.11

Na realidade, as Testemunhas de Jeová hoje estão a contatar na melhor das hipóteses cerca de metade da população da terra numa escala que mereça referência. Em certos países a cobertura é intensiva e no Hemisfério Ocidental, Europa e noutras terras as Testemunhas visitam os lares em algumas áreas com uma grande freqüência, com poucas semanas de intervalo entre as visitas. No entanto, mesmo nesses países, incluindo os Estados Unidos, onde a organização Watch Tower nasceu, o fato é que o que é dito às portas é breve, normalmente muito rotineiro e centra-se quase sempre na oferta de certa literatura. A grande maioria das pessoas tem apenas uma vaga idéia quanto ao que a organização ensina, sobre o que trata a sua mensagem. Basta-nos perguntar a pessoas escolhidas aleatoriamente nesses países o que é que elas sabem acerca das Testemunhas de Jeová para descobrir que, embora possam encarar as Testemunhas como basicamente boas pessoas, para uma grande percentagem a única coisa que elas sabem da religião das Testemunhas é que elas levam literatura de porta em porta, são contra as outras religiões, e talvez que não aceitam transfusões de sangue, ou não votam, ou posições negativas similares.

Por terem no fundo bom coração, muitas Testemunhas sentem-se perturbadas com o pensamento de o destino das pessoas, seja a vida eterna seja a destruição eterna, ser supostamente decidido mediante a sua resposta à proclamação pública da organização das Testemunhas. Foi exposto o ponto de vista que a morte (sem possibilidade de ressurreição) no Armagedom de milhões de pessoas que vivem em países como a China, o Paquistão ou a índia é justificada pelo que se chama "responsabilidade da comunidade."12 Mas isto pouco contribui para acalmar a preocupação. A alegação de que quando um governo não permite que a organização Watch Tower desenvolva atividades no país controlado por esse governo, então as pessoas -- porque apoiam o governo -- partilham automaticamente a responsabilidade pela rejeição da organização Watch Tower e da sua mensagem, aparece como uma tentativa muito imaginativa de justificar a destruição eterna destas largas centenas de milhões de pessoas, homens, mulheres e crianças. Especialmente naqueles casos em que a grande maioria das pessoas comuns não fazem a menor idéia de qual é a mensagem da organização Watch Tower ou talvez nem sequer saibam da sua existência.13

Numa linha de raciocínio de certa forma similar está um comentário feito numa Assembléia de Distrito realizada em Nova Iorque em 1980 para Testemunhas de língua francesa (principalmente procedentes do Haiti) que viviam naquela área.14 O presidente da Watch Tower, Fred Franz, falou à audiência durante o programa e no seu discurso relatou a experiência que tinha tido com um homem que estudara anteriormente para ser padre Católico Romano e que estava agora a estudar com as Testemunhas de Jeová. Ele contou as perguntas do homem acerca do Armagedom e nomeadamente se podia realmente ser verdade que "apenas aqueles que se tornarem Testemunhas de Jeová sobreviverão ao Armagedom e todos os outros sofrerão a destruição eterna." O presidente disse que a sua própria resposta foi, "é o que as Escrituras parecem indicar." O homem disse, "Mas até pequenas crianças?" O presidente disse que respondeu, "Bem, pequenas lêndeas tornam-se depois piolhos, e ratinhos crescem até se tornarem ratos grandes." O fato de ele ter contado esta experiência e estas respostas diante de toda a assembléia demonstrou claramente a crença dele de que tal ponto de vista era válido.

Talvez aquelas respostas satisfaçam alguns, não sei. Mas tenho a certeza que seriam profundamente perturbadoras para outros. Também me parece que é o fato de as predições da organização serem tão centradas em si mesmas que obriga as pessoas a virem com estas opiniões extremas, que pretendem legitimar as pretensões dogmáticas e exageradas sobre a importância do que a organização está a fazer.

É essa mesma posição exclusivista extrema que faz com que a organização não considere o que outras denominações religiosas fizeram ou estão a fazer como sendo parte da proclamação das "boas novas do reino," ou pelo menos minimize severamente a importância dos seus esforços. Em 1979, ao acompanhar missionários na atividade casa-a-casa no Alto Volta, país da África Ocidental, lembro-me de ter reparado que eles levavam duas ou até três traduções da Bíblia diferentes, por causa das várias línguas africanas faladas pela população de Ouagadougou, a capital do país. Pensei então no fato de que uma boa parte do seu testemunho seria muito limitado, coxo, senão tivessem essas traduções. E no entanto essas traduções não lhes tinham vindo parar às mãos através da organização Watch Tower; foram feitas por missionários e tradutores de outras denominações religiosas. O feito de traduzir a Bíblia, no todo ou em parte, para mais de 1.900 línguas é verdadeiramente notável.15 A Watch Tower Society chama atenção para o fato dessa realização mas é relutante em reconhecer o crédito devido àqueles que a fizeram, simplesmente porque eles não eram Testemunhas de Jeová. E no entanto a Bíblia é a própria fonte das boas novas, é onde as boas novas, tal como foram pregadas por Cristo e pelos seus apóstolos e discípulos, podem ser lidas na sua forma original, inalterada e não adulterada.

Ao visitar não apenas o Alto Volta mas também o Senegal, Mali, Costa do Marfim e Benin, reparei que em todas essas terras -- onde as religiões principais são o animismo e o Islão -- as Testemunhas eram apenas umas poucas centenas no máximo. No entanto, ao chegar a Camarões encontrei mais de 10.000 Testemunhas. Porquê o contraste? A principal diferença era que Camarões tinha uma percentagem muito maior da população que professava o cristianismo. Essa circunstância, contudo, era o resultado da atividade missionária anterior feita por outras organizações religiosas, Católicas e Protestantes, e tinha sido realizada antes que a organização Watch Tower sequer aparecesse em cena. E esta situação repete-se em muitas partes do mundo, o grau de sucesso da atividade da Watch Tower em qualquer país é muitas vezes correspondente à extensão em que outras organizações religiosas introduziram previamente a Bíblia nesse país. Em virtualmente todos os países em que se podem encontrar Testemunhas, outras denominações cristãs já lá estiveram e, pelo menos em parte, prepararam o caminho, especialmente ao traduzirem as Escrituras. Nos sítios em que esses sistemas das igrejas ainda não lançaram uma fundação, os esforços das Testemunhas raramente conseguem um número significativo de conversões.16

Dizer que uma vez terminado o período do primeiro século, pouco ou nada foi feito quanto à divulgação das boas novas durante os dezassete séculos seguintes -- até que finalmente a organização Watch Tower apareceu no fim da década de 1870 -- é fazer as palavras de Jesus em Mateus 28:18-20 soarem falsas. O que ele assegurou firmemente aos seus seguidores no seu trabalho de fazer discípulos foi que "Eis que estou convosco todos os dias, até à terminação do sistema de coisas."

Quão Eficaz é o Testemunho?

Se a trombeta não fizer soar uma chamada clara, quem se preparará para a batalha? Assim também é convosco. A menos que faleis palavras inteligíveis com a vossa língua, como é que alguém saberá o que estais dizendo? Estareis apenas a falar para o ar. -- 1 Coríntios 14:8, 9, New International Version.

Além da quantidade e extensão desta atividade de testemunho, que dizer da sua qualidade? Meros números num quadro não revelam isto.

Mesmo sem aprofundar muito a questão, dá para ver problemas óbvios -- que de longe a maior parte do que é chamado "declarar as boas novas" é simplesmente uma apresentação e distribuição de livros e revistas, a grande maioria dos quais admitidamente nunca são lidos.17

Durante os meus cinqüenta anos de serviço ativo, acompanhei individualmente milhares de companheiros Testemunhas em muitos países quando eles iam de porta em porta. Raramente senti que o que eles diziam às portas se poderia qualificar como alguma coisa que se aproximasse de um testemunho efetivo do cristianismo. Afirma-se que é através de tal atividade que a divisão de pessoas em classes de ovelhas e cabritos está a ser efetuada sob direção angélica com um desfecho de vida ou morte em jogo. Eu não posso acreditar que um Deus justo iria alguma vez julgar um humano qualquer digno de ser salvo na base da sua aceitação ou não aceitação das apresentações porta-a-porta que ouvi -- ou daquelas que eu próprio fiz em conformidade com as instruções de "serviço de campo" da organização. A impressão geral com que muitos ouvintes ficaram é inquestionavelmente a de pessoas interessadas em vender literatura religiosa ou em advogar as suas crenças sectárias particulares.

Igualmente significativa é a falta geral de preocupação séria de dar ajuda adicional àqueles que são visitados (uma atitude que tem sido endêmica na organização desde que me lembro). Certamente que isto não é verdade a respeito de todas as testemunhas, mas de uma vida inteira de associação posso acrescentar o meu testemunho ao de outros já citados, em como aqueles a quem isto não se aplica são a excepção em vez da regra. É manifesto entre muitas Testemunhas um sentimento predominante de satisfação assim que cumprem o "dever" de gastar uma hora ou mais em algum testemunho porta-a-porta; eles "deram o seu tempo" e isso é evidentemente a sua maior preocupação. A grande maioria daqueles que aceitam literatura não são revisitados. Embora uma enorme quantidade de literatura seja distribuída, a eficácia desta distribuição gigantesca é muito limitada.18

Um ancião de longa data, respondendo a um pedido organizacional de comentários no fim da década de 1970, escreveu para a sede:

Nós cobrimos os Estados Unidos da América com a nossa literatura e em menor grau o resto do mundo. Quando perguntamos honestamente a nós mesmos que proporção dos milhões de livros e revistas e folhetos que publicamos são alguma vez lidos pelas pessoas, seria provavelmente alarmante para nós verificar como são poucos.

... Mesmo entre os nossos irmãos, se olharmos honestamente para os fatos, provavelmente menos de metade da literatura que chega a casa de uma família é alguma vez lida pela maioria dos irmãos.19

Outro ancião respeitado, também respondendo a um pedido organizacional de observações, escreveu:

Conforme discutido previamente, a nossa literatura não está a ser lida pelos publicadores [Testemunhas] ou pelo público. Cerca de um terço dos publicadores lê a literatura, menos ainda o público. De fato, tive vários anciãos que me disseram sentirem-se culpados ao colocar livros de 384 e 416 páginas ao público, porque sentem que os livros eram algo penoso, cansativo, quando os estudávamos nas noites de Terça-feira; eles próprios não os leriam uma segunda vez, e interrogavam-se como é que o público podia alguma vez ter apetite para eles se afetavam as Testemunhas dessa maneira.20

Portanto, uma grande parte do testemunho que é dado na realidade vai "para o ar," sem conseguir verdadeiramente informar e avisar as pessoas. É como se a distribuição de centenas de milhares de publicações por si só desse à organização um sentimento de tarefa cumprida, sem nenhuma preocupação real com o fato de a grande maioria dessas publicações não ser lida. Métodos alternativos ou mais eficazes de ajudar as pessoas do que a distribuição de livros e revistas porta-a-porta, nem sequer são considerados. Foi erigido um grande sistema de publicação que está a produzir constantemente um grande fluxo de literatura que requer escoamento. A necessidade de distribuir tem precedência sobre outras necessidades mais vitais. No passado o boletim mensal de serviço de campo da organização, Nosso Ministério do Reino, promoveu por vezes que se desse maior ênfase à própria Bíblia na atividade casa-a-casa. Mas invariavelmente poucos meses depois apareciam artigos a lembrar as Testemunhas que continuassem a oferecer os livros e as revistas e verifica-se um retorno ao padrão usual de ênfase na colocação de literatura.21

As boas novas acerca do Filho de Deus são chamadas as "gloriosas boas novas."22 Restringir o torná-las conhecidas, ou igualar a sua proclamação essencialmente à distribuição de literatura de qualquer sistema religioso é reduzir em muito a sua grandeza, trivializá-las e desconsiderá-las em vez de as magnificar.

Minimizando tudo o que tem sido feito por qualquer outro grupo religioso no passado, a Watchtower de 1.º de Maio de 1981, página 17, afirma:

Que a pessoa de coração honesto compare o tipo de pregação do evangelho do Reino feito pelos sistemas religiosos da cristandade durante todos os séculos com aquele feito pelas Testemunhas de Jeová desde o fim da I Guerra Mundial em 1918. Não são do mesmo tipo. O das Testemunhas de Jeová é realmente um "evangelho," ou "boas novas," de que o reino celestial de Deus foi estabelecido pela entronização do seu Filho Jesus Cristo no fim dos tempos dos gentios em 1914.

Como ela própria reconhece, a organização Watch Tower tem o seu próprio "tipo" especial de boas novas, ligadas inextricavelmente a uma certa data.

[Nota: no livro este capítulo tem mais 20 páginas.]


In Search of Christian Freedom (Em Busca de Liberdade Cristã) (Atlanta: Commentary Press, 1991) de Raymond Franz (1922-2010), pp. 555-565.

Capítulo 16: Uma Promessa Apelativa, Não Cumprida

Raymond Franz


Igual a um homem que sonha que está a comer, mas acorda e a sua fome continua; igual a um homem sedento que sonha que está a beber, mas acorda abatido, com a sua sede por saciar. -- Isaías 29:8, New International Version.

A discussão anterior traz uma certa tristeza -- tristeza face a algo que prometia tanto mas que ficou tão longe dessa promessa. O que aconteceu entre as Testemunhas de Jeová lembra-me pensamentos expressos há algumas décadas por um membro do parlamento Inglês.1 Explicando porque é que a sua conclusão era que "a única categorização que realmente importa é aquela que divide os homens entre os Servos do Espírito e os Prisioneiros da Organização," ele demonstrou o modo como o espírito humano desenvolve uma idéia e depois, com o objetivo de dar substância à idéia, é formada uma organização. Quanto ao que acontece tão freqüentemente, ele observou:

O fato de a organização ser política, religiosa, ou social em nada altera o meu argumento. O que acontece é que, tendo-se a idéia materializado na organização, a organização passa a assassinar gradualmente a idéia que lhe deu origem....

[Se for uma organização religiosa, a sua] mensagem cristalizar-se-á num credo. Em breve, a principal preocupação da igreja será sustentar-se como organização. Para que este objetivo seja alcançado, todo o desvio do credo tem de ser contrariado e, se necessário, suprimido como heresia. Em poucas dezenas ou centenas de anos, o que foi concebido como sendo um meio de veicular uma nova e mais alta verdade tornou-se uma prisão para as almas dos homens.

... tendo a idéia dado origem à organização, esta desenvolve um interesse próprio sem relações com a idéia com a qual começou, e torna-se-lhe hostil. Ora, o que permite que este processo de afastamento ocorra, de forma que a organização passa a fazer parte do oposto da idéia que originalmente a inspirou, é a tendência dos homens e mulheres para se tornarem Prisioneiros da Organização, em vez de serem Servos do Espírito ... a organização torna-se menos o veículo da idéia do que o canal através do qual interesses particulares têm de ser satisfeitos.2

O conhecimento humano é uma coisa dinâmica, que se expande, tanto ao nível pessoal como coletivamente. Quando as crenças se cristalizam na forma de credos ou ensinos oficiais aos quais se requer que as pessoas se conformem para perpetuar uma organização, é inevitável que o conflito aconteça. É criada uma linha divisória entre o que o parlamentar citado chama "Servos do Espírito" e "Prisioneiros da Organização."

A organização agora conhecida como Testemunhas de Jeová, desde o seu início há pouco mais de um século atrás, prometeu muito que era apelativo. Procurou romper com a adoração a Deus ligada a credos, para retornar à simplicidade do Cristianismo do primeiro século, livre do ritualismo formal, elitismo, pensamento dominado por clérigos, dogmatismo sectário e intolerância. Em vez disso, a ênfase devia ser colocada numa irmandade simples, numa atitude despreconceituosa em relação a todas as pessoas sinceras independentemente da sua filiação denominacional, discussão aberta e uma determinação de deixar a mensagem de Deus nas Escrituras ser o árbitro final em todas as conclusões e decisões. Com o decorrer do tempo declarou ser seu objetivo providenciar os meios para que pessoas em todas as terras recebessem educação baseada nessas Escrituras e beneficiassem da fundação de uma fé baseada unicamente na mensagem Bíblica, e não nas tradições de homens. Indicava às pessoas um modo de vida que seria sempre dirigido por Deus e abençoado por Deus, por sempre o reino do seu Filho em primeiro lugar nas suas vidas, vidas vividas em integridade, amor ao próximo, devoção total a valores espirituais sãos.

Esses eram os ideais. A realidade não lhe corresponde. E, como Jesus admoestou, não devemos "julgar pela aparência das coisas mas pela realidade."3

Não se dá o caso de os objetivos terem sido abandonados completamente, ou que nenhum progresso tenha sido feito em direção a qualquer deles. Adotar o ponto de vista segundo o qual não se pode encontrar rigorosamente nada de bom na religião das Testemunhas de Jeová e adotar, como fazem algumas ex-Testemunhas, uma atitude de ridicularização, só manifesta intenso preconceito. Quando pessoas que saíram da organização fazem isto, levantam-se questões quanto à pureza do seu motivo para sair. Se não havia rigorosamente nada de bom lá, então porque é que eles foram alguma vez atraídos para lá, ou porque é que permaneceram lá durante cinco, dez, vinte ou mais anos? Analogamente no caso daqueles de outras filiações religiosas -- será que não se apercebem que em muitos casos as pessoas que entraram na organização das Testemunhas fizeram-no precisamente devido à sua desilusão com as igrejas às quais pertenceram? Muitas vezes a organização das Testemunhas consegue captar o interesse das pessoas 'por defeito,' sendo o falhanço em certas áreas por parte de muitas igrejas um fator tão importante como os benefícios aparentes oferecidos na organização das Testemunhas.

Muitas vezes as pessoas ficam desiludidas pelo que acham ser hipocrisia entre muitos líderes e membros das igrejas; estão confusas pelas numerosas divisões denominacionais e pelo espírito sectário que contribui para essas divisões. Estão preocupadas com o nacionalismo expresso, o registo de guerra dentro da Cristandade, a história de opressão das minorias, e com o fato de ação política ter sido freqüentemente necessária para estabelecer igualdade racial dentro de comunidades "Cristãs."

Uma ex-Testemunha, que vive na Virgínia do norte [E.U.A.], que se juntou a uma pequena igreja depois da sua separação da organização da Watch Tower, contou que ela tinha "sido sempre trabalhadora enquanto Testemunha" e continuou a sê-lo nesta pequena congregação. Como resultado disso eles começaram a dar-lhe responsabilidades adicionais, e isto continuou durante um período de cerca de dois anos. Ela disse, contudo, que quanto mais 'para cima' eles a colocavam, mais "política da igreja" ela via e finalmente retirou-se.

Um desencanto similar pode resultar, e muitas vezes resulta mesmo, em contatos com movimentos desenvolvidos por pessoas que deixaram elas próprias a organização Watch Tower. A mesma pessoa mencionada no parágrafo anterior escreveu acerca de um telefonema que recebeu de uma jovem mulher da sua área que tinha sido desassociada por 'ter associação com uma pessoa desassociada.' Esta jovem mulher disse que tinha sido afetada tão adversamente por um volumoso pacote sobre leis que lhe fora enviado pelo advogado da Watch Tower Society, Leslie Long, para mostrar que qualquer ação legal contra a Sociedade seria fútil, que decidiu contatar algumas ex-Testemunhas. Primeiro contatou um homem cujo nome descobrira através dos meios noticiosos. Ela contou que falou com ele por telefone durante cerca de duas horas. Como resultado do seu dogmatismo persistente ao insistir em certa doutrina "ortodoxa" e da sua preocupação em receber dinheiro antes de lhe enviar qualquer informação, o comentário dela foi que 'se ele tivesse sido o seu único contato com uma ex-Testemunha ela voltaria para a organização Watch Tower.'

Outra senhora, da Califórnia, escreveu:

O seu livro foi uma mudança refrescante em relação aos livros que atacam e condenam as Testemunhas de Jeová, escritos por Testemunhas ressentidas. Eu consigo compreender porque alguns estão ressentidos; eu própria combato isso, tendo passado 20 anos na organização.

... Preciso desesperadamente de falar com alguém para ter apoio emocional mas é tão difícil encontrar conselho equilibrado, não condenatório, de grupos que parecem ter objetivos tão tendenciosos como as próprias Testemunhas.... Já tive uma mente fechada o tempo suficiente para durar muito tempo.

Uma ex-Testemunha que vive em Indiana estabeleceu -- devido à posição repressiva da organização -- um endereço de correio sob um nome suposto, por forma a que se pudesse corresponder de maneira segura com ex-Testemunhas. Ela escreveu:

Muitas ex-Testemunhas que vi na televisão e cuja literatura li mostram uma atitude que me desagrada, talvez seja euforia ou vontade de vingança.... Penso que elas próprias são culpadas das coisas de que acusam a Watch Tower: meias verdades, tirar citações do contexto, etc.

Estou sinceramente grato pelo fato de, como tem sido o caso de muitos outros, ela me ter escrito esta carta principalmente porque sentiu que Crisis of Conscience [Crise de Consciência] tinha um espírito diferente.

Portanto, um exame a si mesmo devia preceder sempre uma avaliação crítica da posição ou alegações de outra pessoa; de outro modo podemo-nos estar a focar no grão de poeira no olho do nosso irmão e não reparar na trave que existe no nosso próprio olho.4

Alguns de fato concentram-se e exageram falhas e erros que existem dentro da organização das Testemunhas, que são essencialmente superficiais. Eles vêem problemas superficiais mas não reparam nos problemas subjacentes mais significativos. Eles condenam apenas aquelas áreas em que pensam que a sua própria posição e afirmações (geralmente opostas) parecerão ser superiores, para vantagem dos sistemas religiosos particulares que eles advogam. Deixam de ver os pontos em que os princípios cruciais envolvidos podem requerer ajustes nas suas próprias atitudes, posições e afirmações. Isto faz lembrar mais o Farisaísmo do que o Cristianismo.5 De modo similar, quando as Testemunhas defendem a sua organização colocam muitas vezes grande ênfase no que é aparente, mais do que na substância, nas alegações em vez de na realidade, talvez nas intenções em vez de no próprio resultado.

Existe, inquestionavelmente, um enorme potencial para o bem na associação com milhões de membros vivendo em cerca de duzentas terras. E é isso que acho particularmente trágico -- o modo como o esforço de pessoas sinceras para alcançar objetivos nobres, um esforço medido não apenas em horas e dias, mas freqüentemente em vidas inteiras, é desviado para um canal que o faz ficar muito aquém desses objetivos. O próprio instrumento que é suposto ajudá-las a alcançar esses objetivos acaba por ser um obstáculo muito sério a que os atinjam. Desviou "Servos do Espírito" para se tornarem "Prisioneiros da Organização." A organização tornou-se "menos o veículo da idéia do que o canal através do qual interesses particulares têm de ser satisfeitos."

O Paraíso Espiritual

Digo a todos entre vós: não sejais presunçosos nem tenhais uma opinião muito elevada de vós mesmos; mas fazei uma estimativa sóbria do vosso caminho baseados na medida de fé que Deus deu a cada um de vós. -- Romanos 12:3, New English Bible.

Numa assembléia internacional das Testemunhas de Jeová em Nova Iorque, em 1958, foi dito à audiência:

É o florescimento do paraíso espiritual que explica a felicidade transbordante das Testemunhas de Jeová .... Este paraíso espiritual reflete a glória de Deus e testifica o estabelecimento do seu reino.6

Desde aquele tempo em diante tem-se assegurado repetidamente às Testemunhas de Jeová que elas formam tal "paraíso espiritual" e são as pessoas mais felizes, mais unidas, e as mais limpas à face da terra. Diz-se que profecias das Escrituras Hebraicas acerca do 'deserto florescer como a rosa' e a terra 'tornar-se como o éden,' tiveram um cumprimento espiritual na organização das Testemunhas.7 Usando palavras apaixonadas para descrever o esplendor das condições neste "paraíso espiritual," a organização é retratada como tendo uma harmonia quase perfeita, onde 'pessoas que antes eram como lobos convivem pacificamente com pessoas semelhantes a cordeiros', "humanos livram-se de características agressivas e revestem-se de personalidades marcadas pela paz e pelo amor," "sem competições, rivalidades, ambiciosos exaltando-se acima de outros ... sem difamação nem rancor venenosos," onde todos se alimentam num contínuo banquete de rico alimento espiritual num "lugar espiritualmente são, em que os frutos do espírito de Deus são produzidos em abundância."8

Muitos deles acreditam nisto, especialmente aqueles que, como era o meu caso, nunca conheceram nada além da "Sociedade do Novo Mundo." Eles passaram a ver tudo fora dessa sociedade, incluindo todas as outras denominações religiosas, como largamente destituídas de genuínos princípios morais e genuíno amor, ou pelo menos muito inferior aos padrões e níveis que a sua própria organização diz que exemplifica. A frase seguinte, da Watchtower de 15 de Março de 1986, página 20 [parágrafos 16 e 17], mostra até que ponto eles vão neste assunto:

Somente no paraíso espiritual, entre as Testemunhas de Jeová, podemos encontrar o amor abnegado que Jesus disse identificaria os seus verdadeiros discípulos. (João 13:34, 35)

Os falsos profetas, pelos seus maus frutos, são expostos como tais. Mas Jesus indicou que as árvores boas seriam identificadas pelos seus frutos excelentes. (Mateus 7:15-20) E que frutos excelentes nós temos no paraíso espiritual! Quase que em cada país há espantosos aumentos....

As Testemunhas de Jeová, por serem ensinadas por Deus, realmente produzem na sua vida os frutos do cristianismo.... Só os do povo de Jeová se libertaram completamente das superstições babilônicas. Só eles têm uma organização que acata plenamente o que a Palavra de Deus tem a dizer sobre a imoralidade sexual, os abortos, a embriaguez, o furto, a idolatria, o preconceito racial, e sobre outros empenhos e práticas do mundo. E somente eles obedecem à ordem de pregar as boas novas do Reino de Jeová. (Mateus 24:14) A própria Palavra de Deus inquestionavelmente aponta para as Testemunhas de Jeová como o único povo organizado que tem a bênção dele!

Embora nos digam que isto é 'inquestionável,' no interesse da verdade devemos perguntar quão fatual é realmente essa auto-avaliação da organização? Eles não dizem que são um pouco melhores ou bastante melhores ou um melhoramento de outras religiões. Dizem é que são destacadamente melhores, que têm a exclusividade nestes campos. Eles são "inquestionavelmente" o único oásis num deserto mundial. Considerando a exortação encontrada nas palavras do apóstolo Paulo em Romanos 12:3 anteriormente citadas, exortando contra ter uma opinião de nós mesmos mais elevada do que é devido, quão sóbria é a auto-imagem publicada pela organização?

O Fruto da Fé

O apóstolo enfatiza três frutos do espírito de Deus como sendo mais importantes para o Cristão: fé, esperança e amor.9 A fé é a própria base do Cristianismo. Sobre ela é construído tudo o resto. As próprias Escrituras ensinam-nos a colocar a nossa fé em Deus e no seu filho. Não encontramos nas Escrituras qualquer instrução ou encorajamento para colocarmos a nossa fé em homens ou num sistema humano. O apóstolo declara:

Pois fundação, ninguém pode lançar outra diferente daquela que já foi lançada, isto é Jesus Cristo.... não existe nada acerca do qual nos devamos jactar naquilo que é humano: Paulo, Apolo, Cefas, o mundo, a vida e a morte, o presente e o futuro, todos são vossos servos; mas vós pertenceis a Cristo e Cristo pertence a Deus.10

Em contraste com isto, as publicações da Watch Tower desviam a fé do seu verdadeiro objeto, de certa forma fragmentam-na de modo que não fica totalmente e indivisivelmente dirigida a, e baseada em, Deus e seu Filho. Eles encorajam as pessoas a "Colocar fé numa organização vitoriosa," como diz o título da primeira página da Watchtower de 1.º de Março de 1979.

Seria possível encher um livro inteiro com exemplos de declarações acerca de Deus e Cristo feitas nas Escrituras que eles transferiram para a "organização visível." Capítulos anteriores deste livro documentaram o modo como a lealdade a Deus é igualada à lealdade à organização visível, a submissão à direção de Deus é igualada à submissão à direção da organização visível, a confiança na Palavra de Deus é igualada à confiança na palavra da organização visível. Como também foi documentado, passagens das Escrituras relativas a Cristo são da mesma maneira apropriadas e aplicadas à organização. Esta tem a presunção de partilhar com Cristo o seu papel de ser "o caminho, a verdade e a vida."11 De todos os erros evidentes na religião, o mais grave, penso eu, é este desvio da fé para um sistema humano. A organização Watch Tower não é o único sistema religioso a fazer isto. Mas certamente apresenta um exemplo assinalável de apropriação -- uma apropriação que merece a designação de arrogante -- de algo que corretamente pertence apenas a Deus e Cristo.

Quando pessoas se deixam levar nesta direção, é inevitável que a pureza da sua fé sofra. A fé genuína fica adulterada com a credulidade. Quanto maior o desvio da fé em Deus para fé no homem, mais danosos são os resultados. A confiança posta num sistema humano e na sua aparente força pode por fim chegar ao ponto descrito em Jeremias 17:5-9, onde Jeová diz:

Amaldiçoado é o homem que confia em seres humanos, que procura a sua força na carne, cujo coração se desvia de [Jeová]. Ele é como um arbusto árido no deserto que não experimenta nenhuma mudança de estação, mas fica num lugar ressequido, numa terra salgada e vazia. Abençoado é o homem que confia em [Jeová], cuja esperança é em [Jeová]. Ele é como uma árvore plantada junto das águas que estende as suas raízes para a corrente: não teme o calor quando este vem, as suas folhas permanecem verdes; no ano de seca não mostra angústia, mas ainda dá fruto.12

Quanto mais a fé de uma pessoa se centra num sistema humano, seja qual for esse sistema, menos espiritual essa pessoa se torna. Existem homens muito "religiosos" e que apesar disso são essencialmente não espirituais. Eles são "homens da organização," não são homens de fé. As vidas deles podem estar preenchidas com atividade que lhes traz a aprovação e apoio da organização, e o poder que esse apoio permite. Se o apoio organizacional é retirado, a força aparente que tinham desaparece.13 Não obstante o seu zelo por uma organização religiosa e pelo crescimento desta, as suas vidas podem ainda assim ser de fato "estéreis" naquelas coisas que trazem a aprovação de Deus e a Sua força -- estéreis quanto aos frutos do Espírito em atos de amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fé, mansidão e autodomínio que sejam espontâneos, internamente motivados, impelidos pela fé.14

No mesmo ano em que saí da República Dominicana para integrar o pessoal da sede internacional, o Presidente Knorr designou-me como um dos quatro instrutores que conduziam aulas especiais de um curso do "Ministério do Reino" que os superintendentes viajantes (de circuito e de distrito) dos Estados Unidos freqüentariam.15 As aulas tinham a duração de duas semanas e os homens vinham em grupos sucessivos de cem por grupo. Eu fiquei surpreso de ver quão bem se pode conhecer cem homens em duas semanas de discussão na aula. E fiquei igualmente surpreso ao me aperceber que em qualquer grupo nunca encontrei mais de dois ou três homens que davam evidência de alguma profundidade real em conhecimento, em perspicácia ou, mais seriamente, em espiritualidade. Os outros 97 ou 98 eram basicamente "homens da companhia," cujos "discursos de serviço" evidenciavam alguma habilidade oratória mas que em conteúdo tinham pouco de espiritualmente nutritivo, muitas vezes sendo pouco mais do que "discursos de entusiasmo," homens que eram em geral eficazes a "colocar" literatura às portas, e que em conhecimento estavam acima da média apenas por estarem muito atualizados a respeito da política e dos regulamentos da Sociedade. Naquele tempo eu próprio ainda era um crente firme, convencido de que era parte do único povo aprovado por Deus na terra. No entanto lembro-me de dizer para mim mesmo, "é realmente isto o melhor que podemos dar aos nossos irmãos para ajudá-los?"

O espírito expresso -- em discursos, em atitudes e ações -- por aqueles que confiam num sistema humano não é o espírito divino de Deus; reflete uma fonte diferente, humana.16 Eles podem ser rápidos a punir qualquer desvio das normas ou dogma da organização. Mas se virem erros sérios cometidos pela sua própria organização religiosa, ou se reconhecerem falácias cruciais nos seus ensinos, não têm nem a força interior nem a coragem para falar e defender o que é correto, nem para tomar o lado da verdade contra a injustiça. Em vez de produzir pessoas de integridade, a sua confiança implícita e subserviência quase total a um sistema organizacional -- e medo de perder a sua aprovação -- converte-os em homens sem vigor. Se todos os do povo de Jeová de tempos pré-cristãos tivessem sido assim, não teriam existido profetas em cujas vidas e palavras nós podemos encontrar força e confiança ao enfrentarmos testes à nossa fé em Deus em vez de em fontes humanas.17 Nem teriam existido apóstolos Cristãos que -- acusados de perturbarem a paz da comunidade religiosa e de minarem a autoridade dos seus líderes -- permaneceram firmes perante o corpo governante do seu povo e disseram: "Não podemos parar de falar acerca das coisas que vimos e ouvimos ... temos de obedecer a Deus em vez de aos homens."18 Em tempos posteriores, não existiriam relatos históricos de homens como Wycliffe, Tyndale, Servetus, Hus, Waldo e outros, que colocaram a consciência acima da conformidade com uma autoridade religiosa e que prepararam o caminho, em maior ou menor medida, para certas liberdades que desfrutamos atualmente.

Nada disto é dito num espírito condenatório nem com desprezo. Experiências pessoais fizeram-me ver o efeito incapacitante que a fé numa organização humana produz, o efeito enfraquecedor que a subserviência à autoridade humana provoca, a facilidade com que a preocupação de não perder o favor dessa autoridade se pode infiltrar no nosso pensamento. Não foi fácil libertar-me desses efeitos. Estou contente por a coragem física não fornecer a força que uma pessoa precisa. Existem pessoas que enfrentaram grande perigo às mãos de opositores externos para serem leais à sua organização religiosa, até mesmo arriscaram as suas vidas em território inimigo em benefício de concrentes da religião.19 Mas essa coragem por si só não dá nenhuma proteção garantida contra a covardia moral dentro dessa organização religiosa. Mais importante, que significado ou mérito tem um homem que toma uma posição intransigente num certo assunto, talvez até passando algum tempo num campo de concentração por causa disso, e depois transige quando é confrontado com um assunto paralelo dentro da sua religião? Que importância tem uma pessoa recusar envolver-se em conduta que encara como uma idolatrização de um Estado político, tendo fé nele e obedecendo-lhe cegamente, recusar-se a fazer declarações que considera implicarem que a salvação está indissociavelmente ligada a esse Estado, se essa pessoa depois se envolve em conduta que reflete uma virtual idolatrização de um sistema religioso, tendo fé nele, e dando-lhe uma obediência praticamente cega ao ponto de acreditar que a sua salvação está inquestionavelmente ligada a esse sistema? Nem todas as Testemunhas chegam a esse ponto. Mas um número incrivelmente grande fá-lo, e a mensagem que recebem persistente e insistentemente condu-los nessa direção.

Nenhum de nós tem motivo para se vangloriar na sua própria força ou na força de um sistema humano.20 Era a fé em Deus, não a fé na organização nacional de Israel ou em qualquer liderança humana, o que distinguia os homens exemplares de tempos Bíblicos, cuja "fraqueza foi transformada em força."21 Parece-me correto dizer que a grande maioria dos afiliados da Watch Tower sabe como "mover-se junto com a multidão," mas acharia difícil funcionar espiritualmente separados de um sistema humano. Separados dele, sentir-se-iam sem rumo, desorientados, sem nenhum objetivo real e sem a força para lutarem pela vida. Se eles tivessem uma fé não adulterada, centrada unicamente em Deus em vez ser largamente centrada em homens, isso não aconteceria.

[Nota: no livro este capítulo tem mais 50 páginas.]


Notas do Capítulo 7

1 Veja a página 191.

2 Eu próprio experimentei a prisão e arrisquei-me a sofrer violência por esta mesma razão. Veja Crisis of Conscience (Crise de Consciência), páginas 12, 13, 15.

3 De uma carta do superintendente de circuito Wayne Cloutier do Circuito 2 de Connecticut, datada de 11 de Dezembro de 1977.

4 Conforme mencionado no Capítulo 6, página 200, nota de rodapé 17, não era este o caso de todos os membros do Corpo Governante. No caso de alguns era uma rara excepção se eles participavam no trabalho de porta-a-porta.

5 Deve ser dito que nesse tempo todas as decisões tinham de ser tomadas unânimemente. Mais tarde, em 1975, entrou em funcionamento a regra da maioria de dois terços. Veja Crisis of Conscience (Crise de Consciência), páginas 71, 99-101. O único sítio no manual Organization (Organização) em que Atos 5:42 e Atos 20:20 foram discutidos foi sob o tópico "Pastores do Rebanho de Deus," na parte que se referia a visitas por anciãos às casas dos irmãos.

6 Veja Crisis of Conscience (Crise de Consciência), páginas 198 a 212.

7 Na realidade, poucas Testemunhas se aperceberam que estes textos não estavam já a ser usados dessa maneira usual. Mesmo o irmão de Karl Adams, Don Adams, embora fosse ele próprio secretário do Corpo Governante, disse que não tinha conhecimento de nenhuma mudança a este respeito. A evidência do conhecimento proveniente do campo era que o decréscimo estava indiscutivelmente ligado a 1975 e nada mais. O fato de, depois de o manual ter sido publicado, terem ocorrido grandes aumentos exatamente até àquele ano e depois ter havido uma quebra brusca demonstra isto.

8 Ele ainda é um membro da equipa da redação. Não tenho dúvidas que ele ficaria preocupado se o seu nome fosse mencionado aqui. Também não tenho dúvidas que ele tem a mesma opinião que expressou naquela altura.

9 Claramente, isto não é outra coisa senão apelar para a tradição.

10 Na realidade, existe forte evidência de que apenas uma minoria se tornaram Testemunhas como resultado de uma visita à sua porta. Perguntei a várias pessoas de que maneira se tinham tornado Testemunhas e de umas doze pessoas apenas no caso de uma ou duas foi através desse meio. A maioria começou a interessar-se através de membros da família, colegas de trabalho, conhecidos e contatos similares. Relatórios de superintendentes de circuito apresentaram evidência similar. Um dos ancião citado no Capítulo seis, na sua resposta à Sociedade declarou, "Em cada vez mais territórios é possível ir de porta em porta durante literalmente horas e não falar com ninguém.... É cada vez mais claro que a maior parte do aumento está a vir dos esforços no testemunho informal em vez do testemunho de porta em porta." (Carta de Worth Tornton.)

11 Veja Ezequiel 9:3-11. A organização afirma que a única maneira em que este homem simbólico podia ter realizado a tarefa era ir de porta em porta. (Veja a Sentinela de 15 de novembro de 1981, página 11.) Com efeito, a organização tem a pretensão de saber exatamente como as coisas devem ter sido feitas há uns 25 séculos. As próprias Escrituras não mencionam qualquer método.

12 Em contraste com estas declarações fortes, de todos os membros do Corpo Governante, Grant Suiter era provavelmente aquele que mais raramente participava na atividade porta-a-porta. Um membro do Departamento de Redação que pertencia à mesma congregação que Suiter e estava designado ao mesmo "grupo de estudo do livro," disse que em anos de assistência a reuniões para o serviço de campo nunca o tinha visto presente. A esposa de Suiter, em conversa pessoal com a minha esposa, expressou como achava difícil ser um "publicador regular" (o que requer apenas uma hora por mês), dizendo que eles iam a arranjos de discursos em tantos fins de semana e que enquanto Grant tinha de relatar o tempo gasto a fazer discursos para as congregações, ela não podia relatar nem mesmo esse tempo.

13 O artigo também lança uma "cortina de fumo" sobre a questão ao dizer (página 10), "O registro não diz se iam às sinagogas ou às feiras. Mas receberam instruções de ir às casas das pessoas." Isto serve para desviar a atenção da verdadeira questão, que é saber se Jesus estava a dar instruções sobre "métodos de testemunho" ou estava a dar instruções sobre obter alojamento. Os discípulos já sabiam como é que Jesus "testemunhava" pois eles tinham estado com ele e tinham observado o seu exemplo. Os seus próprios relatos (como os de Mateus e João) não dizem nada sobre ele ter ido de casa em casa mas relatam que ele falou em sinagogas, feiras e outros locais públicos e que aceitou convites para lares particulares e para falar a pessoas ali presentes.

14 Esta situação ilustra particularmente bem qual pode ter sido o caso anteriormente com os discípulos de Jesus nas suas viagens de pregação, ao aplicarem a sua instrução sobre ficar nos lares de 'pessoas merecedoras.'

15 Este grau de imunidade estende-se em certa medida a outros nos escalões mais elevados da administração. Numa carta para o Comitê de Serviço, datada de 29 de Dezembro de 1976, o secretário desse comitê, Robert Wallen, cita um caso na congregação de Woodhaven (com a qual ele se associava) em que o superintendente de circuito se pronunciou contra a nomeação como ancião de um homem que tinha em média cinco horas por mês de "serviço de campo." Wallen indica que o homem tinha servido noutra congregação como ancião, foi recomendado por essa congregação, e também tinha duas crianças em idade pré-escolar. Ele disse que o caso fê-lo pensar seriamente na sua própria situação, visto que o seu tempo no serviço era em média "aproximadamente o mesmo do que o deste irmão." No entanto, ele acrescentou que por causa da sua designação na sede a sua qualificação como ancião era julgada por um padrão diferente do que o daquele homem. (Veja a citação da sua carta nas páginas 199, 200.) Embora se verifique a respeito daqueles com designações de alguma proeminência, esta imunidade não é extensiva ao trabalhador comum da sede, e ele não goza nenhum alívio da pressão das horas do serviço de campo.

16 A carta citada anteriormente do Comitê da Filial da África do Sul inclui afirmações que são verdadeiras no caso de muitos países, ao dizer que "poucas pessoas do público lêem realmente as nossas revistas," "muitos publicadores pagam as revistas e distribuem apenas uma parte delas," e finalmente quando pergunta, "Qual é o interesse de distribuir milhões de revistas se não atingimos o nosso verdadeiro objetivo ao fazê-lo?"


Notas do Capítulo 9

1 Romanos 14:22, 23, JB.

2 Esta posição é estabelecida na revista Despertai! de 22 de dezembro de 1982, que reproduz um artigo publicado no The Journal of the American Medical Association (O Jornal da Associação Médica Americana, edição de Novembro de 1981). O artigo foi preparado pela Sociedade Torre de Vigia e estabelece a posição das Testemunhas de Jeová acerca do sangue.

3 Comentário feito pelo Dr. Lowell Dixon, ex-membro da equipa médica e autor ou co-autor de vários artigos sobre o assunto do sangue nas publicações da Torre de Vigia.

4 Um inquérito à Cruz Vermelha de Atlanta em 22 de Janeiro de 1990 revelou que apenas cerca de 6% de todo o sangue que é doado ali vai para os hospitais como sangue total, sendo os outros 94% divididos em partes componentes.

5 The Encyclopædia Britannica (A Enciclopédia Britânica), Vol. 3 (1969), página 795; The Encyclopedia Americana (A Enciclopédia Americana), Edição Internacional , Vol. 4, 1989, página 91.

6 Curiosamente, a água, que compõe a maior parte do plasma, "move-se [livremente] para dentro e para fora da corrente sangüínea com grande rapidez" e junta-se à água das células do corpo e dos fluidos extra-celulares. Portanto, nunca é uma componente constante da corrente sanguínea. (The New Encyclopædia Britannica [A Nova Enciclopédia Britânica] , Macropœdia, Vol. 15, 1987, páginas 129, 131.)

7 The New Encyclopædia Britannica (A Nova Enciclopédia Britânica), Macropœdia, Vol. 15 (1987), página 135, indica que "A maioria dos leucócitos estão fora da circulação [sanguínea] , e os poucos na corrente sanguínea estão-se a deslocar de um sítio para outro." Classificá-los como sendo uma "componente maior do sangue" é de certa forma como dizer que os passageiros que viajam num combóio são uma parte ou a totalidade do pessoal do sistema ferroviário. O Dr. C. Guyton, em The Textbook of Medical Physiology (O Manual da Fisiologia Médica; 7.ª ed., Saunders Company, Filadélfia), página 52, explica que a principal razão porque os leucócitos estão presentes no sangue "é simplesmente para serem transportados da medula óssea ou tecido linfático para os sítios do corpo em que são necessários."

8 Há evidência de que a cifra apresentada no gráfico da Despertai! não é exata e que o percentual de leucócitos poderia aproximar-se de cerca de 1% do volume total do sangue. De qualquer modo, a fração é tão pequena que a Despertai! nem sequer tenta mostrá-la no tubo de ensaio da imagem, e está incluída com as plaquetas que, deve-se notar, constituem elas próprias cerca de 2/10 de 1% do total do sangue. As plaquetas também estão na lista das componentes proibidas.

9 The New Encyclopædia Britannica (A Nova Enciclopédia Britânica), Macropœdia, Vol. 15 (1987), página 135; J. H. Green, An Introduction to Human Physiology (Uma Introdução à Fisiologia Humana), 4.ª ed. (Oxford: Oxford University Press, 1976, página 16). Acerca da quantidade de leucócitos no leite humano, veja Armond S. Goldman, Anthony J. Ham Pong, e Randall M. Goldblum, "Host Defenses: Development and Maternal Contributions," Year Book of Pediatrics ("Defesas do Hospedeiro: Contribuições do Desenvolvimento e Maternais," Anuário de Pediatria; Chicago: Year Book Medical Publishers, Inc., 1985), página 87.

10 Gênesis 9:3, 4; Levítico 7:26, 27; 17:11-14; Deuteronômio 12:22-24.

11 Existem cerca de 50 gramas de albumina num litro de sangue. Portanto, para obter 600 gramas, são necessários uns 12 litros de sangue.

12 Este número foi calculado dividindo a quantidade de globulina gama numa seringa pela quantidade encontrada num litro de sangue.

13 Em 1900 era apenas 11 anos.

14 Esta estimativa é muito conservadora. O verdadeiro número é provavelmente muito maior na maioria dos casos. A Sentinela de 1° de outubro de 1985 (página 23) afirma que "cada unidade de Fator VIII é feita de plasma que é extraído de uns 2.500 doadores de sangue."

15 A posição da organização sobre isto é exposta, com muitos detalhes técnicos e raciocínios, em A Sentinela de 1.° de março de 1989, páginas 30 e 31.

16 Veja a Despertai! de 22 de dezembro de 1982, página 22; A Sentinela de 1.° de dezembro de 1978, páginas 30, 31. Esta regra foi feita durante o período em que o risco da SIDA -- embora nessa altura não existisse essa percepção -- era alto; desde esse tempo, testes de despistagem e tratamento por calor têm reduzido grandemente o risco desta infeção relacionada com o sangue.

17 Veja a Despertai! de 22 de dezembro de 1982, página 22.

18 Elisabeth Rosenthal, artigo intitulado "Cegos pela Luz," revista Discover (Descoberta), Agosto de 1988, páginas 28-30.

19 A minha esposa teve uma hemorragia que quase lhe causou a morte em 1970 quando o seu número de plaquetas [no sangue] caiu das normais 200.000 a 400.000 por milímetro cúbico para cerca de 15.000 por milímetro cúbico. Depois de dias de hemorragia grave, ela foi internada num hospital de Brooklyn e tanto ela como eu tornamos clara a nossa rejeição de plaquetas ou quaisquer outros produtos derivados do sangue (incluindo aqueles que depois dessa altura foram considerados "permitidos" pela organização.) Felizmente, duas semanas depois e tendo continuado com a terapia de prednisone, ela recuperou a saúde normal. Portanto, o que eu declaro neste livro não é devido a qualquer relutância pessoal em encarar a perda de um ente querido se eu acreditasse que a aderência à vontade de Deus o requeria.

20 Romanos 6:14; 10:4; Hebreus 8:6, 13.

21 Contrariamente às alegações da Torre de Vigia, nas Escrituras o sangue, em si mesmo, representa constantemente -- não a vida -- mas a morte, representando figurativamente a vida perdida ou sacrificada. Compare com Gênesis 4:10, 11; 37:26; 42:22; Êxodo 12:5-7 (compare este texto com 1 Pedro 1:18, 19); Êxodo 24:5-8; Mateus 23:35; 26:28; 27:24, 25, e assim sucessivamente. Quando faz parte de uma criatura viva, o sangue pode representar a vida ou uma "alma" vivente.

22 Levítico 17:13, 14; Deuteronômio 12:15, 16, 24, 25.

23 Conforme George Christoulas indicou, colocar a importância do sangue como símbolo acima da importância da própria vida é de certa forma como um homem dar mais importância ao seu anel de casamento (símbolo do seu estado de casado) do que ao seu próprio casamento, ou à sua esposa. É como se, colocado perante a escolha do sacrifício da sua mulher ou do sacrifício do seu anel do casamento, ele optasse por salvar o anel de casamento.

24 Romanos 3:27; 6:14; 10:4; Gálatas 3:10, 11, 23-25; Tiago 2:8, 12.

25 A Sentinela de 1.° de fevereiro de 1959 (páginas 95, 96), declara que "Cada vez que se menciona a proibição do sangue nas Escrituras, é em relação com tomá-lo como alimento, é como nutrição que nos interessa sua proibição." Esta ainda parece ser a posição básica e por isso a Sociedade argumenta que uma transfusão de sangue é o mesmo que comer sangue, introduzi-lo no corpo como alimento.

26 Despertai! de 22 de Outubro de 1990, página 9. Numa tentativa de reclamar apoio médico para o seu ponto de vista do sangue transplantado como "alimento" para o corpo, as publicações da Torre de Vigia têm recorrido sempre a citações de alguma fonte médica de séculos anteriores, como o francês Denys do século 17. (Veja, por exemplo, A Sentinela de 15 de Abril de 1985, página 13.) Eles não conseguem citar uma única autoridade moderna em apoio deste seu ponto de vista.

27 A Sociedade Torre de Vigia comparou em tempos uma transfusão com injetar álcool nas veias. Mas o álcool é um líquido muito diferente, já está numa forma que as células do corpo conseguem absorver como nutriente. O álcool e o sangue são completamente diferentes neste aspecto.

28 Veja, por exemplo, a Sentinela de 1.º de março de 1989, página 30; 15 de abril de 1985, página 12.

29 Veja, por exemplo, a Sentinela de 1.º de Junho de 1990, páginas 30, 31. O apóstolo Pedro declara que Cristo "levou os nossos pecados no seu corpo para a cruz, para que, livres dos pecados, possamos viver para a justiça, e pelas suas feridas fostes curados." (1 Pedro 2:24, NRSV; compare com Isaías 53:4, 5; Atos 28:27.) Mas isto certamente não justifica que se diga que o fato de uma pessoa tentar curar feridas ou outras doenças físicas recorrendo a tratamento médico é equivalente a mostrar falta de apreço pelo poder curativo de Cristo naqueles aspectos espirituais vitais.

30 Atos 15:20, 29.

31 Atos 15:5.

32 Atos 15:10.

33 Atos 15:19-21.

34 Compare com Atos 13:44-48; 14:1; 17:1-5, 10-12, 15-17; 18:4.

35 Compare com Atos 18:1-4, 24-28.

36 Mais uma vez, se aqui atribuíssemos um sentido absoluto à expressão 'abster-se do sangue,' encarando-a como uma espécie de proibição total, isto significaria que não nos podíamos submeter a nenhum tipo de análises ao sangue, não nos poderíamos submeter a cirurgias a menos que fossem do tipo que não envolve sangue, e teríamos de "permanecer afastados" do sangue de outras maneiras em todos os aspectos. O contexto não dá nenhuma indicação que tal proibição fosse pretendida e indica em vez disso que a ordem era direcionada especificamente à própria ação de comer o sangue.

37 Já em 15 de Abril de 1909, a Sentinela reconheceu que era esta a intenção da carta, ao dizer (página 117): "As coisas que são aqui recomendadas eram necessárias para a preservação da convivência no 'corpo' composto por judeus e gentios com a sua educação e sentimentos diferentes."

38 Atos 15:5, 23-29.

39 Isto é discutido no Guia de Correspondência proposto, sob "Escolas, Educação Secular."

40 Veja a Sentinela de 1.° de junho de 1965, páginas 330, 331; também a Sentinela de 1.° de outubro de 1975, página 600 acerca do manuseamento de sangue para transfusões. O Guia de Correspondência revisto (tal como foi submetido) diz que o médico ou enfermeira podem administrar tal transfusão se forem "mandados por um superior."

41 Deuteronômio 14:21.

42 Deve-se notar que a mesma Sentinela de 1.° de junho de 1965 também deixa como uma questão de consciência a venda por um merceeiro ou um trabalhador do talho de chouriço de sangue "a uma pessoa mundana." Parece que, tendo decidido usar esta parte da lei Mosaica para justificar a posição tolerante em relação aos profissionais médicos, o escritor da matéria também achou necessário incluir este comentário acerca dos merceeiros e dos trabalhadores do talho. Contudo, mais uma vez, isto não é vender carne de animais não sangrados, trata-se antes da venda de um produto feito através da recolha e do armazenamento e da preparação de sangue -- condenada em todas as outras situações pela política da Torre de Vigia.

43 Nos Estados Unidos, os médicos e advogados que são Testemunhas têm encontros anuais para discutir assuntos como "confidencialidade e privilégios" nas suas relações com as outras Testemunhas, e tópicos similares. Duvido sinceramente que qualquer Testemunha com uma profissão de menor estima pudesse fazer reuniões semelhantes sem que estas fossem encaradas reprovadoramente ou desencorajadas pela organização.

44 Veja Judaísmo, Vol. II, por George Foot Moore (Cambridge, Harvard University Press, 1954), páginas 31, 32.

45 Mateus 23:27, 28, JB.

46 Romanos 13:8-10, NW.

47 1 Coríntios 8:1-12, PME.

48 Com respeito à imoralidade sexual (ou "fornicação," em algumas traduções), também incluída na carta de Jerusalém, o apóstolo não apresenta isto como algo que pode ser certo ou errado, dependendo de causar ou não tropeço. Ele evidentemente encarava-a como não tendo nenhuma justificação. No entanto, também não é apresentada nenhuma regra legal como sendo necessária para que o cristão reconheça a necessidade de evitar a imoralidade sexual. Conforme Paulo observa em 1 Coríntios 6:13-19, se a pessoa é guiada pela lei do amor, achará isso inadmissível, reconhecendo a imoralidade sexual como um mau uso do seu corpo, que está em união com Cristo. (Veja também 1 Tessalonicenses 4:3-6.)

49 1 Coríntios 10:29, 30, NW.

50 1 João 4:20; 1 Coríntios 12:12-26; Efésios 4:15,16.

51 Colossenses 3:14, 1 Coríntios 13:4-7.

52 Numa carta escrita por Leslie R. Long, advogado da Torre de Vigia, datada de 29 de Março de 1987, ele refere-se a um comitê judicial congregacional como sendo "um tribunal eclesiástico." Se o termo se aplica a nível congregacional, é muito mais aplicável no nível mais elevado, em que o Corpo Governante funciona como um "tribunal eclesiástico" supremo.

53 Gálatas 5:22, 23, NIV.

54 Tiago 2:12, 13, JB.


Notas do Capítulo 15

1 2 Coríntios 4:4; Lucas 2:10.

2 Mateus 24:14.

3 Ezequiel 9:1-11; veja a Watchtower de 1.º de Março de 1985, página 14.

4 The Watchtower, 15 de Setembro de 1988, páginas 14, 15.

5 Revelação 14:6.

6 Por exemplo, em 1961 as Testemunhas de Jeová relataram 900.000 membros, os adventistas 1.200.000 membros. Em 1984, as Testemunhas de Jeová tinham aumentado para 2.800.000, os adventistas para 4.000.000. Os mórmons aumentaram aproximadamente na mesma proporção durante o mesmo período. Há poucos anos a Igreja Mórmon (Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos últimos Dias) relatou 6.2 milhões de membros, dos quais 2.2 milhões em cerca de 115 terras fora dos Estados Unidos. Os padrões para determinar se alguém é "membro" certamente variam -- as Testemunhas só alistam aqueles que relatam tempo no "serviço de campo," enquanto as outras religiões referidas incluem um leque mais vasto -- mas seja qual for o padrão, o fato é que a taxa de crescimento ou percentagem de aumento numérico é aproximadamente a mesma.

7 Poderíamos considerar como apenas um exemplo moderno a religião chamada Igreja de Jesus Cristo fundada na década de 1920 por Simon Kimbangu no país africano do Zaire. Hoje tem aproximadamente 7 milhões de membros em vários países.

8 Esta média é calculada a partir das horas dos "pioneiros" de tempo inteiro junto com as dos "publicadores da congregação."

9 Como na Watchtower de 1.º de Março de 1985, página 21.

10 Os números citados nestes parágrafos são tirados dos quadros das edições da Watchtower de 1.º de Janeiro de 1990 e de 1991.

11 Esta regra era assim para que eles pudessem evitar a expulsão do país como sendo culpados de fazer proselitismo.

12 Veja a Watchtower de 15 de Abril de 1971, páginas 285-287; 15 de Junho de 1965, páginas 366, 367; Awake!, 8 de Novembro de 1963, páginas 27, 28.

13 Veja, por exemplo, a Watchtower de 15 de Novembro de 1957, páginas 694, 695.

14 A assembléia realizou-se de 7 a 10 de Agosto no Salão de Assembléias de Long Island City das Testemunhas de Jeová.

15 Veja a Awake! de 8 de Julho de 1990, página 28.

16 Mesmo na China (onde as Testemunhas estabeleceram uma plataforma modesta) existem cerca de 4.000 igrejas Protestantes que abriram novamente desde a violenta Revolução Cultural de 1966-76. Ao todo, cerca de 2.9 milhões de Bíblias foram produzidas na China só desde 1980, e a provisão de 5 milhões de dólares americanos em 1986 pela United Bible Society (Sociedade Bíblica Unida) em equipamento de impressão aumentou consideravelmente a produção. Em vista das fortes restrições governamentais que ainda existem, isto é ainda mais notável. E no entanto aqueles que promovem e realizam esta tarefa são todos classificados, segundo a doutrina da Watch Tower, como parte de "Babilônia a Grande," a grande meretriz e inimiga violenta do cristianismo.

17 Veja as declarações de representantes altamente colocados citadas no Capítulo 6, páginas 188, 189, 198, 200, 203, dizendo que relatar horas e "colocar" literatura são geralmente os objetivos da maioria dos "publicadores."

18 Evidência adicional para esta eficácia é indubitavelmente vista na notavelmente grande quantidade de tempo gasto mundialmente cada ano em comparação com o número de pessoas batizadas. Durante os dez anos de 1981 a 1990, foram necessárias em média 3003 horas de serviço de campo para cada pessoa levada ao batismo. Isto é equivalente a gastar 8 horas por dia durante 375 dias para encontrar e levar uma pessoa ao batismo. A média atual é mais do que o dobro da média durante a década de 1950 (nesse tempo era 1283 horas de serviço de campo por pessoa batizada).

19 Memorando de Dallas F. Wallace, que ainda é um ancião proeminente e uma figura destacada na aquisição de propriedades pela organização.

20 De um memorando submetido por Charles F. Leibensperger, 1 de Março de 1978. Ele é um ex-membro do pessoal da sede e ainda é um ancião destacado.

21 Certa ocasião, quando havia um grande stock de uma certa publicação, embora esse livro tivesse sido estudado anteriormente por todas as congregações nos grupos "de estudo do livro", a sede tornou a programar o uso dessa publicação, sabendo que o número de novas pessoas que entretanto se tinham começado a associar levariam grande parte senão todo o stock. A necessidade de acabar com aquele stock determinou como é que centenas de milhares de pessoas gastariam muitas horas do seu estudo. O que as suas necessidades espirituais de fato indicavam como apropriado não foi o fator determinante.

22 2 Coríntios 4:4.


Notas do Capítulo 16

1 W. J. Brown, que faleceu em 1960; não pude determinar se as expressões dele citadas aqui são de um discurso ou tratado.

2 As palavras de Brown são um eco daquelas expressas anteriormente por Dean Inge (1860-1954) que disse: "Toda a instituição, até mesmo a igreja, acaba por estrangular as idéias para cuja proteção foi fundada." (Citado na revista Good News Unlimited [Boas Novas Ilimitadas] de Outubro de 1989, página 10.)

3 João 7:24, PME.

4 Mateus 7:1-5.

5 Mateus 23:25-28.

6 Citado em Awake! de 22 de Maio de 1987, página 15.

7 The Watchtower, 1.º de Outubro de 1983, página 5.

8 Veja Mankind's Salvation Out of World Distress at Hand! [é Iminente a Salvação do Homem da Aflição Mundial; 1975] páginas 188, 203, 204; The Watchtower de 15 de Março de 1986, página 20; 1.º de Outubro de 1983, páginas 4-7.

9 1 Coríntios 13:13.

10 1 Coríntios 3:11, 21-23, JB.

11 João 14:6.

12 Tradução NAB.

13 Compare com Revelação 3:1, 2, 17, 18.

14 Gálatas 5:22, 23, JB.

15 Os outros instrutores designados foram Edward Dunlap, Ulysses Glass e Fred Rusk.

16 Tiago 3:17, 18.

17 Compare com Isaías 58:1; Hebreus 11:36-38; 12:1-3.

18 Atos 4:5, 12, 18-20; 5:27-29.

19 Compare com 1 Coríntios 13:3.

20 1 Coríntios 1:26, 27, 29.

21 Hebreus 11:32-34, NEB.


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