As Testemunhas de Jeová, o Anti-Semitismo e o Terceiro Reich

A Tentativa de Colaboração com o Nazismo Protagonizada Pela Sociedade Torre de Vigia

M. James Penton


Ao longo dos anos a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados tem dito às Testemunhas de Jeová que enquanto as igrejas alemãs foram culpadas de colaboração com Hitler e com o Partido Nazi, os seus irmãos alemães, geralmente conhecidos como "Sérios Estudantes da Bíblia", tomaram uma posição firme contra os princípios do Terceiro Reich. Devido à posição corajosa tomada por Testemunhas alemãs face a uma perseguição terrível que custou a vida a muitas delas nos campos de concentração de Hitler, elas têm sido corretamente elogiadas por historiadores seculares.

Por exemplo, a revista Sentinela de 1.º de janeiro de 1986 (p. 32) relatou os resultados das investigações de Christine E. King e Michael Kater relativas ao fato de o número de Testemunhas presas e mortas devido à perseguição Nazi ter sido grandemente subavaliado. Citando a Dr.ª King, a revista declarou:

"Aderiu-se a princípios teológicos; as Testemunhas permaneceram 'neutras', eram honestas e totalmente dignas de confiança e, como tais, ironicamente, amiúde se viam na condição de serviçais de membros da S.S."

Contudo, o que não tem sido geralmente conhecido pela maioria das Testemunhas de Jeová nem por muitos acadêmicos independentes é que enquanto Testemunhas alemãs comuns mantiveram em geral a sua integridade e aderência a princípios, os seus líderes -- Rutherford, Knorr e altos funcionários da Torre de Vigia alemães -- não o fizeram. Rutherford e os outros líderes da Torre de Vigia tentaram salvar o ramo alemão do seu movimento fazendo dos judeus bodes expiatórios.

Durante a primeira metade da história dos Estudantes da Bíblia-Testemunhas de Jeová, a sua posição pró-judaísmo era notória. Tal como certos milenaristas protestantes americanos do fim do século dezanove e do início do século vinte, C. T. Russell era um forte apoiante de causas Sionistas. Ele recusou tentar converter os judeus, acreditava no restabelecimento dos judeus na Palestina, e em 1910 dirigiu uma audiência judaica em Nova Iorque no canto do hino Sionista, o Hatikva.1 Durante algum tempo o Juiz Rutherford seguiu os seus passos. Em 1926 ele escreveu um pequeno livro intitulado Comfort for the Jews (Conforto Para os Judeus) que sugeria que a migração judaica para a antiga Terra Santa era um cumprimento da profecia bíblica. Quatro anos mais tarde ele escreveu um livro similar, mais extenso, intitulado Life (Vida).

Mas, subitamente, Rutherford repudiou as suas crenças a respeito dos judeus. O livro Vida foi retirado de circulação2 e em 1932 Rutherford proclamou que o "Israel carnal" não tinha nenhum papel específico a desempenhar na história da salvação. Talvez o Juiz estivesse simplesmente ansioso em defender que as Testemunhas de Jeová eram o "verdadeiro Israel de Deus", mas ele pode ter tido outras razões para fazer uma mudança doutrinal dramática desse tipo. No fim da década de 1920 e princípio da década de 1930 o anti-semitismo estava a tornar-se exacerbado nos Estados Unidos e no Canadá com o aparecimento de uma variedade de movimentos, tanto religiosos como políticos.3 Também nessa altura, com o começo da Depressão em 1929, começou a parecer possível que os Nazis, violentamente anti-judeus, pudessem chegar ao poder na Alemanha -- o que aconteceu em 30 de Janeiro de 1933. Portanto, Rutherford estava provavelmente ansioso em separar de todas as maneiras possíveis as Testemunhas da comunidade judaica. No entanto, isso não pode de maneira nenhuma desculpar o que o presidente da Torre de Vigia e os seus ajudantes estavam prestes a fazer no primeiro ano do Terceiro Reich.

No princípio de Abril de 1933 os Nazis tomaram ação contra as Testemunhas de Jeová. A sua sede da filial em Magdeburg foi penhorada e as suas atividades religiosas pararam temporariamente. Mas em 28 de Abril as autoridades alemãs devolveram as propriedades à Sociedade Torre de Vigia, e as Testemunhas começaram a reunir-se novamente para continuar o seu proselitismo de casa em casa. Contudo, os líderes das Testemunhas e as Testemunhas de Jeová em geral sabiam que não eram populares junto dos Nazis. Portanto, foi nesse tempo, segundo a versão tradicional das Testemunhas, que o Juiz Rutherford e a comunidade de Testemunhas alemãs decidiram tomar uma posição destemida contra a ditadura de Hitler. O livro Jehovah's Witnesses in the Divine Purpose (As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino) declara:

"O Juiz Rutherford tinha estado a observar de perto a situação alemã e estava bem familiarizado com o seu desenvolvimento pois afetava o trabalho das Testemunhas. Com este sério desenrolar dos acontecimentos, ele não perdeu tempo em ir à Alemanha, acompanhado por N. H. Knorr, para ver o que podia ser feito. Em 25 de Junho [...], foi convocado um congresso em Berlim. A Declaration of Facts (Declaração de Fatos) foi apresentada às 7.000 pessoas na assistência em protesto contra o governo de Hitler pela sua forte interferência com o trabalho de testemunho da Sociedade, e foi unanimemente [sic] adotada. A declaração foi enviada a todos os altos oficiais do governo desde o presidente até aos membros do conselho, e 2.500.000 cópias foram distribuídas ao público. A retaliação veio rapidamente. Três dias depois, em 28 de Junho, a propriedade da Sociedade foi penhorada e ocupada, e as suas instalações de impressão foram fechadas por decreto governamental."4

Será que a penhora da propriedade da Torre de Vigia e a proscrição completa das Testemunhas de Jeová pelo governo alemão aconteceram realmente porque a Declaração de Fatos era um firme protesto contra as ações Nazis? Não, muito pelo contrário: aquele documento não passava de uma declaração covarde, interesseira, na qual Rutherford e os seus lacaios tentaram fazer a comunidade das Testemunhas ganhar a simpatia dos Nazis, atacando a Grã-Bretanha, os Estados Unidos, a Liga das Nações, e acima de tudo, os judeus. Numa secção intitulada "Judeus", a declaração diz:

«Somos falsamente acusados pelos nossos inimigos de termos recebido dos judeus apoio financeiro para o nosso trabalho. Nada está mais longe da verdade. Até este momento, nunca houve a mínima quantia de dinheiro contribuída para o nosso trabalho pelos judeus. Nós somos os seguidores fiéis de Cristo Jesus e acreditamos Nele como sendo o Salvador do mundo, enquanto os judeus rejeitam inteiramente Jesus Cristo e negam enfaticamente que ele seja o Salvador do mundo enviado por Deus para o bem do homem. Por si só, isto devia ser prova suficiente em como nós não recebemos nenhum apoio dos judeus e portanto as acusações contra nós são maliciosamente falsas e só podiam vir de Satanás, o nosso grande inimigo.

O maior e mais opressivo império na terra é o império anglo-americano. Por este queremos significar o Império Britânico, do qual os Estados Unidos da América são uma parte. Foram os homens de negócios judeus do Império anglo-americano que estabeleceram e têm mantido o Alto Comércio como um meio de explorar e oprimir os povos de muitas nações. Este fato aplica-se particularmente às cidades de Londres e Nova Iorque, a fortaleza do Alto Comércio. Este fato é tão manifesto na América que existe um provérbio a respeito da cidade de Nova Iorque que diz: "os judeus são donos dela, os católicos irlandeses governam-na, e os americanos pagam as faturas." Nós não temos nenhuma luta contra estas pessoas que mencionámos, mas como Testemunhas para Jeová e em obediência ao seu mandamento apresentado nas Escrituras, somos compelidos a chamar a atenção para a verdade acerca deles para que as pessoas possam ser iluminadas a respeito de Deus e do seu propósito.»5

Isto não é tudo. Além de condenar a Liga das Nações, a declaração dizia:

"O governo atual da Alemanha declarou-se contra os opressores que controlam o Alto Comércio e em oposição à influência religiosa errada nos assuntos políticos da nação. Essa é exatamente a nossa posição."6

Em seguida proclamou:

"Em vez de sermos contra os princípios advogados pelo governo da Alemanha, nós defendemos sinceramente tais princípios, e sublinhamos que Jeová Deus através de Cristo Jesus trará a realização plena desses princípios."7

É claro que, como as Testemunhas descobririam em breve, os Nazis não ficaram impressionados e desencadearam uma onda de perseguição contra elas quase de imediato. Foi então, e só então, que Rutherford, a Sociedade Torre de Vigia e os líderes das Testemunhas alemãs decidiram opor-se às políticas Nazis de uma maneira intransigente. A Sociedade Torre de Vigia ainda se gaba da fidelidade das Testemunhas de Jeová alemãs aos princípios cristãos sob o Terceiro Reich, mas também continua a tentar esconder a tentativa de compromisso dos seus líderes com os Nazis em 1933. Embora a Sentinela de 1.º de janeiro de 1986 cite o livro The Nazi State and the New Religions (O Estado Nazista e as Novas Religiões) de Christine King, não menciona o que a Dr.ª King escreveu acerca da Declaration of Facts (Declaração de Fatos) da Sociedade. Por exemplo, numa breve avaliação desse documento, ela faz uma observação que é, se encarada do ponto de vista das Testemunhas, muito incriminatória. Ela declara:

"O documento é uma obra prima no género e digna das outras quatro seitas [os Cientistas Cristãos, os Santos dos Últimos Dias, os Adventistas do Sétimo Dia e membros da Nova Igreja Apostólica], tendo todas elas apoiado, de uma maneira ou de outra, o estado Nazi."8

Noutro parágrafo ela diz:

"Tendo tentado assegurar às autoridades, pela Declaração de Fatos, que eram bons cidadãos, tendo interpretado e explicado os seus ensinos de um modo que, dadas as preocupações do regime, pretendia acalmar medos e oferecer uma certa medida de compromisso, as Testemunhas parecem ter esperado que daí em diante não teriam mais incómodos. Não se tinha a declaração juntado aos Nazis na condenação da Liga das Nações, não tinha descrito o Nacional Socialismo como estando contra as injustiças que os alemães tinham sofrido desde 1919 e não tinha terminado com um apelo pessoal ao Führer?"9

Portanto é francamente impossível que a liderança atual da Sociedade possa estar ignorante a respeito da Declaração e da sua natureza comprometedora e anti-semita. Contudo, quando confrontados com os fatos, os porta-vozes da Sociedade Torre de Vigia negam tudo categoricamente, e na revista Awake! (Despertai!) de 8 de Junho de 1985 (p. 10, em inglês) -- depois de condenarem o clero de outras igrejas por ter apoiado o Nazismo -- proclamaram:

"Contudo, houve um grupo na Alemanha que defendeu corajosamente os princípios cristãos. Esse grupo foram as Testemunhas de Jeová. Contrariamente ao clero e aos seus seguidores, as Testemunhas recusaram colaborar com Hitler e com os Nazis. Elas recusaram-se a violar os mandamentos de Deus. Elas não quebrariam a sua neutralidade cristã em assuntos políticos. (Veja Isaías 2:2-4; João 17:16; Tiago 4:4.) Elas não atribuíram Heil, ou salvação, a Hitler, como fizeram a grande maioria dos rebanhos do clero."

É difícil imaginar como é que os líderes de uma organização religiosa que alega ser o único canal de verdade de Deus na terra podem ser culpados de tais mentiras e hipocrisia descaradas, mas que são culpados, são. Os fatos falam por si mesmos. Mas há mais a ser dito sobre o assunto além do que é discutido acima. Por causa das suas pretensões ultrajantes, os homens que governaram e governam as Testemunhas de Jeová têm sido culpados de pecados muito mais terríveis.


Notas

1 Para um estudo completo do sionismo de Russell, veja David Horowitz, Pastor Charles Taze Russell: An Early American Christian Zionist (Pastor Charles Taze Russell: Um dos Primeiros Sionistas Cristãos Americanos) (New York: Philosophical Library, 1986).

2 Existe uma recensão crítica da Torre de Vigia sobre o livro Life (Vida), escrita depois de Rutherford ter mudado a política da Sociedade Torre de Vigia em relação aos judeus, na The Golden Age (A Idade de Ouro) de 26 de Outubro de 1932, p.54.

3 O movimento mais importante entre estes era o Ku Klux Klan, que estava muito difundido em ambos os países. Mas o Klan -- que também era contra os Caucasianos e contra os Católicos -- era apenas um desses movimentos. O anti-semitismo também era abundante entre os Católicos Americanos e Canadianos, sendo alguns deles abertamente pró-fascistas. Isto acontecia especialmente na província do Quebeque.

4 P. 130.

5 Tradução do texto da edição inglesa do 1934 Year Book of Jehovah's Witnesses (Anuário das Testemunhas de Jeová de 1934) (Brooklyn, N.Y.: Watch Tower Bible and Tract Society, 1933), p.134.

6 ibid., p. 135.

7 ibid., p. 136.

8 Christine Elizabeth King, The Nazi State and the New Religions: Five Case Studies in Non-Conformity (O Estado Nazista e as Novas Religiões: Cinco Casos de Estudo de Não-Conformismo) (New York & Toronto: The Edwin Mellen Press, 1982), pp. 151, 152.

9 ibid.


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