Nenhum Homem Conhece a Minha História: A Vida de Joseph Smith (Nova Iorque: Vintage Books, 1995) de Fawn M. Brodie (1915-1981), pp. i-xx e contracapa.

FAWN M. BRODIE

Nenhum Homem Conhece a Minha História

A Sr.ª Brodie foi professora de história na Universidade de Califórnia em Los Angeles. Faleceu em 1981, pouco depois de completar o seu último livro, Richard Nixon: The Shaping of His Character.


Fawn M. Brodie (1915-1981)

Também por FAWN M. BRODIE

Richard Nixon: The Shaping of His Character (1981)
Thomas Jefferson: An Intimate History (1974)
From Crossbow to H-Bomb (com Bernard Brodie, 1973)
The Devil Drives: A Life of Sir Richard F. Burton (1967)
Thaddeus Stevens, Scourge of the South (1959)

Editados por Fawn M. Brodie

The City of the Saints por Richard F. Burton (1963)
Route from Liverpool to Great Salt Lake Valley
por Frederick Hawkins Piercy (1962)

Nenhum Homem Conhece a Minha História

[imagem]

JOSEPH SMITH

De uma pintura a óleo por Majors, feita em Nauvoo

F A W N   M.   B R O D I E


Nenhum Homem Conhece
a Minha História

A   V I D A   D E
Joseph Smith

O PROFETA MÓRMON
Segunda Edição, Revista e Ampliada


V I N T A G E   B O O K S

Uma Divisão de Random House, Inc.   Nova Iorque

R

PRIMEIRA EDIÇÃO VINTAGE BOOKS, AGOSTO 1995

Copyright 1945 por Alfred A. Knopf, Inc.
Copyright renovado 1973 por Fawn M. Brodie
Copyright © 1971 por Fawn M. Brodie
Copyright da tradução portuguesa © 2001 Osarsif. Todos os direitos reservados. https://osarsif.blogspot.com/

Reservados todos os direitos sob Convenções de
Direitos de Autor Internacionais e Pan-Americanas.
Publicado nos Estados Unidos por Vintage Books,
uma divisão de Random House, Inc., Nova Iorque, e
simultaneamente no Canadá por Random House of Canada Limited,
Toronto. Originalmente publicado em capa dura por Alfred A. Knopf
Inc., Nova Iorque, em 1945. Esta edição revista foi impressa pela
primeira vez em capa dura por Alfred A. Knopf, Inc., Nova Iorque, em 1971.

A Biblioteca do Congresso catalogou a edição Knopf como se segue:
Library of Congress Catalog Card Number: 71-136333
Vintage ISBN: 679-73054-0

Produzido nos Estados Unidos da América
10 9 8 7

À memória do meu primo
Tenente McKeen Eccles Brimhall
morto em França em 20 de setembro de 1944


Prefácio


Foi num sermão proferido num funeral que o profeta Mórmon lançou um desafio aos seus futuros biógrafos. Dirigindo-se a uma audiência de dez mil pessoas na sua cidade encantadora de Nauvoo, Joseph Smith disse em 7 de abril de 1844: "Vós não me conheceis; vós nunca conhecestes o meu coração. Nenhum homem conhece a minha história. Eu não a posso contar; nunca a empreenderei. Não culpo ninguém por não acreditar na minha história. Se não tivesse passado pelo que passei, eu próprio poderia não acreditar nela."

Desde esse momento de candura, pelo menos três vintenas de escritores aceitaram o desafio. Muitos abusaram dele; alguns deificaram-no; uns poucos tentaram fazer um diagnóstico clínico. Todos insistiram, direta ou implicitamente, que sabiam a história dele. Mas os resultados têm sido fantasticamente dissemelhantes.

Em biografias Mórmons oficiais, fizeram dele um profeta de estatura superior a Moisés. Pregadores do século 19 fizeram dele um velhaco devasso; e cronistas do século 20 têm ficado perturbados com o que diagnosticaram como ilusões paranóicas. A razão para estas opiniões díspares não é de modo algum a falta de dados biográficos, pois Joseph Smith ousou fundar uma nova religião na era da imprensa. Quando ele dizia "Assim disse o Senhor!", as palavras eram registadas por secretários e congeladas para sempre por escrito.

No entanto, poucos homens há que tenham escrito tanto e dito tão pouco sobre si mesmos. Procurar as fontes ocultas do seu caráter na sua autobiografia de seis volumes resulta em confusão. A razão é parcialmente que ele ditou tudo isso para os seus secretários como a história oficial da sua igreja. A história dele é a antítese de uma confissão.

Diz a lenda que pouco antes da sua morte ele colocou todos os seus registos privados num grande pote de cobre e ordenou a William Huntington que os enterrasse mais fundo do que o sulco do arado nalgum canto obscuro de Nauvoo. Mas mesmo que estes registos viessem miraculosamente à luz, é duvidoso que fossem mais reveladores do que os registos já publicados. Pois Joseph Smith, tal como a maioria dos grandes líderes naturais, raramente escreveu ou falou exceto quando tinha uma audiência em mente. É este fato que torna tão difícil avaliar o seu próprio relato sobre a sua vida adolescente, que foi escrito duas décadas depois, no auge da sua careira. E os últimos anos do seu diário -- no qual ele escreveu repetidas negações da poligamia -- não são menos problemáticos, pois após a sua morte uma dúzia de mulheres assinaram orgulhosamente declarações juramentadas dizendo que ele as tinha tomado como esposas.

Onde quer que Joseph Smith fosse, levantava uma tempestade, e desde os seus anos iniciais os jornais do país deram-lhe ampla publicidade. Cópias destes jornais, alguns dos quais antedatam todas as histórias Mórmons mais antigas, felizmente foram preservadas. Durante a sua curta e tumultuosa carreira Joseph foi posto em tribunal mais de vinte vezes, sob acusações que variavam entre a perturbação da paz e a traição. Muitos dos registos do tribunal ainda existem. Assim, não se dá o caso de faltarem documentos: antes, são muito contraditórios e -- ainda mais importante -- estão espalhados de Vermont até à Califórnia.

A tarefa de reunir estes documentos -- de peneirar relatos em primeira mão de plágio em terceira mão, de ajustar narrativas Mórmons e não-Mórmons num mosaico que constitua história credível, absorvendo ainda assim as realidades há muito esquecidas da religião e política entre 1805 e 1844 -- não é monótona. É excitante e esclarecedor ver nascer uma religião. E a de Joseph Smith não era uma mera seita dissidente. Era uma criação religiosa real, projetada para ser para o cristianismo o que o cristianismo foi para o judaísmo: isto é, uma reforma e uma consumação.

Mas a história de Joseph Smith é mais do que a história de uma nova religião. Se fossemos inescrupulosamente seletivos na escolha de detalhes, poderíamos fazê-lo parecer não apenas um profeta mas também uma ameaça política -- um ditador completo com exército, ministério da propaganda e polícia secreta que criou um domínio autoritário na fronteira americana. É fácil traçar um paralelo entre as suas teorias raciais não científicas, a sua organização autocrática, e a sua ambição sem limites e as teorias, organizações e ambições de ditadores modernos. Mas contentar-se em traçar esses paralelos é rejeitar a história em favor de jornalismo amarelo.

É verdade que Joseph Smith fez tábua rasa de tradições americanas muito prezadas -- a separação rígida entre igreja e Estado, a santidade da propriedade privada, e a inviolabilidade do código matrimonial. E foi a sua destruição de uma máquina impressora da oposição que precipitou o seu linchamento. Mas também é verdade que ele era puramente um produto Yankee e que muito do que era bom no folclore e pensamento americano foi incorporado nos seus escritos e na sua igreja. A pedra angular da sua metafísica era esse conceito viril que dominava todo o espírito americano e que de fato era o ideal mais nobre de Jesus e Buda: que o homem é capaz de progresso eterno em direção à perfeição.

Mas o conceito que Joseph tinha da perfeição não era de modo nenhum exclusivamente espiritual. O reino de Deus sobre a terra, na concepção dele, estava repleto do entusiasmo Yankee por bênçãos terrestres. Ninguém combinou de forma mais engenhosa do que ele o misticismo judaico e cristão com o objetivo da prosperidade perpétua. "Adão caiu para que os homens pudessem existir", escreveu ele, "e os homens existem para que possam ter alegria." E para Joseph Smith a alegria vinha, não da contemplação melancólica, mas de planear cidades maiores e melhores, construir templos maiores e mais nobres, e criar para si mesmo o núcleo de um império americano.

A fonte do seu poder não residia na sua doutrina mas na sua pessoa, e a rara qualidade do seu gênio não se devia ao seu raciocínio mas antes à sua imaginação. Ele era um fazedor de mitos de talento prodigioso. Depois de cem anos, os mitos que ele criou ainda são uma força motivadora nas vidas de milhões de seguidores. O poder motivador do mormonismo era uma fábula -- uma fábula que poucos convertidos paravam para questionar, pois o seu significado parecia profundo e a sua inspiração era contagiosa.


Prefácio à Segunda Edição


Nos vinte e cinco anos desde a primeira impressão desta biografia outros além de mim fizeram muita investigação em documentos relativos à vida de Joseph Smith, e publicaram material considerável que acrescenta muito à minha própria investigação. Estes mesmos anos também viram o crescimento contínuo de uma considerável literatura clínica sobre o comportamento humano, alguma da qual é decididamente relevante para uma compreensão dos aspectos mais confusos do caráter do profeta Mórmon. No entanto, ainda não existe uma avaliação competente de Joseph Smith por um psicólogo, psiquiatra ou psicanalista. Escrevi um suplemento para esta edição que pretende informar o leitor sobre a natureza das descobertas históricas, particularmente a respeito da "primeira visão" de Joseph Smith e do seu controverso Livro de Abraão. O suplemento também inclui especulação adicional sobre a natureza da sua evolução, mas não pretende ser um retrato clínico completo, que teria de ser o trabalho de um especialista baseado num conhecimento muito mais íntimo do homem do que é possível presentemente.

As novas descobertas não precisam de revisões importantes nesta biografia. Pelo contrário, creio que os novos dados na generalidade tendem a apoiar as minhas especulações originais sobre o caráter de Joseph Smith. O texto desta edição contém alguns acréscimos significativos, mas não são longos, e foram incorporados no original de um modo que permite que a paginação permaneça inalterada. Foram apagados alguns detalhes específicos que novas descobertas mostraram não serem exatos. Devido às dificuldades técnicas envolvidas em acréscimos e eliminações massivas, decidi colocar o relato detalhado do novo material no suplemento. Este deve ser lido como um acréscimo, e não como uma correção, ao próprio texto.

Foi publicado considerável novo material sobre as muitas esposas de Joseph Smith; uma nova listagem elaborada por Jerald e Sandra Tanner, no seu Joseph Smith and Polygamy [Joseph Smith e a Poligamia] (Salt Lake City, 1969), eleva o número putativo para oitenta e quatro. A evidência para os casamentos adicionais vem de registos de "selagens" no templo, em Utah. O que complica o uso de tal evidência é o fato de mais de duzentas mulheres, aparentemente a seu próprio pedido, terem sido seladas como esposas de Joseph Smith depois da morte dele em cerimônias de templo especiais. Além disso, muitas mulheres distintas da história, incluindo várias santas católicas, também foram seladas a Joseph Smith em Utah. Vi estas listas espantosas nos Arquivos Genealógicos dos Santos dos Últimos Dias em Salt Lake City em 1944. Rejeitei todos esses nomes exceto aqueles como Nancy Hyde e Patty Sessions, onde havia evidência adicional de algum tipo de casamento em Nauvoo. Não considerei um registo de templo do Utah como evidência suficiente.

Na medida em que é impossível distinguir entre aquelas mulheres que pediram a selagem depois da morte de Joseph Smith e aquelas que queriam uma selagem adicional num templo do Utah para solenizar ainda mais uma cerimônia de algum tipo que ocorrera em Nauvoo, manterei o número de esposas tentativamente em quarenta e oito. Concedo de bom grado, porém, que esta lista está incompleta e que pode bem ser expandida, talvez muito expandida, caso nova evidência adicional de manuscritos se torne disponível.

Em anos passados tentei em impressões sucessivas eliminar pequenos erros fatuais à medida que me foram indicados. Espera-se que esta edição veja a eliminação de quase todos eles. Claro que não mudei tudo o que críticos disseram ser erros, porque considero muitos destes criticismos subjetivos, interpretativos e muitas vezes completamente inexatos.

A investigação para esta nova edição levou-me de volta para um pântano de material contraditório, para o qual não estava ansiosa de voltar. Mas a experiência provou-se divertida em vez de depressiva. Achei impressionante a qualidade infatigável de muitos dos jovens historiadores do Mormonismo, alguns dos quais seguem altos padrões de investigação. Material importante que tinha sido mantido enterrado durante gerações tem sido libertado dos arquivos da Igreja Mórmon em Salt Lake City. A honestidade e coragem dos editores do novo jornal Mórmon, Dialogue, que não é censurado pelos líderes da igreja, tem tornado possível a disseminação de pesquisa valiosa que em tempos anteriores não teria encontrado saída. O medo de punições por parte da igreja por dissidência legítima parece ter desaparecido largamente e estou feliz por agradecer especificamente a vários historiadores que floresceram no novo clima de libertação.

FAWN M. BRODIE
Pacific Palisades
1970


Agradecimentos


Como a investigação em história Mórmon é primariamente investigação em bibliotecas, devo muito à paciência e amizade de bibliotecários da Universidade de Chicago, Sociedade Histórica do Estado do Utah, Sociedade Histórica da Reserva do Oeste, Biblioteca Pública de Nova Iorque, Biblioteca do Estado de Nova Iorque e Biblioteca do Congresso. A Biblioteca Huntington forneceu-me um microfilme das cartas mais antigas de Oliver Cowdery. Os funcionários do condado em Chardon, Ohio, e em Woodstock, Vermont, não pouparam esforços para desenterrar para mim antigos registos de tribunal envolvendo Joseph Smith e o seu pai.

Estou em dívida para com o Dr. Frederick M. Smith, presidente da Igreja Reorganizada de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, pela autorização para examinar as cartas de Emma Smith e outro material de manuscritos em Independence, Missouri, e estou grata pelas muitas cortesias do Sr. Israel A. Smith e do Sr. S. A. Burgess.

O Sr. Alvin Smith do Escritório do Historiador da Igreja dos Santos dos Últimos Dias em Salt Lake City amavelmente permitiu-me examinar vários periódicos Mórmons iniciais. A Sra. Vesta P. Crawford, a Sra. Claire Noall, o Sr. Stanley Ivins e a Sra. Juanita Brooks foram muito generosos em permitirem que eu examinasse os frutos da excelente pesquisa deles sobre documentos Mórmons iniciais. O Dr. Milo M. Quaife e o Dr. Dean Brimhall leram o meu manuscrito e deram-me o benefício do seu extenso conhecimento sobre a história e psicologia Mórmon. O mapa "País Mórmon" foi desenhado pelo Sr. Jerome S. Kates.

Fui particularmente beneficiada ao ter a assistência amigável do Sr. Dale L. Morgan, cuja infatigável investigação sobre a história Mórmon tem sido um impulso acrescentado à minha própria investigação. Ele não só partilhou livremente comigo a sua soberba biblioteca e ficheiros manuscritos, mas também analisou o manuscrito com cuidado meticuloso. Ele tem sido um historiador exigente e um crítico penetrante.

Ao longo de um período de pesquisa e escrita estendendo-se por sete anos, precisei e recebi o encorajamento constante do meu marido, Dr. Bernard Brodie. A sua própria perspectiva especial sobre a sociedade Mórmon e o seu interesse entusiástico pela minha investigação foram de valor inestimável. Ele leu o manuscrito muitas vezes, de cada vez efetuando alguma melhoria nas suas qualidades literárias. Mas tudo isto foi secundário em relação a um tipo de assistência mais intangível que veio das suas qualidades de julgamento e percepção e que afetou toda a minha abordagem ao livro.

F.M.B.


Índice

1   Os Deuses Estão Entre o Povo 1
2   Tesouros na Terra 16
3   Filhos Vermelhos de Israel 34
4   Uma Obra Maravilhosa e um Prodígio 50
5   Testemunhas para Deus 67
6   O Profeta de Palmyra 83
7   A Sociedade Perfeita e a Terra Prometida 98
8   Construtor de Templos   114
9   Expulsão do Éden 130
10   O Exército do Senhor 143
11   Proteção e Punição 159
12   Mestre de Línguas 168
13   O Meu Reino é deste Mundo 181
14   Desastre em Kirtland 194
15   O Vale de Deus 208
16   O Alcorão ou a Espada 225
17   Sofrimento na Prisão Liberty 241
18   Nauvoo 256
19   Mistérios do Reino 275
20   Na Aljava do Todo-Poderoso 284
21   Se um Homem Enfeitiçar uma Virgem 297
22   A Explosão Bennett 309
23   Escondendo-se 323
24   As Esposas do Profeta 334
25   Candidato a Presidente 348
26   Prelúdio à Destruição 367
27   Carthage 380
Epílogo 396
Suplemento 405
APÊNDICE A   Documentos sobre os Primórdios da Vida
       de Joseph Smith
427
APÊNDICE B   A Teoria Spaulding-Rigdon 442
APÊNDICE C   As Esposas Plurais de Joseph Smith 457
BIBLIOGRAFIA   489
ÍNDICE   depois da página   500


Ilustrações

Joseph Smith, de uma pintura a óleo por Majors,
       feita em Nauvoo
frontispício
DEPOIS DA PÁGINA
Emma Smith 42
Caracteres que se diz terem sido copiados das placas de ouro
Hyrum Smith 74
As Três Testemunhas do Livro de Mórmon
Fac-símile do Livro de Abraão 170
Fac-símile do Livro de Abraão
Fac-símile de dinheiro Mórmon 202
Auditório inferior, Templo de Kirtland
O Templo de Kirtland 242
Prisão Liberty
O Templo de Nauvoo 258
Tenente-General Joseph Smith
Lucy Mack Smith em Nauvoo 298
Pedra do Templo de Nauvoo
Os quatro filhos de Joseph Smith
Oliver Buell
Residência de Joseph Smith e Mansion House, Nauvoo 338
Zina D. Huntington Jacobs e Eliza R. Snow, esposas
       plurais de Joseph Smith
Casa inacabada de Nauvoo 354
Último discurso público do Tenente-General Joseph Smith
Prisão de Carthage 394
Máscara mortuária de Joseph Smith
País Mórmon, 1830-1844 (mapa) 490



Nenhum Homem Conhece a Minha História


Contracapa


RELIGIÃO/BIOGRAFIA

Em 1823 um jovem chamado Joseph Smith teve um encontro com um anjo que o conduziu até um esconderijo onde estavam placas de ouro que seriam alegadamente a história das tribos perdidas de Israel. Destes novos evangelhos -- e da própria personalidade carismática e senso de missão de Smith -- surgiu uma religião autenticamente americana, a fé Mórmon. Mas será que Joseph Smith transcreveu revelações divinas ou inventou uma fé a partir de coisas sem valor? Era ele um profeta genuíno ou um fabulista dotado que ficou enfeitiçado pelos produtos da sua imaginação -- e que acabou sendo martirizado por eles?

Publicado pela primeira vez em 1945 e substancialmente revisto em 1970, Nenhum Homem Conhece a Minha História é um modelo da arte do biógrafo por uma escritora que mais tarde ficaria famosa pelo seu estudo de Thomas Jefferson. É simultaneamente acadêmico, absorvente e provocativo nas questões que levanta sobre as revelações de Smith e, ao fazer isto, fornece uma história notável da primitiva igreja Mórmon.

T

"O livro da Sr.ª Brodie é mais do que legível; é uma
contribuição significativa para uma compreensão do passado da América."
-- Los Angeles Times

U.S. $17.00
Can. $23.50

Pintura de Joseph Smith na capa por
Adrian Lamb, National Portrait Gallery,
Smithsonian Institution/Art Resource, N.Y.
Concepção da capa por Krystyna Skalski
ISBN 0-679-73054-0


Nenhum Homem Conhece a Minha História: A Vida de Joseph Smith (Nova Iorque: Vintage Books, 1995) de Fawn M. Brodie (1915-1981), pp. 1-15.

Capítulo 1: Os Deuses Estão Entre o Povo


Um velho dicionário geográfico de Nova Inglaterra, ao cantar os atrativos das aldeias e as glórias dos seus heróis, tem uma nota discordante ao chegar a Sharon: "Este é o lugar de nascimento daquele impostor infame, o profeta Mórmon Joseph Smith, uma honra duvidosa que Sharon cederia de boa vontade a outra cidade."

A vergonha que Sharon em tempos sentiu desapareceu com o tempo. A igreja que Joseph fundou é eminentemente respeitável, e a cidade sonhadora no Vale do Rio Branco, onde ele nasceu, abandonou desde então a esperança de ser notada por qualquer outra coisa. Perto dali, num dos adoráveis montes típicos da Nova Inglaterra, está um santuário que atrai peregrinos Mórmons de longe e faz parar muitos transeuntes.

Muito para oeste estão as áreas geográficas com as quais o Mormonismo é geralmente identificado, mas não podemos compreender a história do seu fundador sem conhecermos algo de Vermont na viragem do século dezanove. Joseph Smith não foi uma mutação, produzida pela natureza sem ligação a ancestrais ou à cultura provincial do seu Estado; ele era tanto um produto de Nova Inglaterra como Jonathan Edwards. Há muito sobre ele que só pode ser explicado pelo solo estéril, a magia tradicional das parteiras e dos adivinhos que usavam bolas de cristal, e a disciplina sóbria dos mestres-escola.

Os ancestrais dele tinham estado em Nova Inglaterra há mais de um século. Robert Smith tinha vindo para Massachusetts em 1638 e John Mack em 1669. Mas Joseph Smith não nasceu em Topsfield, Massachusetts, nem em Lyme, Connecticut -- onde as casas de tijolos importados e álamos da Lombardia já eram antigas, onde os cemitérios eram espaçosos e decentemente mantidos -- nasceu entre os bosques nos sopés das Montanhas Verdes. E a migração dos seus avós para Vermont é uma história de desintegração, não só de uma família mas de toda uma cultura.

Durante o século e meio em que os descendentes de Robert Smith viveram em Topsfield, eles foram conservadores, respeitáveis, ativos na política local e moderadamente prósperos. Asael Smith, avô do profeta, foi o primeiro a responder à inquietação que se seguiu ao despertar da Revolução. As antigas tradições sociais e morais em Massachusetts estavam a desmoronar-se à medida que as idéias que tinham separado as colônias de Inglaterra se infiltravam na igreja.

Tal como muitos outros nesse tempo, Asael dizia-se cristão mas era basicamente irreligioso. "Quanto à religião", escreveu ele aos seus filhos, "eu não desejaria indicar qualquer forma particular para vocês; mas primeiro desejaria que procurassem nas Escrituras e consultassem raciocínio sólido.... Qualquer chamada honesta honrá-los-á se honrarem isso. É melhor ser um sapateiro rico do que um comerciante pobre; um agricultor rico do que um pregador pobre."1

Na idade madura ele deixou Massachusetts para limpar uma quinta nas florestas virgens das Montanhas Verdes. Com ele foi o seu filho Joseph (pai do profeta Mórmon), um belo jovem de 90 quilos e mais de um metro e oitenta centímetros de altura que, tal como Jacó, só lutou com um homem que não conseguiu derrubar. Eles cortaram e queimaram, e tal como os seus vizinhos migrantes, contaram a colheita antes de os troncos apodrecerem, e escarneceram dos vales baixos no sul.

Em 1789 um ministro de Connecticut que viajava por Vermont central escreveu: "As palavras não podem descrever as dificuldades por que passo. Pessoas desagradáveis -- pobres -- vivendo mal -- indelicadas -- e miseráveis cozinheiras. Todos tristemente parcimoniosos -- muitos profanos -- e apesar disso bem dispostos e muito mais contentes do que em Hartford -- e as mulheres mais contentes do que os homens -- escurecidos pelo fumo das cabanas de troncos -- vestem-se de forma grosseira, e má, e desagradável, e esfarrapada... no entanto as mulheres [são] sossegadas -- serenas, pacíficas -- contentes, amando os seus maridos -- o seu lar -- nunca desejando voltar atrás -- nem quaisquer vestimentas elegantes; eu penso: que estranho! Pergunto-me se estas mulheres são da mesma espécie das nossas senhoras finas? Embora sejam, com membros fortes -- as suas raparigas indelicadas -- e suportam trabalho tão bem como mulas."2

Pouco depois de Perkins ter registado a sua mistura de admiração e aversão, Joseph Smith conheceu e casou com uma filha desta estirpe. Não podemos saber se ela também era trigueira e com membros fortes, pois Lucy Mack Smith não tirou retratos antes de estar desdentada e enfraquecida. Deve ter sido bonita, pois os seus filhos eram belos e as suas filhas casaram novas, mas ela não conheceu luxúria nem segurança. O pai dela, Solomon Mack, era um filho da má sorte.

Embora Solomon viesse de uma linha de clérigos escoceses, a pobreza tinha-o afastado do seminário, e ele tinha crescido numa quinta sem instrução nem religião -- nas suas próprias palavras, "como um potro de um asno selvagem". Ele tinha lutado nas Guerras Francesa e Indiana, e depois na Revolução, com os seus dois filhos, Jason e Stephen. Mas quando a sua filha Lucy se casou, Solomon era um velho pobre e com reumático que cavalgava pelo campo e falava sobre escrever uma memória das suas provações e desventuras.

A coisa surpreendente sobre o avô materno de Joseph Smith é que ele de fato foi bem sucedido, quando tinha setenta e oito anos de idade, em fazer sair o seu livro de cordel: Uma Narrativa sobre a Vida de Solomon Mack, contendo um relato dos muitos acidentes graves que teve durante uma longa série de anos, junto com a maneira extraordinária como foi convertido à Fé Cristã. Ao qual foram acrescentados vários Hinos, compostos no momento do falecimento de vários das suas relações.3 A má ortografia e os hinos infelizes foram eclipsados pela realização substancial da própria escrita. Deu um estatuto à família. Em anos posteriores, Lucy podia ler o livro sucessivamente a cada um dos seus nove filhos, apontando para ele como prova de que o sangue dos Mack era algo mais do que comum.

E isso estabeleceu um precedente na família. O manto da autoria haveria de cair não só sobre Solomon, o avô, mas também sobre Lucy, sobre o seu filho Joseph, e de fato sobre o seu filho e neto -- uma tradição ininterrupta durante cinco gerações. Nem Solomon nem a sua filha tiveram muita instrução formal, mas o impulso para a auto expressão era forte neles, e o fato de ambos terem casado com professores compensou em parte a ausência de ardósia e exercícios de açoites com vara.

Solomon Mack admitiu na sua Narrativa que tinha sofrido de desmaios, e isto foi aproveitado por biógrafos ansiosos por explicar as supostas aberrações do neto em termos de uma instabilidade congênita. Durante muito tempo era popular acreditar-se que Joseph Smith tinha herdado uma tendência para a epilepsia. Mas a Narrativa torna claro que os desmaios foram conseqüência de ferimentos na cabeça que Solomon recebeu no fim da vida quando foi atingido por uma árvore que caía.

Na realidade, a família Mack não foi marcada por psicoses nem por talento literário, mas antes por um certo inconformismo em pensamento e ação. Como dissidentes religiosos, eles acreditavam mais na integridade da experiência religiosa individual do que na tradição de alguma seita organizada. Na sua velhice, Solomon caiu numa espécie de misticismo senil, com luzes e vozes assombrando a sua cama de doente. Jason Mack, irmão mais velho de Lucy, foi nitidamente contra as tradições religiosas e econômicas da Nova Inglaterra quando se tornou um "Buscador" e estabeleceu em Nova Brunswick uma sociedade quase comunista de trinta famílias indigentes cujo bem estar econômico e espiritual ele procurou dirigir.4

Jason, porém, não recebeu dos historiadores Mórmons a atenção que tem sido devotada a outros irmãos de Lucy. Quando o lote de onde veio o profeta Mórmon é chamado inativo, esbanjador e degenerado, Stephen Mack é citado triunfantemente como prova em contrário. Ele fez fortuna em Detroit e deixou propriedades no valor de cinqüenta mil dólares no momento da sua morte. Ele tinha prosperado mesmo antes de ter deixado Vermont, pois forneceu a Lucy o dote que o pai não podia providenciar. Os mil dólares que ele e o seu sócio lhe deram logo depois do casamento tornaram a rapariga -- considerando que isto era Vermont em 1796 -- praticamente uma herdeira.

Joseph e Lucy uniram no seu casamento as heterodoxias divergentes dos seus pais, que eram reações ao calvinismo de alma cauterizada de Jonathan Edwards. "Passei muito do meu tempo", escreveu Lucy em anos posteriores, "lendo a Bíblia e orando; mas, não obstante a minha grande ansiedade em experimentar uma mudança de coração, outro assunto interpunha-se sempre em todas as minhas meditações -- Se eu continuar não sendo membro de nenhuma igreja, todas as pessoas religiosas dirão que sou do mundo; e se eu me juntar a alguma das várias denominações, todos os outros dirão que estou em erro. Nenhuma igreja admitirá que estou correta, exceto aquela com a qual estou associada. Isto torna-os testemunhas uns contra os outros."5 Esta era a lógica universal da dissensão, uma convicção partilhada por milhares de habitantes de Nova Inglaterra neste período. Lucy tinha uma mente vigorosa, embora não treinada, e a crença dela era simplesmente o âmago do anti-nomianismo -- a vida interior é uma lei em si mesma; a liberdade e integridade da experiência religiosa têm de ser preservadas a todo o custo.6

Joseph e Lucy passaram vinte anos juntos na Nova Inglaterra, no entanto nenhum deles se juntou a uma denominação ou professou mais do que um interesse passageiro em qualquer seita. Os reavivamentos metodistas em Vermont em 1810 excitaram Lucy durante algum tempo, mas apenas convenceram ainda mais Joseph "de que não há ordem ou classe de religionistas que saiba mais a respeito do reino de Deus do que aqueles do mundo."

Ele refletia aquele desprezo pela igreja estabelecida que tinha permeado a Revolução, que tinha feito o governo federal completamente secular, e que por fim haveria de divorciar a igreja do governo em todos os Estados. Na liberdade do Novo Mundo, a igreja tinha-se desintegrado, as suas cerimônias tinham mudado e a sua estatura tinha declinado. O pai de Joseph, Asael, tinha-se gloriado francamente na sua liberdade da tirania eclesiástica. O filho manteve-se desinteressado de todas as igrejas exceto da que foi organizada pelo seu próprio filho, voltando-se antes para os seus próprios sonhos -- chamados "visões" pela sua esposa -- para direção espiritual.

Lucy era especialmente devotada ao misticismo tantas vezes encontrado entre aqueles subitamente libertados do domínio e disciplina de uma igreja. Tal como o seu pai, ela aceitou um Deus altamente personalizado para quem falava como se Ele fosse um membro do círculo familiar. A religião dela era íntima e caseira, com Deus como presença ubíqua invadindo os sonhos, provocando milagres e crestando os campos dos pecadores. Os filhos dela provavelmente nunca aprenderam a temê-lo.

Se Joseph e Lucy Smith tivessem ficado em Nova Inglaterra nos segundos vinte anos da sua vida de casados poderiam, tal como os seus avós, ter-se estabelecido e caído num respeitável esquecimento. Mas a Revolução, que tinha desenraizado os seus pais de uma tradição agrícola centenária na Nova Inglaterra, tinha enfraquecido todo o povo da costa atlântica, que se levantou para deambular pelos Appalachians e ver pela primeira vez o vasto e fértil interior. O apelo da região de Genesee e dos Lagos Finger já estavam a mexer com o sangue dos homens jovens de Nova Inglaterra quando este casal proferiu os seus votos matrimoniais. E os acontecimentos moveram-se lenta mas inexoravelmente para os puxar para a onda que estava a deslocar-se para o Oeste.

Depois de seis anos lavrando um quinta rochosa no leste de Vermont, eles estabeleceram uma loja em Randolph. Aqui Joseph Smith, Sênior, ouviu pela primeira vez sobre os fantásticos lucros que caíam nas mãos dos especuladores que exortavam o ginseng aromático, a raiz de uma planta que crescia naturalmente nas Montanhas Verdes. Os habitantes de Nova Inglaterra preferiam salsa-parrilha, sêlo-de-Salomão, maidenhair, raiz de pleurisia e skunk cabbage, mas na China o ginseng era considerado um remédio para tudo, desde tonturas a pleurisia. Agricultores de Vermont estavam a vendê-lo para exportação a dois xelins cada libra, e uma raiz com a forma do corpo de um homem tinha venda garantida na China, onde era apreciada como cura para virilidade em declínio, por duzentos a quatrocentos dólares.

Joseph investiu todo o seu dinheiro num carregamento de ginseng. Lucy escreveu que o agente a quem se confiara a carga voltou da China com muito dinheiro mas fugiu para o Canadá, deixando-os sem dinheiro.7 O seu marido tinha perdido recentemente 2.000 dólares em créditos não cobrados e devia 1.800 dólares a comerciantes de Boston. Para satisfazer os seus credores ele vendeu a quinta por 800 dólares e Lucy cobriu o que faltava com o seu dote. Nesta altura a família começou as suas peregrinações, primeiro para Royalton e depois para Sharon, onde Joseph alugou a quinta do seu sogro e complementou as suas magras receitas dando aulas durante o inverno.

A nova casa deles era solitária e isolada, nos montes sobre o Rio Branco, com colinas florestadas estendendo-se em direção ao pôr do sol num denso emaranhado verde. A beleza estava ali, mas havia poucas perspectivas. Os agentes que vendiam terras tinham enganado cruelmente os seus irmãos Yankees quando lhes venderam Vermont, porque quando os montes eram limpos da madeira os agricultores descobriam que tudo o que o seu trabalho árduo tinha posto a descoberto era apenas solo estéril e pedregulhos. Os Smiths, tal como os seus vizinhos, rolaram com dificuldade as grandes pedras para fora dos campos e empilharam-nas em muros que subiam, desciam e contornavam os montes como se fossem calçadas.

Entretanto Lucy tinha dado à luz dois filhos e uma filha, e em 23 de dezembro de 1805 nasceu-lhe um terceiro filho. Quando ele chegou, não apareceu qualquer cometa no céu; nenhum rebate alvoroçou o campo. Ele foi aceite naquela fria noite de inverno provavelmente com mais resignação do que deleite, e sem cerimônias indevidas chamaram-lhe Joseph Smith, nome igual ao do seu pai.

A criança nasceu numa insegurança à qual nunca escaparia numa vida de trinta e oito anos. No seu quinto aniversário a família tinha-se mudado três vezes, de Sharon de volta para Randolph, e depois novamente para Royalton, e finalmente para Lebanon, do outro lado da fronteira de New Hampshire. A depressão abateu-se sobre New Hampshire, pois o seu comércio foi arruinado pelo embargo de Jefferson contra a Inglaterra e a França e mais tarde pela Guerra de 1812, e do anterior comércio lucrativo com o Canadá só restava um florescente negócio de contrabando à volta de Lake Champlain.

Falsificadores infestavam a área, enganado os incautos e fugindo pela fronteira ao menor sinal de perseguição. Em 1 de abril de 1807 Beniah Woodward passou ao velho Joseph Smith uma nota falsa de dez dólares, e duas semanas depois Abner Hayes pagou-lhe trinta e sete dólares em papel sem valor. Quando Joseph lançou uma queixa no tribunal de Woodstock em 14 de abril, Hayes fugiu para o Canadá, mas Woodward pagou com trinta e nove chicotadas e dois anos de trabalhos forçados por esta e outras malfeitorias. Muitos anos depois, um familiar de Woodward vingou-se de forma eficiente, insinuando que o próprio Smith tinha sido culpado de fazer dinheiro falso, e muitos acreditaram no relato dele.8

Quando a família se mudou para Lebanon, New Hampshire, a sua sorte melhorou. Hyrum, o segundo filho, foi enviado para a Moore's Academy em Hanover. Mas ele trouxe da escola para casa uma febre que estava a devastar todo o campo em 1813. O remédio popular era um banho quente feito de um cozimento de ramos de cónio, mas como banheiras suficientemente largas para conter um homem eram raras em todas as aldeias, uma banheira semelhante a um caixão, de tábuas de pinheiro, era levada de casa em casa. Não admira que em Vermont tenham morrido seis mil pessoas.9

Um por um, os filhos de Joseph e Lucy Smith ficaram doentes. Joseph, que tinha oito anos de idade, parecia recuperar suficientemente bem, embora lentamente, até que um dia Lucy ficou aterrorizada ao descobrir grandes infeções surgindo sobre o seu ombro e perna. Cataplasmas de ervas eram tão inúteis como as orações normais, e Lucy por fim chamou um médico. Ele sangrou o rapaz, aplicou-lhe purgantes e tratou das suas feias inflamações. Quando a infeção na perna se recusou a sarar, ele falou em amputação, mas Lucy lutou contra a serra e faca com uma fúria que aborreceu mas travou o barbeiro-cirurgião. Ele teve de se contentar em cortar um pedaço do osso abaixo do joelho da criança.

Quando a operação selvagem começou, Joseph não se deixava atar à cama, e o pai também não conseguia forçá-lo a beber whisky para suportar a dor. Ele gritou para a mãe, dizendo-lhe que saísse do quarto para não sofrer mais do que ele, e Lucy mais tarde espalhou a história do seu heroísmo em todo o vale. Pode ter sido este sofrimento que fez com que Lucy fosse mais afeiçoada a Joseph do que aos seus outros filhos. Eram esperadas grandes coisas da criança cujo ânimo tinha sido testado num sofrimento tão temível.

Quando a convalescença do rapaz parecia tardar, ele foi enviado para um tio em Salem, onde ele obteve o primeiro travo de ar salgado nas suas narinas. Ele lembrar-se-ia sempre de Salem, e a cidade portuária atraiu-o de volta em circunstâncias singulares vinte e cinco anos mais tarde. Naquele momento ele recuperou rapidamente e voltou para Lebanon apenas com um coxear quase imperceptível que, no entanto, ficou com ele para o resto da vida.

Sob a pressão de meses de doença, as esperanças de prosperidade da família colapsaram, e os Smiths mudaram-se de volta para Vermont, através do Rio Connecticut. Durante três anos semearam em Norwich e aguardaram esperançosamente por uma colheita de um solo que já tinha dado o seu melhor há muito tempo. O ancião Smith escutou com avidez cada vez maior as descrições do solo negro profundo e clima ameno de Ohio. Finalmente, em 1816, o ano histórico sem verão, ele foi desenraizado.

Nevou em junho; as folhas congelaram nas árvores, e os agricultores tiveram de plantar novamente. Depois veio em julho aquilo que Lucy chamou uma "geada fora de tempo", e as colheitas deles foram novamente destruídas. Agricultores desalentados prepararam as suas carroças e mudaram-se através das estradas lamacentas para o oeste. A emigração neste ano, chamado no folclore de Vermont "mil oitocentos e congela até à morte", alcançou o seu ponto mais alto de todos os tempos. No comboio foi Joseph Smith, deixando para trás Lucy e oito crianças, a mais nova das quais com apenas alguns meses de idade.

Algumas semanas depois, quando chegou a carta dele dizendo-lhes que enchessem a carroça e o seguissem para oeste, não era para o Ohio, onde a maioria dos habitantes de Vermont esperavam encontrar a terra prometida, mas antes para o oeste de Nova Iorque, a dois terços da distância de Albany às grandes cataratas de Niagara. O jovem Joseph, aos dez anos de idade, tinha idade suficiente para saber que esta não era uma mudança para outra aldeia do outro lado dos montes, mas antes um corte pela raiz. Poucos homens que deixavam Vermont e se mudavam para o Oeste voltavam para trás. Atravessar as montanhas tinha a mesma finalidade excitante e assustadora de atravessar o mar num barco de imigração.

Joseph observou a mãe a encher o vagão e ouviu-a argumentar com os credores sobre o valor dos seus magros bens da casa e quinta. Os tubarões da terra sabiam o valor da nota de um homem que ia para o pôr do sol e perseguiam Lucy por causa de dívidas até ela ficar frenética, com medo de não ter o suficiente para comer. Alvin tinha dezoito anos e Hyrum dezasseis, mas mesmo eles não chegavam para os homens que bisbilhotavam à volta da casa de Norwich, oferecendo pequenas quantias pelas coisas a que atribuíam valor. Os rapazes ficavam num desamparo ultrajado, miseráveis e mudos, e ainda mais ansiosos por verem a boa e nova terra além das montanhas onde era possível cavar um buraco com dois metros de profundidade e não bater com a pá numa única pedra.

Biógrafos de Joseph Smith têm geralmente defendido que o oeste de Nova Iorque era então uma região selvagem, onde matilhas de lobos ainda vagueavam e bibliotecas locais eram mais raras do que reservas de índios.10 Mas quando a carroça parou em Palmyra, a ninhada exausta viu uma cidade de quase quatro mil cidadãos, duas vezes o tamanho da aldeia que tinham deixado. Canandaigua, vinte quilômetros para sul, era ainda maior e jactava-se de ter uma academia com vinte anos, dois "respeitáveis seminários privados para mulheres", cinco escolas comuns, três bibliotecas, trinta e nove armazéns, setenta e seis lojas, três igrejas e passeios pavimentados. E a aldeia de Manchester, em cujas fronteiras os Smiths acabaram por se estabelecer, tinha não só uma escola e uma biblioteca de cidade de seiscentos volumes, mas também uma fábrica de lã, um moinho de farinha, uma fábrica de papel e uma incineradora.

Palmyra estava a prosperar em 1817 como nunca antes ou depois. De Witt Clinton tinha acabado de forçar através da Assembléia de Nova Iorque uma proposta de lei providenciando o feito de engenharia mais estupendo da sua geração, a construção do Canal Erie, de 584 quilômetros, para ligar os Grandes Lagos ao porto de Nova Iorque. Palmyra estava na rota contemplada. Embora o canal demorasse oito anos a ser construído, os agricultores já estavam a contar os seus lucros, e os preços da terra em todo o Estado estavam a subir em flecha. Em 1790, terra não trabalhada tinha sido vendida por dois a quatro xelins o acre; em 1800 custava entre 1,5 e 4 dólares. Mas em 1817 todos os proprietários de terras tinham-se tornado especuladores e estavam a pedir 6 dólares por cada acre de terras altas indesejáveis e 30 a 45 dólares por terra melhorada com uma cabana.

Em Ohio, Joseph Smith, Sênior, podia ter encontrado terra igualmente boa por 1,25 dólares o acre; na cidade de Manchester ele pagou preços inflacionados e começou a limpar uma quinta sob um fardo esmagador de débito e ameaça constante de execução de hipoteca. Ele não podia saber que tinha chegado no auge de uma espiral especulativa, que Palmyra, em vez de duplicar a sua população na década seguinte, de fato diminuiria em três centenas de cidadãos e continuaria a ser mesmo um século mais tarde uma cidade com pouco mais de quatro mil habitantes. O Condado de Ontario não era a fronteira, mas antes uma região relativamente estabelecida, com dezasseis tabernas na estrada de vinte e cinco quilômetros entre Canandaigua e Geneva. O pai do profeta Mórmon não era um Thomas Lincoln, que nesse mesmo ano estava a fazer trabalho de lenhador numa quinta novecentos e sessenta quilômetros a oeste, no isolamento de Indiana.

No oeste de Nova Iorque não havia privilégios para os ocupantes ilegais de terras e Smith precisava de dinheiro para pagar as prestações da sua terra. Ele viveu em Palmyra durante mais de dois anos, onde Lucy abriu uma pequena "loja de bolos e cerveja", vendendo pão de especiarias, ovos cozidos, cerveja de raízes e acessórios de oleado, que ela concebia e pintava. Depois de meses trabalhando como contratado para agricultores, Smith assinou uma nota para cem acres de terra virgem, duas milhas a sul de Palmyra. Num ano eles fizeram um pagamento inicial substancial, construíram uma casa de troncos e começaram a árdua tarefa de limpar a floresta.

Tal como os seus vizinhos, os Smiths faziam punções nos áceres e ferviam a seiva para obter xarope e açúcar. Eles fizeram três toneladas numa estação e ganharam o prêmio de cinqüenta dólares por recorde de produção no condado. Mas, apesar de todo o seu trabalho árduo, a construção de uma quinta lucrativa era um processo lento e incerto. Um homem e uma junta de bois demoravam cinco semanas a limpar e semear um campo de dez acres. Quando o trigo amarelecia entre os cepos das árvores cortadas, os agricultores sonhavam com a colheita de quarenta alqueires por acre. Mas os engenhos rudimentares de debulha -- um malho dos cascos nus do gado -- desperdiçavam os grãos e quando a peneiração estava completa não havia comprador para o produto. Em 1818 o alqueire de trigo só rendia vinte e cinco cêntimos nas trocas por outros produtos, pois nessa década a colheita raramente rendia dinheiro a menos que se pagasse os custos proibitivos do transporte por terra até Albany.

As colheitas foram razoáveis entre 1817 e 1819 e depois excelentes até 1824. Mas ainda assim as dívidas acumulavam-se, e um após outro os colonos desalojados mudaram-se para Ohio, e dali para Indiana, onde compraram as quintas abandonadas pelos que Illinois tinha atraído ainda mais para oeste. As maiores migrações foram em anos de depressão, tendo 1819 visto a venda de mais de cinco milhões de acres de terra pública.11

Os vastos recursos do interior suscitaram as fantasias mais indolentes, e um optimismo que se tornaria fundamental no pensamento americano durante cem anos varria agora os Estados Unidos. Um reflexo deste optimismo era a campanha barulhenta a favor das obras públicas na década de 1820, que alcançou o seu auge com a construção do Canal Erie. Quando o último carregamento de terra foi retirado e o último aqueduto terminado em 1825, De Witt Clinton encheu um balde com água salgada do Oceano Atlântico e navegou ao som de tiros de dia e à luz de fogueiras de noite, para despejá-lo nas águas frescas do Lago Erie. Ao longo da viagem os colonos beberam, festejaram e planearam o gasto dos seus lucros.

Foi nesta atmosfera de antecipação desenfreada que Joseph Smith cresceu. Junto com o optimismo havia um patriotismo militante. O Oeste acreditava que a América era a maior das nações porque a sua democracia era baseada nas leis da natureza, e que se tornaria firmemente mais perfeita e o seu povo mais purificado até que todo o mundo seguisse o seu exemplo. A viagem do General Lafayette através dos Estados Unidos em 1825 foi o sinal para uma orgia patriótica. Na vizinhança de Joseph Smith, onde ele chegou em junho, "brilhavam fogueiras nos cimos dos montes; canhões trovejavam a sua saudação; velhos soldados precipitavam-se nos seus braços chorando; comitês reuniam-se e escoltavam-no para as suas aldeias, e centenas procuravam a honra de apertar a sua mão."12

Esse espetáculo e parada mitigavam o trabalho árduo que métodos agrícolas primitivos impunham à família Smith e aos seus vizinhos. Mas mais duradouras eram as esperanças extravagantes de prosperidade que pairavam no campo. A comunidade estava instável, não só devido à atração de terra mais barata em Ohio e a febre geral da especulação, mas também por causa da personalidade dos próprios cidadãos. Emigrantes de Nova Inglaterra eram os aventurosos, os descontentes, os inconformados. Os velhos costumes que eles traziam para as jovens comunidades tinham tendência a ser vergados e distorcidos pela nova liberdade.

Em nenhum lado o afastamento dos velhos códigos era mais evidente do que nas igrejas, que eram flageladas com cismas. Os Metodistas dividiram-se quatro vezes entre 1814 e 1830. Os Batistas dividiram-se em Batistas Reformados, Batistas Hard-Shell, Batistas do Livre Arbítrio, Batistas do Sétimo Dia, Lavadores de Pés, e outras seitas. A liberdade religiosa irrestrita começou a dar origem a uma legião de novas religiões.

Carregados na migração tinham vindo os destroços dos piedosos. Havia Isaac Bullard, apenas vestido com uma faixa de pele de urso e a sua barba, que ajuntou um séquito de "Peregrinos" em 1817 em Woodstock, Vermont, a meia dúzia de montes de distância da velha quinta dos Smiths. Campeão do amor livre e do comunismo, ele encarava a lavagem como um pecado e jactava-se de não ter mudado as suas roupas há sete anos. Abandonando Vermont em direção à terra prometida, os Peregrinos cruzaram as montanhas entrando em Nova Iorque, seguiram, tal como Joseph Smith, a longa estrada ao longo do Estado, e desaguaram pelo Ohio abaixo até ao Missouri.

Havia Ann Lee, mãe dos Shakers, que se auto-intitulava o Cristo reencarnado e que tinha fugido com os seus comunistas celibatários à fúria de Nova Inglaterra. Na atmosfera religiosamente fecunda do Estado de Nova Iorque a seita dela floresceu e espalhou-se. Em 1826 alguns Shakers construíram salões comunitários em Sodus Bay, apenas a cinqüenta quilômetros de Palmyra. O jovem Joseph Smith pode ter passado uma noite na confusa dança processional deles, observando primeiro um e depois outro afastar-se e rodopiar como um dervixe até cair exausto no chão, proferindo uma algaraviada incoerente a que se referiam generosamente como "o dom de línguas". Onde quer que os Shakers se instalassem, circulavam os mitos obscenos do costume, um dizia que castravam os seus filhos; outro que eles se despiam e dançavam nus nas reuniões, que se entregavam a deboches promíscuos, e que praticavam infanticídio.

Apesar de toda a sua incongruência, os Shakers tinham uma certa dignidade, que vinha dos seus hábitos limpos e labor intenso. Isso não era verdade no caso da comitiva de outra subdivindade feminina que reinava em Jerusalém, a quarenta quilômetros da casa de Joseph Smith. Esta era Jemima Wilkinson, a "Amiga Universal", que se julgava o Cristo. Imperturbada pelo jornal de Palmyra que antipaticamente prefixava um "anti" e chamava-lhe impostora consumada, ela governava a sua colônia através de revelações do céu e jurava que nunca morreria. Ela era uma mulher bonita com olhos finos e cabelo negro, que se encaracolava sobre o manto púrpura pendurado nos seus ombros. Os rumores diziam que embora ela não soubesse ler nem escrever, podia recitar de cor toda a Bíblia por ter esta sido lida para ela. O principal ajudador de Jemima, a quem ela chamava Profeta Elias, amarrava com força um cinto sobre a sua cintura, e quando a sua barriga começava a inchar em protesto, ele ficava cheio de visões proféticas.

Dois anos depois de os Smiths chegarem ao Condado de Ontario, a vizinhança ficou excitada com rumores que diziam que "a Amiga" tinha morrido e que apesar das negações dos seus seguidores, o corpo dela estava a apodrecer numa cela de Jerusalém. Durante nove anos, processos relativos à disposição da propriedade dela perturbaram o tribunal de Canandaigua e mantiveram viva a lembrança dela.13

Excêntricos como Bullard, Ann Lee e Jemima Wilkinson eram apenas as personalidades mais conspícuas na franja púrpura da religião organizada. O pregador sóbrio treinado nas dialéticas do seminário era raro a oeste dos [montes] Appalachians. Em vez disso encontramos curadores pela fé e evangelistas em digressão, que excitavam as suas audiências até paroxismos de frenesim religioso. Os Batistas gabavam-se em 1817 de que no Estado de Nova Iorque a oeste do Hudson havia apenas três pregadores que tinham estado na Universidade. Os colonos do velho Território do Noroeste procuravam personalidade em vez de diplomas dos homens que os chamavam para Deus.

Palmyra era o centro do que os que faziam digressões pelo circuito mais tarde chamavam o distrito "queimado". Um reavivamento após outro varria a área, deixando para trás um povo disperso e esfolado, pois o entusiasmo religioso estava a queimá-los. Não há descrições detalhadas dos reavivamentos em Palmyra e Manchester entre 1824 e 1827, quando eram mais selvagens; e não podemos ter certeza de que igualassem em intensidade patológica os famosos reavivamentos que tinham abalado Kentucky na viragem do século.

Evangelistas tinham enxameado a zona, pregando em grandes ajuntamentos a céu aberto onde homens da fronteira silenciosos e solitários se reuniam para cantar e gritar. Revivalistas conheciam intimamente o seu inferno -- geografia, clima e estatísticas demográficas -- e retratavam o destino do pecador de forma tão horrenda que as multidões avançavam tremendo em direção aos altares feitos de caixotes para nascerem de novo. Centenas caíam ao chão sem sentidos, as senhoras de Kentucky vestidas da forma mais elegante jazendo na lama lado a lado com caçadores esfarrapados. Alguns eram apanhados pelos "espasmos", a sua cabeça e membros abanando para trás e para a frente e os seus corpos grotescamente distorcidos. Os que apanhavam os "latidos" rastejavam de gatas, rosnando e mordendo como se fossem cães selvagens lutando sobre os montes de lixo por detrás das tendas.

Um pregador escreveu para outro: "Milhares de línguas com o som de aleluia pareciam correr pelo espaço infinito; enquanto centenas de pessoas jaziam prostradas no chão, clamando por misericórdia. Oh! meu querido irmão, se tu tivesses estado lá para ver os membros em convulsão, os corpos aparentemente sem vida, terias sido constrangido a clamar tal como eu me senti obrigado a fazer: os deuses estão entre o povo!"14

As conversões em reavivamentos eram notoriamente de vida curta. O grande evangelista Charles G. Finney observou com desânimo que onde a excitação tinha sido mais selvagem, resultara "numa reação tão extensiva e profunda que deixava em muitas mentes a impressão de que a religião era um mero embuste." James Boyle escreveu a Finney em 1834: "Visitei e revisitei muitos destes campos, e gemi no espírito ao ver o triste, frígido, carnal e contencioso estado no qual as igrejas tinham caído ... três meses depois de as termos deixado."15

Devido aos seus próprios excessos, os reavivamentos enfraqueciam uma antipatia normal em relação à excentricidade religiosa. E estes anos pentecostais, que coincidiram com a adolescência e princípio de vida adulta de Joseph Smith, eram os mais férteis na história da América para a germinação de profetas. Na mesma década em que Joseph anunciou a sua missão, William Miller proclamou que Jesus visitaria a terra em março de 1843 e introduziria o milênio. Milhares congregaram-se nas suas fileiras, leiloaram as suas propriedades e compraram mantos para a ascensão. John Humphrey Noyes converteu-se à teoria de que o milênio já tinha começado, e fez planos para uma comunidade baseada em comunismo bíblico, amor livre e propagação científica. Matthias caminhava na cidade de Nova Iorque, brandindo uma espada e uma régua de dois metros, clamando que tinha vindo para redimir o mundo. E lá em baixo no sul de Ohio, Dylks, o "Deus de Leatherwood", proclamou a sua divindade a uma congregação aduladora com gritos e resfolegos que fizeram estremecer o telhado do seu tabernáculo.

Destes e de outros profetas, só um estava destinado a verdadeira glória. Jemima Wilkinson foi esquecida com a divisão da sua propriedade; a comunidade Oneida de Noyes degenerou de uma experiência social e religiosa numa empresa comercial; e Dylks foi afastado de Leatherwood atado a um comboio. William Miller, embora os seus Adventistas ainda sejam uma seita minoritária agressiva, nunca recuperou a face depois de 1845, quando Jesus não apareceu, mesmo depois de dois novos cálculos. Mas Joseph Smith, um século depois da sua morte, tinha um milhão de seguidores que prezavam o seu nome como sagrado e a sua missão como divina.


Nenhum Homem Conhece a Minha História: A Vida de Joseph Smith (Nova Iorque: Vintage Books, 1995) de Fawn M. Brodie (1915-1981), pp. 16-33.

Capítulo 2: Tesouros na Terra


O percurso que levou Joseph Smith para a carreira de "profeta, vidente e revelador" está repleto de um emaranhado de lenda e contradição. Relatos mórmones e não-mórmones parecem estar em conflito em muitos pontos. Os documentos não-mórmones que chegam a mencioná-lo -- um antigo registo de tribunal e relatos de jornal -- indicam que Joseph reflectia a independência religiosa do seu pai. As arengas dos pregadores revivalistas parecem ter suscitado nele apenas desprezo. Mas estes documentos contrastam muito com a biografia oficial de Joseph, iniciada muitos anos mais tarde quando ele estava perto do ponto culminante da sua carreira. Esta conta a história de um rapaz visionário apanhado pela histeria do revivalismo e conduzido a uma vida de misticismo e exortação.

A evidência, porém, não deixa dúvida de que, quaisquer que fossem os sentimentos íntimos de Joseph, a sua reputação antes de organizar a igreja não era a de um místico adolescente perdido na contemplação de visões, mas antes a de um desocupado simpático que era notório devido às suas histórias exageradas e artes de necromancia e que gastava o seu tempo livre liderando um bando de desocupados na escavação de tesouros enterrados. Este comportamento é confirmado pela descrição objectiva mais fria que subsiste do jovem Joseph, que os historiadores até agora negligenciaram ou ignoraram. Esta descrição também parece ser o documento público mais antigo que o menciona. O documento, um registo do tribunal datado de Março de 1826, quando Joseph tinha 21 anos, relata o seu julgamento em Bainbridge, Nova Iorque, sob acusação de ser "uma pessoa desordeira e um impostor". Com base no testemunho apresentado, incluindo as próprias admissões de Joseph de que se entregava a artes mágicas e organizava buscas por ouro enterrado, o tribunal considerou-o culpado de perturbar a paz.

Quatro anos depois deste julgamento apareceu o Livro de Mórmon de Joseph, após o que os editores locais em Palmyra, que nunca antes o tinham considerado merecedor de comentário, começaram a explorar as excentricidades da sua juventude. O editor do Reflector de Palmyra, Abner Cole, sob o pseudónimo Obadiah Dogberry, escreveu durante 1830 e 1831 uma série de artigos descrevendo em exuberante detalhe os anos da adolescência de Joseph.

Mais tarde, em 1833, quando a igreja de Joseph estava a aumentar rapidamente em notoriedade e poder, um ex-mórmon descontente chamado Hurlbut foi a Palmyra e Manchester solicitar declarações juramentadas de mais de 100 pessoas que tinham conhecido Joseph antes de ele ter começado a carreira religiosa. Estes testemunhos juramentados, que foram publicados em 1834 por Eber D. Howe num vitriólico livro anti-mórmon intitulado Mormonism Unvailed, podem ter sido coloridos pela tendência do homem que os reuniu, mas confirmaram e suplementaram o registo do tribunal e os editoriais de Dogberry.1 Como a história que relatam sobre os anos de adolescência de Joseph Smith é adicionalmente substanciada por certas admissões na sua própria autobiografia e na biografia cândida ditada pela sua mãe, é possível reconstruir a juventude de Joseph com um razoável grau de exactidão.

Significativamente, o primeiro esboço de Joseph Smith sobre os seus anos iniciais tomou a forma de uma penitência pelas suas indiscrições juvenis. Pouco tempo depois de aparecer Mormonism Unvailed, ele escreveu uma resposta para o seu jornal da igreja:

Aos 10 anos de idade a família do meu pai mudou-se mais uma vez, para Palmyra, Nova Iorque, onde, e na vizinhança da qual, vivi ou fiz a minha residência, até ter 21 anos; na parte final, na cidade de Manchester. Durante este tempo, como é comum à maioria ou a todos os jovens, caí em muitos vícios e tolices; mas, como os meus acusadores são, e têm sido, rápidos em acusar-me de ser culpado de violações grosseiras e ultrajantes da paz e da boa ordem da comunidade, aproveito a ocasião para observar que, embora, como disse acima, "como é comum à maioria ou a todos os jovens, caí em muitos vícios e tolices", não fui, nem pode isso ser sustentado, em verdade, culpado de fazer o mal ou ferir qualquer homem ou sociedade de homens; e essas imperfeições a que aludo, e pelas quais tive muitas vezes ocasião para lamentar, foram uma mente frívola e muitas vezes orgulhosa, exibindo uma conversa tola e leviana.2

Embora 51 vizinhos de Joseph tenham assinado uma declaração juramentada acusando-o de ser "destituído de carácter moral e viciado em hábitos perversos", não há evidência de que o vício fosse parte da sua natureza, e a sua penitência pode ser aceite na íntegra. Na realidade, ele era um jovem gregário, bem disposto, imaginativo, nascido para a liderança, mas penalizado pela educação limitada e pela pobreza esmagadora.

Uma classe de proprietários estava a engordar à custa do seu trabalho, empurrando para oeste famílias irremediavelmente enlaçadas como a sua própria. No jornal de Palmyra ele podia ler sobre as suas vendas de hipotecas, 6 a 10 cada semana na primeira página. Ele vivia suficientemente a leste para ver opulência e ostentação mas não suficientemente a oeste para escapar ao fardo esmagador das dívidas. A sua família, tendo-se afundado cada vez mais desde aqueles anos iniciais em que o dote da sua mãe fora a inveja da vizinhança, tinha perdido a segurança e a respeitabilidade.

Mas a necessidade de deferência era forte dentro dele. Talentoso muito para além dos seus irmãos ou amigos, ele estava impaciente com as esperanças modestas e os gostos ordinários deles. Expedito no falar, ambicioso, e dotado de uma imaginação sem limites, ele sonhava com a fuga para um futuro ilustre e próspero. Pois Joseph não estava destinado a ser um agricultor trabalhador, amarrado à terra por hábito ou por amor pelo milagre recorrente da colheita. Ele detestava o arado como só um filho de agricultor pode detestar, e olhava com desespero para a hipoteca terrível que ensombrava o futuro da sua família.

Existe, claro, uma mina de ouro ou um tesouro enterrado em cada herdade hipotecada. Quer o agricultor alguma vez escave em busca dele ou não, o tesouro está ali, assombrando-o quando ele sonha acordado nos momentos em que o fardo das dívidas é mais insuportável. Nova Inglaterra estava cheia de caçadores de tesouros -- agricultores pobres e desesperados que, tendo comprado inconscientemente acres de pedras, esperavam que essas mesmas pedras produzissem uma recompensa dourada pela sua labuta esgotante. "Poderíamos citar, se assim o desejássemos", disse um semanário de Vermont, "pelo menos 500 homens respeitáveis que na simplicidade e sinceridade dos seus corações acreditam que tesouros imensos jazem escondidos nas nossas Montanhas Verdes, muitos dos quais estiveram durante vários anos empenhados de forma industriosa e perseverante em escavá-los."3

Quando estes homens migraram para oeste, trouxeram consigo todo o folclore do cavador de tesouros, os feitiços e encantamentos, o ramo de aveleira e a vara mineral. Mas enquanto as Montanhas Verdes nada produziram excepto um esconderijo ocasional com dinheiro falsificado, o oeste de Nova Iorque e Ohio eram ricos em relíquias índias. Centenas de pequenos túmulos pontilhavam o horizonte, repletos de esqueletos e artefactos de pedra, cobre, e por vezes prata batida. Havia 8 desses túmulos a menos de 20 quilómetros da quinta dos Smiths.4 Só uma fraca curiosidade impediria qualquer dos rapazes da família de meter a pá pelo menos uma vez nas suas superfícies corroídas, e até o pai sucumbiu ao entusiasmo local e tentou a sua sorte com um ramo de aveleira. O jovem Joseph não se conseguia manter afastado dos túmulos.

A excitação sobre as possibilidades de tesouros índios, e talvez ouro espanhol enterrado, atingiram o auge com a vinda do que o editor do Reflector de Palmyra chamou um "cartomante vagabundo" de nome Walters, que ganhou a confiança de vários agricultores a ponto de eles lhe pagarem 3 dólares por dia para procurar tesouros enterrados nas suas propriedades. Além de cristais, sapos embalsamados e varas minerais, a parafernália normal do adivinho, Walters afirmava ter achado um antigo registo índio que descrevia os locais dos tesouros escondidos. Ele lia este registo em voz alta para os seus seguidores no que parecia ser uma língua exótica e estranha mas que na realidade era, segundo declarou o editor do jornal, uma velha versão latina das Orations de César [Cícero?]. Os relatos da imprensa que descrevem a actividade de Walters, publicados em 1830-1831, declararam significativamente que quando ele deixou a vizinhança o seu manto caiu sobre o jovem Joseph Smith.5

Os vizinhos de Joseph mais tarde contaram muitas histórias sobre pedras de adivinhação, fantasmas, encantamentos mágicos e escavações nocturnas. Joseph Capron jurou que o jovem Joseph lhe tinha dito que uma arca de relógios de ouro estava enterrada na sua propriedade, e tinha dado ordens aos seus seguidores "para cravarem um lote de terreno com grandes estacas, várias varas ao redor, em forma circular", directamente sobre o local. Depois um dos do grupo marchou ao redor do círculo com uma espada desembainhada "para impedir qualquer assalto que sua majestade satânica pudesse estar disposta a fazer", e os outros cavaram furiosamente, mas em vão, em busca do tesouro.

Outro vizinho, William Stafford, jurou que Joseph lhe disse que havia um tesouro enterrado na sua propriedade, mas que só podia ser posto em segurança se uma ovelha negra fosse levada para o local, e "conduzida à volta de um círculo" sangrando, com a garganta cortada. Este ritual era necessário para aplacar o espírito maligno que guardava o tesouro. "Para gratificar a minha curiosidade", admitiu Stafford, "deixei-os levar uma grande ovelha gorda. Eles depois informaram-me que a ovelha foi morta segundo o mandamento; mas como houve algum erro no processo, não teve o efeito desejado. Acredito que esta foi a única vez que eles fizeram da escavação de tesouros um negócio lucrativo."6

A escavação de tesouros feita por Joseph começou a sério com a sua descoberta de uma "pedra de vidência" quando ele estava a cavar um poço para Mason Chase. Martin Harris declarou que a pedra estava a 7 metros de profundidade e Joseph Capron testificou que Joseph conseguia ver visões maravilhosas nela, "fantasmas, espíritos infernais, montanhas de ouro e prata". A esposa de Joseph certa vez descreveu esta pedra como "não exactamente negra mas antes de cor escura", embora ela não tenha admitido nenhum dos usos iniciais que foram dados à pedra.7

Anos mais tarde Joseph admitiu francamente no seu jornal da igreja e também no seu diário que tinha sido um escavador de tesouros, embora, escreveu, isso não fosse particularmente lucrativo já que ganhava "apenas 14 dólares por mês com isso".8 Mas que ele se entregava a todo o teatro enganoso que lhe era atribuído pelos seus vizinhos, isso ele negou vigorosamente.

A observação de cristais é uma profissão antiga e tem sido uma profissão honrada. Os egípcios olhavam fixamente para um reservatório com tinta, os gregos olhavam para um espelho, os astecas olhavam para um cristal de quartzo, e os europeus para uma lâmina de espada ou copo de vinho -- qualquer superfície translúcida que fizesse os olhos desfocarem-se com a observação prolongada. Quando Joseph Smith começou a usar a sua pedra de vidência ou de "ver", ele empregou o folclore familiar à América rural. Os detalhes dos seus rituais e encantamentos não são importantes pois eram comuns, e Joseph desistiu da escavação de tesouros quando tinha 21 anos em troca de uma profissão muito mais excitante.

Anos depois, quando Joseph Smith se começou a tornar o profeta reverenciado por milhares de mórmones, começou a escrever uma autobiografia oficial, na qual o seu relato dos anos da adolescência difere de forma surpreendente do breve esboço que ele tinha escrito em 1834 em resposta aos seus críticos. Aqui não havia qualquer desculpa mas antes o início de um épico.

Ele escreveu que quando tinha 14 anos de idade ficou perturbado por reavivamentos religiosos na vizinhança e foi para os bosques para procurar a orientação do Senhor.

Era a primeira vez na minha vida que eu tinha feito tal tentativa, pois entre todas as minhas ansiedades eu nunca tinha até então feito a tentativa de orar em voz alta.... Ajoelhei-me e comecei a oferecer a Deus os desejos do meu coração. Mal tinha começado a fazê-lo, quando imediatamente fui tomado por algum poder que me dominou completamente, e teve sobre mim uma influência tão espantosa a ponto de prender a minha língua de modo que não pude falar. Fiquei rodeado por uma escuridão cerrada, e durante algum tempo parecia-me como se eu estivesse destinado à destruição repentina. Mas, exercendo todos os meus poderes para invocar Deus para me libertar do poder deste inimigo que me tinha dominado, e no exacto momento em que eu estava pronto a afundar-me no desespero e abandonar-me à destruição -- não a uma ruína imaginária, mas ao poder de algum ser real do mundo invisível, que tinha um poder tão maravilhoso como eu nunca antes sentira em nenhum ser -- exactamente neste momento de grande alarme, vi uma coluna de luz mesmo por cima da minha cabeça, sobre a luminosidade do sol, que desceu gradualmente até que a senti sobre mim.

De súbito parecia que eu me encontrava liberto do inimigo que me tinha aprisionado. Quando a luz incidiu sobre mim vi duas personagens, cujo brilho e glória desafiavam toda a descrição, paradas sobre mim no ar. Uma delas falou comigo, chamando-me pelo nome, e disse -- apontado para a outra -- "Este é o meu amado Filho, escuta-O."

O meu objectivo ao ir consultar o Senhor era saber qual de entre todas as seitas estava certa, de modo que eu pudesse saber a qual me juntar. Portanto, logo que me consegui controlar, de modo a poder falar, perguntei às personagens que estavam paradas acima de mim na luz, qual de entre todas as seitas estava certa -- e a qual me devia juntar. Foi-me respondido que não me devia juntar a nenhuma delas, pois estavam todas erradas, e a personagem que se dirigiu a mim disse que os seus credos eram uma abominação à vista Dele: que esses professores eram todos corruptos; que "eles aproximam-se de mim com os lábios, mas os seus corações estão longe de mim; eles ensinam por doutrinas os mandamentos de homens: tendo uma forma de religiosidade, mas negam esse poder". Ele proibiu-me mais uma vez de me juntar a qualquer delas: e muitas outras coisas me disse ele, que não posso escrever nesta altura. Quando recuperei os sentidos novamente, vi que estava deitado de costas, olhando para o céu.9

Visões menores que esta eram comuns no folclore da área. Elias Smith, o famoso pregador dissidente de Vermont, aos 16 anos tinha tido uma experiência espantosamente parecida nos bosques perto de Woodstock, quando viu "o Cordeiro sobre o Monte Sião", e uma glória brilhante na floresta. John Samuel Thompson, que ensinou na Academia de Palmyra em 1825, tinha visto Cristo descer do firmamento "num resplendor de brilho excedendo 10 vezes o brilho do Sol meridiano", e tinha-O ouvido dizer: "Designo-te para ir e dizer à humanidade que cheguei; e ordeno a todos os homens que gritem vitória!" mas Thompson nunca tinha descrito isto como outra coisa senão um sonho. Asa Wild de Amsterdão, Nova Iorque, tinha falado com "a terrível e gloriosa majestade do Grande Jeová", e tinha aprendido "que toda a denominação de professos cristãos se tornara extremamente corrupta", que dois terços dos habitantes do mundo estavam prestes a ser destruídos e os restantes introduzidos no milénio. "Muito mais o Senhor revelou", tinha dito Wild, "mas proíbe que eu o relate deste modo. Publicarei em breve um panfleto barato, a minha experiência religiosa e jornada na vida divina."10

Mas a sua própria visão, conforme descrita por Joseph Smith 18 anos depois do evento, eclipsou claramente todas estas experiências. Naturalmente, seria de esperar que a imprensa local lhe tivesse dado publicidade considerável na época em que alegadamente ocorreu. E a autobiografia de Joseph levar-nos-ia de facto a acreditar que a sua visão de Deus Pai e Seu Filho tinha criado uma sensação na vizinhança:

Depressa descobri, porém, que o facto de eu ter contado a história tinha excitado muito preconceito contra mim entre professores de religião, e era a causa de muita perseguição, que continuou a aumentar; e embora eu fosse um rapaz obscuro, com apenas entre 14 e 15 anos de idade, e as minhas circunstâncias na vida me tornarem um rapaz irrelevante no mundo, ainda assim homens em altas posições tomaram nota o suficiente para excitar a mente do público contra mim, e criar uma perseguição amarga; e isto era comum a todas as seitas -- todas unidas para me perseguir.

Estranhamente, porém, os jornais de Palmyra, que anos depois lhe deram muita publicidade desagradável, não noticiaram a visão de Joseph na altura em que supostamente ocorreu. De facto, Dogberry insistiu no Reflector de Palmyra em 1 de Fevereiro de 1831: "No entanto, parece haver bastante certeza de que o próprio profeta nunca manifestou qualquer pretensão séria em relação à religião até à sua recente pretensa revelação [a descoberta do Livro de Mórmon]." Ele notou em 14 de Fevereiro que os seguidores de Joseph em Ohio estavam a afirmar que ele tinha "visto Deus frequentemente e pessoalmente", e que "foram exibidas designações e papéis que se dizia serem assinados pelo próprio Cristo". Mas ele insistiu em 28 de Fevereiro: "É bem sabido que Joe Smith nunca pretendeu ter qualquer comunhão com anjos até um longo período depois do pretenso achado do seu livro".11

O primeiro esboço biográfico de Joseph publicado, de 1834, mencionado acima, não continha qualquer vestígio de um acontecimento que, se tivesse acontecido, teria sido a experiência mais esmagadora para a alma em toda a sua juventude. Mas há duas versões manuscritas da visão entre 1831 e o relato publicado nas Remarkable Visions de Orson Pratt em 1840 que indicam que passou por uma assinalável evolução nos detalhes. Na primeira, que Joseph ditou em 1831 ou 1832, ele declarou que "no 16.º ano da minha idade... o Senhor abriu os céus sobre mim e vi o Senhor". Em 1835 isto tinha mudado para uma visão de duas "personagens" num "pilar de fogo" sobre a sua cabeça, e "muitos anjos". Na versão publicada as personagens tinham-se tornado Deus Pai e Seu filho Jesus Cristo, e os anjos tinham-se desvanecido. A idade de Joseph tinha mudado para 14.12

Embora a data final de Joseph para o começo da sua missão tenha sido fixada em 1820, há evidência de que a sua mãe e irmãos, Hyrum e Samuel, aparentemente não deixaram de ir à sua igreja presbiteriana até Setembro de 1828.13 Lucy Smith, ao escrever ao seu irmão em 1831 os detalhes completos do Livro de Mórmon e a fundação da nova igreja, nada disse sobre a "primeira visão". A mais antiga história Mórmon publicada, iniciada com a colaboração de Joseph em 1834 por Oliver Cowdery, ignorou-a completamente, declarando que a excitação religiosa na área de Palmyra ocorreu quando ele tinha 17 anos (não 14). Cowdery descreveu a vida de visões de Joseph como tendo começado em Setembro de 1823, com a visão do anjo chamado Moroni, que se diz ter dirigido Joseph na descoberta das placas de ouro escondidas. Significativamente, em anos posteriores alguns dos familiares próximos de Joseph confundiram a "primeira visão" com a visão do anjo Moroni.14

Quando Joseph começou a sua autobiografia, em 1838, ele estava a escrever não sobre a sua própria vida mas sobre alguém que já se tinha tornado o profeta mais célebre do século 19. E ele estava a escrever para o seu próprio povo. As memórias são sempre distorcidas pelos desejos, pensamentos e, acima de tudo, as obrigações do momento.

Se aconteceu alguma coisa naquela manhã de 1820, passou completamente despercebido na cidade natal de Joseph, e aparentemente nem sequer deixou marca nas mentes dos membros da sua própria família. A espantosa visão que ele descreveu em anos posteriores era provavelmente a elaboração de algum sonho meio lembrado estimulado pela excitação do revivalismo inicial e reforçada pelo rico folclore de visões que circulava na sua vizinhança. Ou pode ter sido pura invenção, criada algum tempo depois de 1830 quando surgiu a necessidade de uma tradição grandiosa para anular as histórias sobre cartomancia e escavação de tesouros. As imagens de sonho vinham facilmente a este jovem, cuja imaginação era tão desentravada como todo o oeste.

Uns poucos cidadãos perspicazes na vizinhança de Joseph estavam mais divertidos com os seguidores dele do que alarmados com as implicações morais das suas escavações em busca de tesouros. Um nativo, ao escrever as suas impressões sobre o rapaz alguns anos depois, reconheceu alguns talentos positivos: "Joseph tinha um pouco de ambição, e algumas aspirações muito louváveis; o intelecto da mãe brilhava debilmente nele, especialmente quando ele costumava ajudar-nos a resolver algumas portentosas questões de moral ou ética política no nosso clube de debates juvenil, que mudámos para o velho prédio escolar vermelho na rua Durfee, para nos vermos livres dos críticos que costumavam aparecer de surpresa na aldeia. E subsequentemente, depois de apanhar uma faísca de metodismo na reunião do campo, lá em baixo nos bosques, na estrada para Vienna, ele era um exortador muito razoável nas reuniões nocturnas."15

Este é um de dois relatos não-mórmones que indicam que Joseph Smith, apesar de todo o seu entusiasmo pela necromancia, não era imune à excitação religiosa que varria periodicamente Palmyra. A mãe dele escreveu que desde o primeiro dia ele recusou terminantemente comparecer às reuniões no campo, dizendo: "Posso pegar na minha Bíblia e ir para os bosques e aprender mais em duas horas do que vocês aprendem na reunião em dois anos, se forem sempre."16 Mas é evidente que ele estava sagazmente alerta para as diferenças que dividiam as seitas e estava genuinamente interessado nas controvérsias. Embora desprezando o sectarismo, ele gostava de pregar porque isso lhe dava uma audiência. E isto era tão essencial para Joseph como o alimento.

Daniel Hendrix, que ajudou a montar os tipos para o Livro de Mórmon, escreveu certa vez que Joseph tinha "um modo jovial, fácil, despreocupado que lhe granjeou muitos amigos calorosos. Ele era um bom conversador, e teria sido um bom orador propagandista, se tivesse tido o treino. Ele era conhecido como um romancista de primeira ordem. Nunca pensei que um homem tão ignorante como Joe pudesse ter uma imaginação tão fértil. Ele nunca contava uma ocorrência comum da sua vida diária sem embelezar a história com a sua imaginação; no entanto, lembro-me que um dia ele ficou ofendido quando o velho Parson Reed lhe disse que ia para o inferno por causa do seu hábito de mentir."17

O próprio Joseph falou muitas vezes do seu "temperamento nativo alegre", e era evidente que desde uma idade precoce ele era um jovem amigável e divertido que se deleitava em representar perante os seus amigos. Aos 17 anos ele era magro e poderoso, 1 metro e 82 centímetros e moderadamente atraente. O seu cabelo, mudando de prateado para castanho claro, caía para trás de forma luxuriante a partir da testa. Mesmo nesta idade havia algo que compelia na sua presença e homens mais velhos ouviam as suas histórias meio duvidando, meio respeitosos. Nunca lhe faltavam seguidores.

A imaginação dele transbordava como uma inundação de primavera. Quando ele olhava fixamente para o seu cristal e via ouro em todo o monte com forma estranha, estava a escapar do trabalho árduo na quinta para uma opulência gloriosa. Se ele tivesse podido continuar os seus estudos, sujeitando a sua fantasia adaptável e o seu tremendo talento dramático à disciplina e à moldagem, a sua vida poderia nunca ter tomado o rumo exótico que tomou. A mente dele era ágil e impaciente, e o estudo disciplinado podia ter feito os seus talentos criativos voltarem-se para uma direcção convencionalmente mais proveitosa.

Stephen A. Douglas, também ele um grande líder natural, estava nestes mesmos anos frequentando a Academia de Canandaigua, uns 14 quilómetros a sul, e foi ali que tomou as medidas aos seus talentos vigorosos e começou a pô-los em uso. Os dois provavelmente não se conheceram na juventude, mas quando os seus caminhos se cruzaram anos mais tarde em Illinois os dois homens tinham-se tornado, cada um à sua própria maneira, as figuras mais célebres na fronteira do Mississipi.

Saber se o espírito em ebulição de Joseph poderia alguma vez ter sido canalizado por qualquer disciplina é uma questão em aberto. Ele só teve estudos escolares formais limitados depois de sair de Nova Inglaterra. E como nunca teve uma verdadeira perspectiva sobre os seus próprios dons, provavelmente estava inclinado a encará-los como mais anormais -- ou supernaturais -- do que realmente eram. O que era na realidade uma capacidade extraordinária para a fantasia, que com treino apropriado poderia até tê-lo levado à escrita de novelas, era encarado por ele mesmo e pelos seus seguidores como uma segunda visão genuína e pelos habitantes mais religiosos das cidades como mentira ultrajante.

Quando Joseph tinha 18 anos o seu irmão mais velho Alvin morreu numa agonia súbita e terrível causada pelo que a sua mãe descreveu como uma dose excessiva de calomelanos prescrita por um médico para curar uma perturbação de estômago. Na sua narrativa Lucy Smith mencionou a morte rapidamente e quase filosoficamente, pois tinham passado 20 anos para mitigar a sua mágoa, mas ela omitiu completamente a sua curiosa sequela.

Alvin não tinha sido um frequentador da igreja, e o ministro que pregou o seu sermão fúnebre "insinuou muito fortemente que ele tinha ido para o inferno."18 A fúria da família contra o vigário mal tinha arrefecido quando ouviram um rumor de que o corpo de Alvin tinha sido exumado e dissecado. Receando que o rumor fosse verdade, o Smith pai destapou a sepultura em 25 de Setembro de 1824 e inspeccionou o cadáver. Em 29 de Setembro, e durante uma semana a seguir a essa data, ele publicou o seguinte anúncio pago no Wayne Sentinel:

AO PÚBLICO:

Embora tenham sido laboriosamente postos em circulação relatos de que o meu filho Alvin foi removido do local do seu enterro e dissecado; relatórios esses que toda a pessoa possuindo sensibilidade humana deve saber que foram peculiarmente calculados para atormentar a mente de um pai e ferir profundamente os sentimentos de relações, eu, com alguns dos meus vizinhos esta manhã dirigi-me à sepultura, e removendo a terra, encontrei o corpo, que não tinha sido perturbado. Este método é tomado com o propósito de satisfazer as mentes daqueles que o puseram em circulação, que é solicitado seriamente que cessem de o fazer; e que alguns acreditam que [os rumores] foram estimulados mais pelo desejo de ferir a reputação de certas pessoas do que por uma filantropia pela paz e bem estar de mim próprio e de amigos.

(Assinado) Joseph Smith
Palmyra, 25 de Setembro de 1824

É difícil explicar esta cruel piada como outra coisa além da tentativa de alguém ridicularizar as actividades de escavação da família Smith, que nunca tinham sido seriamente interrompidas. De facto, na altura em que tinha 19 anos o jovem Joseph estava a começar a adquirir uma reputação de ser um necromante de talento excepcional que contava até o seu pai e irmão Hyrum entre os seus seguidores. A sua mãe escreveu que Josiah Stowel (ou Stoal) fez o longo caminho desde a Pennsylvania para ver o seu filho "depois de ter ouvido que ele possuía certas chaves através das quais podia discernir coisas invisíveis ao olho natural."19

Stowel, um agricultor idoso de South Bainbridge (agora Afton), Nova Iorque, tinha vindo para norte visitar familiares e tinha encontrado Joseph em Palmyra. Simpson Stowel suplicou-lhe que exibisse os seus talentos mágicos perante o pai, e Joseph, sendo amigo de Simpson, acedeu, descrevendo em detalhe a "casa e alpendres" de Stowel em South Bainbridge. Stowel ficou tão impressionado que suplicou ao jovem que fosse para sul consigo e procurasse uma mina de prata perdida que se dizia ter sido explorada pelos espanhóis no Vale de Susquehanna. Disse que lhe pagaria 14 dólares por mês e alojamento gratuito.20

A colheita estava terminada e a perspectiva de ver novas paragens provavelmente atraiu Joseph tanto como o salário em dinheiro. Sempre leal à sua família, ele insistiu que o seu pai fosse incluído no arranjo, e partiram com Stowel para sul. Pararam no sopé dos montes em Allegheny, ficando durante algum tempo em Harmony, Pennsylvania, nas margens do romântico Susquehanna. Nesse local alojaram-se com um homem enorme e rude de Vermont chamado Isaac Hale.

O seu anfitrião, um caçador famoso, gastou a maior parte do tempo nas florestas, deixando a sua esposa e filhas cuidar dos jardins e vacas. Joseph sentiu-se imediatamente atraído por Emma, de 21 anos, uma rapariga de tez escura e face séria com grandes olhos brilhantes cor de avelã. Ela era sossegada, quase taciturna, com um ar inabordável ao qual Joseph, que aos 20 anos já era considerado "um grande favorito das senhoras", respondeu com mais do que atenção casual.

A princípio Isaac Hale ajudou a subsidiar as expedições de Stowel às montanhas, mas com os primeiros falhanços ficou rapidamente desiludido e pouco depois tornou-se desdenhoso. Nove anos mais tarde ele escreveu sobre Joseph, que então se tornara seu genro: "A aparência dele nesta altura era a de um jovem descuidado -- não muito bem educado, e muito impertinente e insolente para o pai.... O jovem Smith a princípio deu grande encorajamento aos 'escavadores de tesouros', mas quando chegaram a cavar perto do local onde ele tinha dito que um imenso tesouro seria encontrado -- ele disse que o encantamento era tão poderoso que não conseguia ver. Nessa altura eles ficaram desencorajados, e pouco depois dispersaram-se. Isto ocorreu por volta de 17 de Novembro de 1825."21

Com o passar do tempo o pai de Joseph voltou a Palmyra, mas o jovem permaneceu na quinta de Josiah Stowel, que parece nunca ter perdido a fé nos talentos sobrenaturais do seu protegido. Joseph trabalhava na quinta, frequentava a escola no inverno, e passava o seu tempo livre procurando tesouros e indo a cavalo a Pennsylvania para ver Emma Hale.

Em Março de 1826 as artes mágicas de Joseph pela primeira vez trouxeram-lhe problemas sérios. Um dos vizinhos de Stowel, Peter Bridgman, prestou juramento num mandato para a detenção do jovem, acusando-o de ser uma pessoa desordeira e impostor. No tribunal Joseph negou que passasse todo o tempo à procura de minas e insistiu que na maior parte do tempo trabalhava na quinta de Stowel e ia à escola. Admitiu, no entanto, que "tinha uma certa pedra, para a qual tinha olhado ocasionalmente para determinar onde estavam tesouros escondidos nas entranhas da terra; que afirmava dizer deste modo a que distância abaixo do chão estavam as minas de ouro, e que fizera buscas para o Sr. Stowel várias vezes, e informara-o onde poderia encontrar esses tesouros, e o Sr. Stowel tinha estado envolvido em cavar à procura deles; que em Palmyra ele fingira dizer, olhando para a sua pedra, onde estavam enterrados tesouros em Pennsylvania, e enquanto em Palmyra tinha frequentemente determinado desse modo onde estavam bens perdidos, de vários tipos; que tinha ocasionalmente o hábito de olhar através para a sua pedra para encontrar bens perdidos durante três anos, mas ultimamente tinha praticamente desistido pois isso prejudicava a sua saúde, especialmente os seus olhos -- fazia-lhe doer os olhos; que não solicitava negócios deste tipo; e sempre preferira declinar ter algo que ver com este negócio."22

Stowel defendeu Joseph com grande vigor, insistindo que "sabia positivamente" que Joseph podia ver tesouros valiosos através da pedra. Certa vez o jovem dissera-lhe para cavar nas raízes de um velho tronco, prometendo que encontraria um esconderijo de tesouro e uma pluma. À profundidade de metro e meio desenterrou a pluma, descobrindo que o tesouro se tinha "deslocado para baixo".

O seu testemunho, embora bem intencionado, fez ao prisioneiro mais mal que bem. Os familiares de Stowel atacaram amargamente Joseph, e o tribunal considerou-o culpado, embora o registo não diga qual foi a sentença determinada. A história de Oliver Cowdery, o único relato mórmon que alguma vez mencionou este julgamento, negou que Joseph tivesse sido culpado. "... alguma pessoa muito importuna", escreveu Cowdery, "queixou-se dele dizendo que era uma pessoa desordeira, e trouxe-o perante as autoridades do concelho; mas não havendo causa para acção ele foi honradamente absolvido."23

Parece que este julgamento, o primeiro numa longa série de crises na sua vida, chocou Joseph, incutindo-lhe um sentimento de que o seu passatempo era fútil, pois nesta altura ele desistiu completamente das suas escavações em busca de tesouros, embora tenha guardado a sua pedra de vidência e alguns dos artifícios psicológicos do adivinho rural.

Pode ser que esta renúncia tenha ocorrido em parte devido a desilusão com a sua própria magia. A maioria dos adivinhos são pessoas ignorantes e supersticiosas que acreditam profundamente nas suas varas minerais e pés-de-coelho. Os mágicos profissionais, por outro lado, não são ingénuos. O grande antropólogo Sir James Frazer indicou sabiamente que em tribos primitivas é provável que o noviço inteligente que estuda para ser curandeiro detecte as falácias que impressionam espíritos menos brilhantes. É muito mais provável que o feiticeiro que acredita nas suas próprias pretensões extravagantes tenha a sua carreira abreviada do que o impostor deliberado, e os mais hábeis são aqueles que planeiam e treinam as suas imposturas. Onde o feiticeiro honesto é refreado quando os seus encantamentos falham visivelmente, o enganador deliberado tem sempre uma desculpa. Certamente o mentor de Joseph, o prestidigitador Walters, pertencia a esta última classe.

É evidente que Joseph não tinha qualquer desejo de fazer da imitação de Walters a profissão da sua vida. Talvez ele tenha desistido dos truques e artifícios precisamente quando a superficialidade destes se tornou mais evidente para ele; talvez a sua renúncia fosse inteiramente devida a Emma Hale. Mas ele não podia deitar fora a sua fantasia desenfreada e o seu amor pela teatralidade, que o tinha atraído originalmente para a necromancia.

Depois do julgamento ele permaneceu durante alguns meses com Stowel, pois agora estava muito apaixonado e relutante em regressar a Palmyra sem levar Emma consigo como sua esposa. Mas Isaac Hale, tendo Joseph na conta de um impostor barato, trovejou uma recusa quando lhe foi pedida a mão dela e expulsou-o da casa. Joseph agora fazia visitas clandestinas sempre que Hale saía para caçar e suplicou à rapariga que fugisse com ele.

Céptica, sem saber o que esperar dele e preocupada com o futuro deles, ela hesitou. Mas só havia cerca de 200 pessoas em Harmony, e ela desdenhava a escassez de homens elegíveis na aldeia. Agora aproximando-se dos 23 anos, ela pode ter-se sentido ameaçada com a perspectiva de ficar solteirona. Além disso, Joseph tinha todo o ardor de um jovem de 21 anos, e nada da inarticulação usual. Ela estava descontroladamente apaixonada por ele.

Ele era grande, poderoso e segundo os padrões normais muito atraente, excepto o nariz, que era aquilino e proeminente. Os seus grandes olhos azuis eram orlados de pestanas fantasticamente longas que faziam o seu olhar parecer velado e ligeiramente misterioso. Emma provavelmente reparou logo naquilo que muitos dos seus seguidores mais tarde acreditavam ter uma causa sobrenatural: quando ele estava a falar com sentimento intenso, o sangue esvaía-se da sua face, deixando uma palidez assustadora, quase luminosa. Embora ela possa ter desaprovado as escavações em busca de tesouros, deve ter tido fé na sua compreensão de mistérios insondáveis para as pessoas comuns; ela não precisava que ninguém lhe dissesse que ele não era um homem comum.

Stowel, que tinha afeição pelo casal e estava ansioso por fazer avançar o casamento, fez preparativos para Emma visitar Joseph na sua casa em South Bainbridge. Em 18 de Janeiro de 1827 eles casaram-se em segredo na casa de Squire Tarbell. Depois da cerimónia partiram para Manchester para viver com os pais de Joseph.

Oito meses depois voltaram a Harmony para enfrentar a fúria de Isaac Hale e para levar alguns móveis e gado que Emma possuía em seu próprio nome. Como Joseph não tinha carroça, contratou Peter Ingersoll para os levar, e é graças a ele que temos uma descrição do encontro.24

Hale estava num mar de lágrimas quando se encontrou com o casal. "Roubaste a minha filha e casaste com ela", chorou. "Eu teria preferido segui-la para a sepultura. Passas o tempo a cavar em busca de tesouros -- finges ver numa pedra, e assim tentas enganar as pessoas."

"Joseph chorou", disse Ingersoll, "e reconheceu que agora não conseguia ver numa pedra, nem nunca tinha conseguido; e que as suas pretensões anteriores a esse respeito eram todas falsas. Então prometeu abandonar os seus velhos hábitos de cavar em busca de tesouros e olhar para pedras". Um pouco conciliado, Hale disse a Joseph que se ele se mudasse para Pennsylvania e trabalhasse pelo sustento, ajudá-lo-ia a entrar nos negócios, e Joseph concordou com isto.

Mas havia uma grande impaciência neste jovem que o fazia odiar o trabalho da terra. Na verdade, ele tinha abandonado definitivamente as escavações em busca de tesouros. Mas se ficara desiludido com a profissão, tinha retido uma fé soberba em si mesmo. Nos 5 anos seguintes Joseph subiu do mundo da magia para o mundo da religião. Foi transformado de necromante menor num profeta, rodeado já não por uma clientela mas por seguidores entusiásticos com propósitos e ideais comuns.


Nenhum Homem Conhece a Minha História: A Vida de Joseph Smith (Nova Iorque: Vintage Books, 1995) de Fawn M. Brodie (1915-1981), pp. 367-379.

Capítulo 26: Prelúdio à Destruição


Para um observador casual da cena mórmon na primavera de 1844 deve ter parecido que Joseph Smith estava a cavalgar mais alto do que nunca antes. Excepto as fulminações dos anti-mórmones em Warsaw e Carthage, havia pouco ressentimento aberto contra ele ou o seu povo. A sua campanha presidencial estava a dar-lhe muita publicidade e, ao subtrair o voto mórmon da política partidária, parecia provável que apaziguaria alguns dos antagonismos resultantes de assuntos políticos.

Na realidade, a inimizade contra os mórmones era generalizada e perigosa. Os que levaram a sério a campanha de Joseph viam-no como um símbolo maléfico da união entre igreja e estado, e outros suspeitavam que ele acabaria por renunciar à sua candidatura e declarar-se a favor de um candidato popular. Os maçons, irritados com os rumores de corrupção do ritual maçónico nas lojas mórmones (que agora eram em número de cinco, três em Nauvoo e duas em Iowa) e furiosos com a recusa de Joseph de enviar os registos das lojas para Springfield para inspecção, estavam determinados a revogar as dispensações e declarar clandestinas todas as lojas mórmones.1 Os anti-mórmones estavam a passar resoluções pedindo a extradição de Joseph e esperando por alguma provocação de Nauvoo que lhes fornecesse um pretexto para acção.

Mas o pior perigo de Joseph, como ele compreendeu perfeitamente, estava a amadurecer no interior do seu próprio reino. "A minha vida está mais em perigo por causa de algum pequeno palerma de um imbecil nesta cidade do que por causa de todos os meus numerosos e inveterados inimigos lá fora", declarou. "Estou exposto a um perigo muito maior vindo de traidores entre nós do que de inimigos de fora.... Posso viver como César poderia ter vivido, se não fosse um Brutus à minha direita.... temos um Judas no nosso meio!"2

Nesta altura Joseph tinha estado a assistir há vários meses à alienação progressiva de um dos seus homens mais qualificados e corajosos. William Law tinha sido o seu Segundo Conselheiro durante mais de dois anos, provando ser tão firme e incorruptível como John C. Bennet fora traiçoeiro e dissoluto. Law tinha vindo do Canadá como homem rico. Tinha investido em terrenos, construções e moinhos a vapor, sustentando mais do que qualquer outra pessoa a extremamente necessária industrialização da cidade.

A princípio Law escondeu o seu ressentimento contra o monopólio que o profeta tinha sobre a gestão dos terrenos dentro e à volta da cidade, embora pensasse que isso era impróprio num homem de Deus. Tinha ficado particularmente chocado quando Joseph ameaçou excomungar todo o convertido rico que viesse para Nauvoo e comprasse terra sem o seu parecer. Por fim, passou a desconfiar do julgamento de Joseph nos negócios e recusou-se a investir dinheiro na publicação da versão revista da Bíblia, colocando em vez disso os seus fundos num moinho a vapor e numa quinta de cânhamo.3

O profeta estava constantemente a pedinchar dinheiro para construir o templo e a Casa de Nauvoo, que Law pensava poder muito bem ser adiada até que a escassez aguda de alojamento na cidade fosse aliviada. O templo era agora o principal espectáculo no Mississipi superior, mas os trabalhadores que suavam sobre as suas enormes pedras viviam à base de milho seco.

A Casa de Nauvoo, por outro lado, apesar de doações generosas e compras abundantes de materiais, dificilmente parecia estar a crescer. Law ficou convencido, correcta ou incorrectamente, que Joseph estava a usar os fundos doados para o hotel para comprar mais terra, que depois vendia com um lucro generoso aos novos convertidos.

Por fim Law e Robert Foster, que eram os principais empreiteiros na cidade, começaram a batalhar contra a economia autárquica que os estava a sitiar. Compraram parte da madeira que flutuava pelo Mississipi abaixo vinda de Wisconsin, que tinha sido destinada exclusivamente para edifícios da igreja, e começaram a construir casas e lojas. Como pagavam salários, ao passo que o profeta pagava aos trabalhadores no templo e na Casa de Nauvoo em bens e títulos de subscrição da cidade, o resultado foi uma crise laboral desagradável.

Joseph apelou aos trabalhadores para que continuassem nos projectos da igreja e deplorou os "esqueletos gigantescos" de Foster que estavam a crescer por toda a cidade. "Não há carne neles", gritou, "são todos para interesse pessoal e engrandecimento.... Quero a Casa de Nauvoo construída. Tem de ser construída. A nossa salvação depende disso.... Digo aos que trabalharam na Casa de Nauvoo e não receberam pagamento -- Sejam pacientes; e se algum homem tomar os meios que estão postos de lado para a construção daquela casa, e os aplicar ao seu próprio uso, deixem-no, pois ele destruir-se-á a si mesmo. Se algum homem está faminto, que venha ter comigo, e eu alimentá-lo-ei à minha mesa.... Dividirei com ele até ao ultimo pedaço; e se o homem não estiver satisfeito, vou dar um pontapé no traseiro dele!"4

O afastamento entre William Law e o profeta começou assim numa divergência fundamental de atitudes económicas. A quebra definitiva na amizade deles, no entanto, não veio de uma questão de finanças, mas de fidelidade. Law observou com tristeza e suspeição Joseph a alargar cada vez mais o seu círculo de esposas. Depois o profeta tentou abordar a própria esposa de Law, Jane.5

Numa sessão violenta com o seu líder, Law apelou a uma reforma e ao fim do deboche que estava a corromper a igreja. Joseph argumentou, suplicou e citou o Antigo Testamento, mas em vão. Law ameaçou que a menos que Joseph comparecesse perante o Alto Conselho, confessasse os seus pecados e prometesse arrependimento, ele revelaria as seduções de Joseph perante o mundo todo.

Law mais tarde citou Joseph como dizendo: "Antes a condenação do que isso. Se eu admitisse as acusações que lança sobre mim, isso seria o desmoronamento da Igreja!"

"Não é isso já inevitável?" perguntou Law.

"Então podemos ir todos juntos para o Inferno e convertê-lo num céu expulsando de lá o Diabo! O Inferno não é de maneira nenhuma o lugar que este mundo de idiotas supõe, antes pelo contrário, é um lugar muito agradável."

Ultrajado pela troça do profeta, Law virou-lhe as costas, dizendo asperamente: "Então pode gozá-lo à vontade, mas quanto a mim, vou servir o Senhor nosso Deus!"6

Isto foi o princípio da apostasia de Law, mas durante alguns meses foi evitada uma ruptura aberta. Tal como muitos outros membros descontentes, Law acreditava que Joseph era, não um falso profeta, mas antes um profeta caído em desgraça, arrastado para a iniquidade pelos ensinos de John C. Bennet e pelas suas próprias paixões ardentes. Ele apegou-se às primeiras revelações de Joseph -- à pureza original da mensagem do evangelho que fizera dele um convertido -- e esperava que alguma coisa trouxesse o profeta de volta à realidade.

A eleição de 1843 tinha dado aos Santos a primeira suspeição de que Law estava em desfavor, e quando Joseph denunciou o Judas em Nauvoo, muitos deles adivinharam quem era o acusado. Law foi informado em privado que os Anjos Destruidores tinham ordens para pô-lo fora do caminho, e embora Joseph negasse de forma elaborada essa história perante um conselho da cidade, Law não ficou inteiramente tranquilo.7 Junto com o seu irmão Wilson, começou a gravitar para o campo dos outros mórmones insatisfeitos.

Neste grupo estavam William Marks, Austin Cowles e Leonard Soby, que se opunham radicalmente à poligamia. Havia o jovem Francis Higbee, que nunca tinha perdoado o profeta por tê-lo denunciado publicamente como debochado e dissoluto durante o escândalo Bennett; também o seu irmão Chauncey, cuja reputação em Nauvoo era pouco melhor.

Hiram Kimball estava quase pronto a juntar-se às fileiras deles. Como possuía uma boa porção da terra ao longo do rio e tinha construído muitos dos cais para os barcos a vapor, esperava cobrar ele mesmo a acostagem; mas Joseph insistiu que isso era uma prerrogativa da cidade e ameaçou publicamente fazer explodir os barcos a vapor que não pagassem.8 Kimball, tal como Law, ficou ainda mais irritado por ciúmes, pois Joseph certa vez tinha cobiçado a mulher dele, Sarah, e tinha tentado em 1842 conquistá-la para ser sua esposa espiritual.9

Um dos principais dissidentes era o Dr. Robert D. Foster, cujas ofensas eram muito parecidas com as de Kimball e William Law. Durante muito tempo ele tinha ficado ofendido com a oposição do profeta aos seus empreendimentos de negócios, mas ainda o procurava para orientação em assuntos espirituais. Então, certo dia na primavera de 1844, chegou a casa inesperadamente de uma viagem de negócios e descobriu o profeta a jantar com a sua esposa. Quando Joseph saiu e Foster exigiu saber o propósito da sua vinda, a Sra. Foster recusou-se a falar. Encolerizando-se rapidamente e excessivamente ciumento, ele sacou da pistola e ameaçou matá-la se ela não divulgasse tudo o que o profeta tinha dito. Pálida e aterrorizada, a mulher permanecia silenciosa.

Então, num frenesim melodramático, Foster pegou numa pistola de cano duplo, colocou-a na mão dela e gritou-lhe que se defendesse. "Se não me contares, ou disparas ou disparo eu." Nisto, ela desmaiou. Quando recuperou os sentidos, confessou que o profeta tinha estado a pregar a doutrina das esposas espirituais e tinha conseguido seduzi-la.

Foster contou esta história a um pequeno grupo de mórmones descontentes reunidos num canto de uma mercearia -- os Laws, os Higbees, o desocupado Joseph H. Jackson, e alguns outros. Era o sinal para uma confissão completa. Um por um, os homens deixaram de lado a reserva e aliviaram o fardo das suas almas. Chauncey Higbee jurou que alguns dos anciãos principais chegavam a ter 10 ou 12 esposas cada um, e descreveu como registavam os nomes de todas as mulheres com as quais desejavam casar num grande livro, chamado Livro da Lei do Senhor, mantido na casa de Hyrum Smith. Depois de os nomes serem inscritos, disse ele, o livro era selado, e os selos eram quebrados na presença das mulheres, que não suspeitavam de nada, e que eram assim convencidas de que a doutrina era verdadeira e que se deviam submeter. Jackson, que tinha tentado sem sucesso obter a mão da filha de Hyrum Smith e já estava a planear vingança há muito tempo, insinuou que estava a ser preparada uma conspiração que custaria a vida de todos os Smiths em Nauvoo dentro de duas semanas.

Dois dos homens que ouviram estas histórias correram precipitadamente para o profeta. Ele ordenou-lhes de imediato que registassem por escrito tudo nos mínimos detalhes, incluindo o relato de Foster sobre a tentativa de sedução da esposa, e em 17 de Abril publicou estes testemunhos juramentados no Nauvoo Neighbor.10 Ele não se dignou negar as histórias, deixando que o choque da publicação fosse suficiente para convencer o seu povo de que eram mentiras.

O julgamento de Foster foi marcado para 20 de Abril de 1844. Mas quando se soube que ele tinha arranjado 41 testemunhas e planeava transformar o julgamento numa acusação ao profeta, um conselho reuniu-se em segredo antecipadamente e excomungou-o junto com William, Wilson e Jane Law.11

O cisma assim criado em Nauvoo era pequeno mas perigoso. Embora fossem párias na cidade, os apóstatas não saíram dela. Não eram só os seus empreendimentos de negócios que os mantinham ali. William Law tinha coragem, tenacidade e um idealismo estranho e pouco sensato. Embora estivesse rodeado na maior parte por homens que acreditavam que Joseph era um vil impostor, agarrava-se à esperança de que podia levar a cabo uma reforma na igreja. Com este fim, estabeleceu a sua própria igreja, sendo ele mesmo o presidente, seguindo fielmente a organização do corpo principal.

Isto em si mesmo não teria sido sério, pois Joseph já anteriormente tinha visto profetas rivais despontarem da relva sob os seus pés e não tinham dado em nada. Geralmente tentavam imitá-lo, dando revelações que pareciam secas e insípidas quando comparadas com as suas, profetizando descontroladamente e organizando-se muito mal. Mas Law era diferente. Na realidade, ele estava a caminho de uma completa e desagradável desilusão, mas estava a afastar-se da igreja dando passos para trás, procurando ansiosamente algo no horizonte a que se pudesse agarrar, procurando apoio em cada árvore e sebe.

O seu desejo desesperado para reformar a igreja tornou-o muito mais formidável do que se tivesse decidido destruir o profeta e todas as suas obras. Ao contrário de John C. Bennett, ele estava disposto a preparar os seus golpes para que tivessem maior efeito. E, mais importante, ele e Foster tinham suficiente dinheiro para comprar uma máquina de impressão. A igreja reformada haveria de ter um porta-voz 6 semanas depois de nascer, num jornal intitulado o Nauvoo Expositor.

Enquanto esperavam a chegada da máquina de impressão, os apóstatas deram início a um ataque em três frentes contra Joseph através dos tribunais. Francis Higbee processou-o em 500 dólares sob acusação de calúnia; William Law conseguiu que uma comissão de inquérito de Carthage emitisse uma nota de acusação contra Joseph por adultério e poligamia; e Jackson e Foster conseguiram uma acusação similar por falso testemunho.12

Joseph não tinha medo dos juramentos que os Laws pudessem fazer contra ele num tribunal de Carthage, pois sabia que teriam dificuldades em provar que era culpado. Já por 3 anos os seus funcionários tinham-no acompanhado para todo o lado, registando por escrito tudo o que ele tinha dito e feito. Todos os dias estavam registados. E todas as referências ao casamento plural tinham sido tão habilmente disfarçadas que apenas os iniciados compreenderiam o seu verdadeiro significado. Disto ele tinha-se certificado.13

O ataque de Francis Higbee ao profeta foi combatido com uma campanha de difamação como Nauvoo já não via desde a expulsão de Bennett. Joseph acusou Higbee de perjúrio, sedução e adultério, dando detalhes que o grave Times and Seasons admitiu serem "demasiado indelicados para os olhos e ouvidos do público". Brigham Young jurou que Higbee associava-se com prostitutas, das quais tinha certa vez contraído uma doença venérea. Outra testemunha até identificou a fonte da infecção como sendo uma prostituta francesa de Warsaw, e disse que Bennett lhe tinha dado assistência médica e que o profeta até tinha tentado curá-lo através da oração.14

Chauncey Higbee foi atacado com a mesma invectiva violenta no Nauvoo Neighbor de 29 de Maio, quando o editor rebuscou os ficheiros secretos de testemunhos recolhidos aquando do escândalo de Bennett e publicou as antigas declarações juramentadas de três mulheres que Higbee tinha seduzido com a promessa de casamento sob o código das esposas espirituais. Portanto a lama voou para ambos os lados.

A publicação de tais documentos era o pior tipo de estratégia defensiva, pois Joseph não podia escapar a ser envolvido por implicação. Aqueles que acreditavam piamente nas suas negações da poligamia ficaram espantados com o perjúrio prodigioso dos apóstatas, e mórmones sensíveis que sabiam alguma coisa da verdade sobre a poligamia recordaram-se dolorosamente da exortação de Jesus: "Aquele de entre vós que não tiver pecado, que atire a primeira pedra".

Os excessos de Joseph custaram-lhe o que ele mais precisava, alguns meses de paz em Nauvoo sem escândalos políticos ou pessoais. Tal período teria visto o fim da eleição e a elaboração de algum tipo de solução para a migração em direcção a oeste. A poligamia poderia ter sido suficientemente escondida para manter os gentios sossegados e os seus novos convertidos leais. Depois, no Texas ou no Oregon ou em algum vale isolado nas Montanhas Rochosas ele poderia ensinar a verdade ao seu povo.

Mas ele estava cego para o seu próprio perigo e num sermão público em 26 de Maio forçou o seu ataque selvagem contra os apóstatas com uma fanfarronada irresponsável:

"O Senhor formou-me de forma tão curiosa que eu me regozijo com a perseguição.... Se a opressão transforma um homem sábio em louco, muito mais o faz a um tolo. Se eles querem que um rapaz imberbe chicoteie o mundo, subirei ao cimo de uma montanha e cantarei de galo: vencê-los-ei sempre. Quando os factos forem provados, a verdade e a inocência prevalecerão finalmente.... Avancem! ó acusadores! ó falsas testemunhas! Todo o inferno, transborde! Ó montanhas ardentes, derramem a vossa lava! pois ficarei a ganhar no fim. Tenho mais de que me gabar do que qualquer homem alguma vez teve. Sou o único homem que alguma vez conseguiu manter uma igreja inteira junta desde os dias de Adão.... Gabo-me de que nunca homem algum jamais fez uma obra como eu.... Como adoro ouvir os lobos uivar!"

Ele concluiu:

"Deus sabe, portanto, que as acusações contra mim são falsas.... Que coisa, um homem ser acusado de cometer adultério, e ter sete esposas, quando só consigo encontrar uma. Sou o mesmo homem, e tão inocente como era há 14 anos; e posso provar que eles são todos perjuros."15

Se John C. Bennett tivesse sido editor do Nauvoo Expositor em vez de William Law e Sylvester Emmons, o resultado seria uma folha lúgubre. Mas Law não era um boateiro barato e tinha uma profunda piedade pelas esposas plurais em Nauvoo. Ele fez questão de que nada de "carnal" entrasse no Expositor, e o primeiro número, que apareceu em 7 de Junho de 1844, era consequentemente -- considerando os factos à disposição do editor -- um documento extraordinariamente contido.

O principal editorial não mencionou quaisquer nomes, apenas descreveu a história de uma típica rapariga inglesa que tinha vindo sozinha para Nauvoo e era cuidadosamente doutrinada nos mistérios do reino pelo profeta. Isto era seguido por três declarações juramentadas, assinadas por William Law, Jane Law e Austin Cowles, testificando que todos tinham visto ou ouvido ler a revelação que concedia a cada homem o privilégio de casar com 10 virgens e lhe perdoava todos os pecados excepto o derrame de sangue inocente.

A poligamia era apenas a primeira de uma longa lista de práticas assinaladas para serem atacadas. O Expositor foi particularmente eloquente contra a tentativa de Joseph de unir a igreja e o estado, e a sua procura de poder político: "Não acreditamos que Deus alguma vez tenha suscitado um Profeta para cristianizar o mundo através de esquemas políticos e intrigas. Não é desse modo que Deus cativa o coração dos incrédulos; antes pelo contrário, é através da pregação da verdade na sua própria simplicidade original."

Disse ainda, numa alusão inconfundível ao cargo de rei que Joseph se atribuíra: "Nós não reconheceremos nenhum homem como rei ou legislador da igreja: pois Cristo é o nosso rei e legislador."

Os editores atacaram as manobras financeiras e as especulações imobiliárias de Joseph, a sua constante denúncia de Missouri, e o seu abuso dos privilégios que lhe eram conferidos pelos estatutos de Nauvoo. Apelaram à revogação dos estatutos, desobediência às revelações políticas, fim dos abusos do "poder unido" centrado no profeta e censuraram em termos fortíssimos as suas "imperfeições morais".

O Expositor espalhou a consternação por toda a cidade. Aqueles que estavam a praticar a poligamia receavam ser massacrados pelos anti-mórmones; aqueles que tinham sido mantidos na ignorância foram esmagados pela percepção de que todos os rumores sub-reptícios podiam afinal ser verdadeiros.16 Estes aguardaram com um misto de raiva e desânimo pela resposta do profeta.

Quando o profeta acabou de ler o Expositor, sabia que estava a enfrentar a crise mais grave da sua vida. O jornal tinha-o colocado em julgamento perante todo o seu povo. Talvez se Joseph os tivesse encarado com a verdade e tivesse ido para a plataforma no templo inacabado e lesse para a igreja a revelação sobre o casamento plural com a sua antiga convicção magnífica, teria conseguido tirar aos apóstatas a sua principal arma e libertar os seus seguidores leais de um fardo de segredo, evasão e mentiras que se estava rapidamente a tornar intolerável. Se tivesse revelado os seus planos para ir para oeste, poderia ter-lhes dado esperança e um desafio.

Mas ele não tinha coragem para isso. Apesar da metafísica elaborada que criara para justificar a poligamia, apesar de todos os profetas do Antigo Testamento que a tinham vivido e o sucesso da sua própria experiência, a crise encontrou-o com uma fraca disposição. Ele estava vazio de convicção quando mais necessitava dela.

Com uma espécie de desespero, virou-se para William Marks, que tinha vindo tão fielmente em seu auxílio em crises passadas com a sua sabedoria e bolsa generosa, mas que em meses recentes se tinha afastado dele com mágoa. Caminharam juntos pela rua abaixo na luz brilhante do verão, transformada numa alameda pouco usada onde podiam falar em privado, e sentaram-se no banco coberto de erva.

"Somos um povo arruinado", começou Joseph.

"Como assim?" perguntou Marks cautelosamente, pois tinha mantido durante tanto tempo um silêncio incomodado que já não sabia como falar com o seu líder.

"Esta doutrina da poligamia, ou sistema de esposas espirituais, que tem sido ensinado e praticado entre nós, acabará por ser a nossa destruição e ruína. Fui enganado; é uma maldição para a humanidade, e teremos de sair dos Estados Unidos em breve, a menos que possa ser abandonada e a sua prática interrompida na Igreja."

O homem mais velho estava prestes a chorar de gratidão. Isto era o que ele tinha estado à espera de ouvir desde que vira a revelação amaldiçoada sobre a poligamia um ano antes.

"Agora Irmão Marks", continuou Joseph, "tu não recebeste esta doutrina, e quero que vás ao alto conselho e farei com que sejam proferidas acusações contra todos os que praticam esta doutrina, e quero que os julgues pelas leis da Igreja, e os cortes, se não se arrependerem e cessarem a prática desta doutrina, e eu irei para a tribuna e pregarei contra [a doutrina] com todas as minhas forças, e desta forma livraremos a igreja desta heresia danada."17

Mas Joseph estava apenas a atirar às cegas, procurando uma maneira de sair daquele dilema, e os embaraços daquela solução particular devem tê-lo feito descartá-la quando o sol se pôs. Ele não sabia o que fazer. Só um tema persistia em toda a sua agitação -- uma convicção de que o Expositor tinha de ser estrangulado. Mas aqui ele foi mais uma vez traído pela sua completa incapacidade de lidar habilmente com a oposição, uma fraqueza que os seus sucessos políticos e legais em Nauvoo só tinham vindo intensificar. Ele tinha-se tornado um autocrata que só sabia pensar em termos de supressão.

Convocando o conselho da cidade, ele ordenou um julgamento, não dos apóstatas, mas do próprio Expositor. Foi um processo estranho e autoritário. Não houve júri, nem advogados, nem testemunhas de defesa. Os conselheiros simplesmente levantaram-se, uns após outros, e acusaram os editores de sedução, proxenetismo, falsificação e ladroagem. O profeta foi ao extremo de dizer que tinha sido provado perante o conselho da cidade que o apóstata Joseph H. Jackson era um assassino.

Em seguida ele acrescentou mais uma à sua lista de negações da poligamia, ao declarar que a revelação sobre a poligamia mencionada no Expositor "era em resposta a uma pergunta sobre coisas que tinham vindo a lume antigamente, e não tinha qualquer referência ao tempo presente."18 O conselho da cidade neste ponto declarou que a máquina de impressão era caluniosa e tinha de ser destruída. Joseph emitiu uma proclamação declarando-a um incómodo público; uma parte da Legião marchou para o escritório, destruiu a máquina de impressão, misturou os tipos e queimou todos os exemplares do odiado jornal que conseguiu encontrar.

O Expositor não era o primeiro nem seria o último jornal de Illinois a ser destruído desta forma. Queimar máquinas de impressão era uma espécie de desporto nas imediações da linha que ligava Mason a Dixon. Mas o líder de uma minoria odiada entregar-se a este desporto não era uma das liberdades da fronteira, era antes uma violação da sagrada Constituição. Era uma quebra de disciplina política e legal maior do que os anti-mórmones podiam ter desejado. Joseph não podia ter feito uma coisa melhor para os seus inimigos, já que lhes tinha finalmente dado um assunto moral que podiam usar para lutar contra ele.

Os apóstatas fugiram para Warsaw e Carthage. Robert Foster escreveu para o Warsaw Signal uma declaração detalhada na qual não só descreveu a destruição da máquina de impressão como também acusou Joseph de uma longa lista de crimes, desde contratar Porter Rockwell para matar Boggs até à sedução de inúmeras mulheres mórmones. "A História não proporciona qualquer paralelo para as iniquidades e enormidades deste tirano", concluiu ele, "que investido de um pouco de autoridade sumária, perpetra acções perante as quais o Céu chora e a natureza humana recua envergonhada da sua própria depravação."

O editorial de Thomas Sharp em 12 de Junho gritava com fúria demoníaca: "Guerra e extermínio são inevitáveis! LEVANTEM-SE CIDADÃOS, CADA UM E TODOS!!! Consegue ficar a olhar e permitir que estes DIABOS INFERNAIS! ROUBEM aos homens a sua propriedade e Direitos, sem vingá-los? Não temos tempo para comentários; cada homem fará os seus, QUE SEJAM feitos com PÓLVORA E BALAS!!!"

Joseph percebeu, demasiado tarde, que tinha soltado uma avalanche. Escreveu uma longa carta defensiva para o Governador Ford justificando com fundamentos jurídicos a destruição da máquina de impressão, e enviou ordens para os doze apóstolos regressarem a casa de imediato, com pólvora, chumbo, e uma carabina incluída discretamente nas suas bagagens.19 Depois foi instruir a Legião na defesa da cidade.

Subindo para o palanque de inspecção das tropas, o seu uniforme azul e amarelo claro vistosamente ornamentado com botões e dragonas dourados, ficou orgulhosamente perante os seus homens, não traindo nada do tumulto e ansiedade que o torturavam por dentro. Fez uma defesa obstinada da legalidade da sua posição. Desde que a máquina de impressão fora queimada, Law e Foster tinham obtido mandatos para a sua detenção com base na acusação de tumulto, que com a sua usual habilidade ele tinha evitado através do procedimento de habeas corpus do tribunal municipal de Nauvoo. Mas ele sabia que isto era pouco mais que um adiamento. De hora a hora os vigias traziam-lhe notícias sobre as multidões furiosas que estavam a varrer as ruas de Carthage e Warsaw. Multidões de missourianos e iowanos estavam a atravessar o rio, atraídos como moscas para o cheiro de sangue. Bandos armados já estavam a ameaçar famílias mórmones isoladas e a empurrá-las para Nauvoo. Falava-se de linchamentos em todo o lado -- sempre em nome da justiça e da liberdade.

Joseph leu para os seus homens o editorial incendiário da edição extra do Warsaw Signal para que não tivessem ilusões sobre o que os esperava. Depois disse: "Somos cidadãos americanos. Vivemos sobre um solo por cujas liberdades os nossos pais arriscaram as suas vidas e derramaram o seu sangue no campo de batalha. Esses direitos tão preciosamente adquiridos não serão vergonhosamente pisoteados por saqueadores à margem da lei sem ao menos um esforço nobre da nossa parte para defender as nossas liberdades. Estarão lado a lado comigo até à morte?"

Os milhares alinhados abaixo dele, com firmeza e sérios nas suas fileiras bem ordenadas, gritaram em uníssono um trovejante "Sim!"

"Está bem. Se não o tivésseis feito, eu teria ido para ali", e esticou o braço para oeste, "e teria levantado um povo mais poderoso." Depois, tirando a espada da bainha, Joseph levantou-a ao céu e gritou numa voz que ressoou sobre as fileiras do exército e pelas ruas da cidade: "Chamo Deus e os anjos para testemunharem que desembainhei a minha espada com uma determinação firme e inalterável de que este povo terá os seus direitos legais, e será protegido da violência das multidões, ou então o meu sangue será derramado no chão como água, e o meu corpo consignado ao túmulo silencioso!"


Nenhum Homem Conhece a Minha História: A Vida de Joseph Smith (Nova Iorque: Vintage Books, 1995) de Fawn M. Brodie (1915-1981), fim do capítulo 27, pp. 392-395.

Capítulo 27: Morte de Joseph e Hyrum Smith em Carthage


Nesta altura Willard Richards, que era agora o único com autorização para entrar e sair da prisão, trouxe a Joseph a notícia de que Ford tinha quebrado a sua promessa e dirigia-se a Nauvoo sem ele. O profeta apercebeu-se de que estava encurralado quase sem esperança. Só havia um trunfo fraco nas suas mãos, que ele agora receava ter esperado demasiado tempo para jogar. Apressadamente, rabiscou uma ordem para Jonathan Dunham trazer a Legião, forçar a entrada na prisão e salvá-lo a todo o custo. Segundos depois, dois mensageiros transportando esta ordem e a carta para Emma estavam a caminho num galope frenético fazendo a viagem de 24 quilómetros até Nauvoo.

Um por um, os amigos que tinham estado a visitar Joseph e Hyrum foram obrigados a sair de Carthage sob a ameaça de baionetas. Só Willard Richards e John Taylor continuavam na prisão. Cerca das 5 horas [da tarde], quando o guarda sugeriu que estariam mais seguros na cela, Joseph virou-se para o seu funcionário de face rosada e sério: "Se formos para a cela, vais connosco?"

"Irmão Joseph", respondeu Richards, "não me pediste para atravessar o rio contigo -- não me pediste para vir para Carthage -- não me pediste para vir para a prisão contigo -- e pensas que te abandonaria agora? Mas dir-te-ei o que farei; se fores condenado à forca por traição, eu serei enforcado em teu lugar, e tu poderás ir em liberdade."

Joseph sorriu para ele com ternura. "Não podes fazer isso."

"É o que vou fazer", insistiu, e todos sabiam que ele falava com toda a seriedade.

Aborrecidos e com o espírito pesado, os prisioneiros por fim pediram algum vinho, e todos excepto Hyrum beberam um pouco.9 Quando Richards passou a garrafa ao guarda, este começou a descer as escadas. Nesse momento ouviu-se um barulho na porta exterior, seguido de gritos para se renderem e o som de tiros.

Não era a Legião de Nauvoo galopando para uma salvação dramática. Por alguma razão nunca divulgada, Jonathan Dunham tinha metido no bolso a ordem e negligenciou agir de acordo com ela, e nenhum outro homem em Nauvoo tinha conhecimento do perigo que o seu profeta corria.10 Eram os homens da milícia de Warsaw, que tinham marchado para fora da cidade como sinal para o Governador, esperaram até que ele estivesse bem adiantado no seu caminho para Nauvoo, e depois voltaram aos gritos para se juntarem aos Carthage Greys.

Joseph tinha uma pistola de 6 tiros e Hyrum tinha uma pistola de cano único, que tinham sido secretamente introduzidas na prisão por amigos no dia anterior. Os outros dois homens não tinham nada para se defender excepto duas bengalas de nogueira. Todos os quatro se atiraram contra a porta, mas recuaram quando a primeira bala penetrou na espessa almofada da porta.

Quando a porta foi aberta à força, três dos prisioneiros saltaram agilmente para a esquerda. Mas Hyrum foi apanhado pelo fogo de uma da meia dúzia de armas que estavam maldosamente apontadas em direcção à porta. A primeira bala acertou-lhe no nariz e ele tropeçou para trás gritando: "Sou um homem morto!" Ao cair, mais três balas vindas da porta acertaram-lhe e uma quarta bala vinda da janela estilhaçou-lhe o lado esquerdo.

Joseph neste momento disparou os 6 tiros pelas escadas abaixo. Três deles falharam o alvo, mas os outros três acertaram. Um dos feridos desceu apressadamente as escadas, com o braço numa massa de sangue e carne mutilada. "Estás ferido com gravidade?" alguém gritou.

"Sim, o meu braço está todo feito em pedaços pelo Velho Joe", gritou ele, "mas não me importo; vinguei-me; abati o Hyrum!"

Uma chuva de balas estava agora a inundar o quarto. John Taylor foi atingido 5 vezes, mas a única bala que o poderia ter morto acertou no seu relógio, que estava no bolso do colete, e fez ricochete sem o ferir. Willard Richards, que era tão alto como Joseph, escapou miraculosamente de ser atingido, excepto por uma bala que arranhou ligeiramente a sua garganta e lóbulo da orelha, embora ele permanecesse perto da porta batendo em vão nas armas com a sua bengala. A maior parte das balas que entravam através da janela estavam a bater inofensivamente contra o tecto, enquanto os homens do corredor que não tinham sido atingidos ou afugentados pelos tiros que Joseph disparara estavam a tentar fixar o alvo nele.

Quando a pistola se esvaziou, Joseph atirou-a ao chão gritando: "Defendam-se o melhor que puderem", e correu para a janela. Olhou lá para fora e viu uma centena de baionetas cintilando sombriamente na luz fraca que se filtrava através das pesadas nuvens tempestuosas. Por detrás de cada baioneta estava uma horrenda face pintada, e deve ter parecido a Joseph como se o próprio inferno tivesse vomitado esta aparição.

É dito por alguns que o viram que ele fez o sinal maçónico de aflição e gritou: "Não há ajuda para o filho da viúva?"11 Depois uma bala vinda da porta apanhou-o nas costas e ele inclinou-se lentamente para fora da janela, as suas mãos ainda agarrando no parapeito a partir do qual se tinha estado a preparar para saltar. Durante um instante ele segurou-se ao parapeito da janela, balançando-se, enquanto o coronel que comandava a milícia de Warsaw gritava: "Abatam-no! Maldito seja! Abatam o maldito velhaco!"

Mas ninguém disparou. William Daniels,12 que estava em pé petrificado pela visão, ouviu-o dizer: "Ó Senhor, meu Deus!" e viu-o cair para o chão. Virou-se ao cair, batendo no chão com o ombro direito e as costas, e depois rolou sobre a face. Um homem da milícia, descalço e careca, sorrindo através da pintura negra, saltou para diante e arrastou-o contra o parapeito do poço no pátio.

O profeta mexeu-se um pouco e abriu os olhos. Não havia terror neles, mas se a calma era devida a resignação ou inconsciência não podemos saber. O coronel Williams agora ordenava a quatro homens que disparassem contra ele. Quando as balas o atingiram ele dobrou-se um pouco e caiu para a frente sobre a face.

A milícia começou a dispersar em pânico. Mas o mesmo homem que o tinha arrastado para o parapeito do poço agora levantava a sua faca de mato e precipitava-se para a frente para cortar a cabeça do profeta. Nesse momento as nuvens tempestuosas afastaram-se e o sol de Junho que se estava a pôr brilhou em cheio sobre a cena. Para William Daniels, parecia que um pilar de luz tinha descido do céu e ficado entre o profeta morto e os seus assassinos. "O braço do rufião que segurava a faca caiu impotente", disse ele, "os mosquetes dos quatro que tinham disparado caíram ao chão, e todos eles ficaram imobilizados como estátuas de mármore, não tendo poder para mexer um único membro dos seus corpos. Nesta altura a maioria dos homens tinha debandado em grande desordem. Nunca antes vi um grupo de homens tão assustados."

O corpo do profeta ficou abandonado durante algum tempo, até Willard Richards se ter aventurado a trazê-lo de volta para dentro da prisão e deitá-lo ao lado do corpo do irmão. Tendo conseguido arranjar um mensageiro, enviou a Ford a notícia do assassínio, e uma mensagem ao seu próprio povo para nada fazer como vingança. Só então se abandonou ao seu choque e dor interior.


Notas do Capítulo 1

1 Esta carta foi datada de 10 de abril de 1799. Veja Topsfield Historical Society Collections [Coleções da Sociedade Histórica de Topsfield], Vol. VIII, pp. 92-94.

2 Nathan Perkins: Narrative of a Tour through the State of Vermont [Narrativa de uma Viagem pelo Estado de Vermont], 1789 (Tuttle, 1930), p. 18.

3 Windsor: Impresso às expensas do autor, 1810.

4 Lucy Smith: Biographical Sketches of Joseph Smith and His Progenitors for Many Generations [Esboços Biográficos de Joseph Smith e dos Seus Progenitores por Muitas Gerações] (Liverpool, Inglaterra, 1853), pp. 21, 52.

5 Biographical Sketches, p. 37.

6 Veja John M. Mecklin: The Story of American Dissent [A História da Dissensão Americana] (Nova Iorque, 1934), pp. 37, 123.

7 Pode ter sido este o caso, embora historiadores desse tempo relatassem que o mercado nessa altura estava saturado. Veja Samuel Williams: Natural and Civil History of Vermont [História Natural e Civil de Vermont] (Burlington, 1809), Vol. I, pp. 85-86; e George V. Nash: "American Ginseng", U. S. Dept. of Agriculture Bulletin [Boletim do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos], No. 16, 1898.

8 Veja o artigo assinado por "Vermonter" na Historical Magazine [Revista Histórica], novembro de 1870, pp. 315-316. Ali é dito que Daniel Woodward declarou que Smith tinha sido "implicado com um tal Jack Downing na falsificação de dinheiro, mas inverteu a evidência do Estado e escapou à punição." Examinei os registos destes julgamentos no tribunal de Woodstock, Vermont. O julgamento de George Downer, o único nome que corresponde a Downing, não menciona Joseph Smith e os outros julgamentos nos quais Smith foi testemunha tornam claro que ele foi uma vítima, não um cúmplice.

9 J. A. Gallup: Epidemic Diseases in the State of Vermont [Doenças Epidêmicas no Estado de Vermont] (Boston, 1815), pp. 72-75.

10 Veja especialmente I. Woodbridge Riley: The Founder of Mormonism [O Fundador do Mormonismo] (Nova Iorque: 1902), p. 42.

11 Para uma imagem detalhada sobre a economia e vida social do oeste de Nova Iorque neste período, veja O. Turner: History of the Pioneer Settlement of Phelps and Gorham's Purchase [História da Colônia de Pioneiros de Phelps e da Compra de Gorham] (Nova Iorque, 1851); William Darby: A Tour from the City of New York to Detroit [Uma Viagem da Cidade de Nova Iorque até Detroit] (Nova Iorque, 1819); Robert Munro: A View of the Present Situation of the Western Parts of the State of New York [Uma Perspectiva Sobre a Situação Atual das partes ocidentais do Estado de Nova Iorque] (Frederick-Town, 1804); John Fowler: Journal of a Tour in the State of New York in the Year 1830 [Diário de uma Viagem no Estado de Nova Iorque no Ano 1830] (Londres, 1831); History of Ontario County, New York [História do Condado de Ontario, Nova Iorque] (Filadélfia, 1876).

12 History of Ontario County [História do Condado de Ontario], p. 42.

13 Para relatos sobre Jemima Wilkinson, os Shakers no oeste de Nova Iorque e Isaac Bullard, veja David Hudson: History of Jemima Wilkinson [História de Jemima Wilkinson] (Geneva, Nova Iorque, 1821); Richard McNemar: The Kentucky Revival [O Reavivamento de Kentucky] (Nova Iorque, 1846); Z. Thompson: History of Vermont [História de Vermont], Parte II, pp. 203-204; e Wayne Sentinel [Sentinela de Wayne] (Palmyra, Nova Iorque), 26 de maio de 1826.

14 Veja Catherine Cleveland: The Great Revival in the West, 1797-1805 [O Grande Reavivamento no Oeste, 1797-1805] (Chicago, 1916), p. 93; e Richard McNemar: The Kentucky Revival [O Reavivamento de Kentucky], p. 26.

15 Veja Charles G. Finney: Memoirs [Memórias] (Nova Iorque, 1876), p. 78; e Literary and Theological Review [Crítica Literária e Teológica], março de 1838, p. 66.


Notas do Capítulo 2

1 Como os livros e jornais em que estes documentos apareceram originalmente são tão raros a ponto de serem inacessíveis ao leitor comum, o registo do tribunal, os excertos relevantes dos editoriais de Dogberry e as declarações juramentadas mais importantes são reproduzidas no Apêndice A.

2 Latter-Day Saints Messenger and Advocate, Vol. I (Kirtland, Ohio, 6 de Novembro de 1834), p. 40.

3 Reimpresso no Wayne Sentinel (Palmyra, Nova Iorque), 16 de Fevereiro de 1825.

4 Para descrições e localizações dos túmulos índios no oeste de Nova Iorque veja E. G. Squier: Antiquities of the State of New York (Buffalo, 1851), pp. 31, 66, 97, 99; O. Turner: Pioneer History of the Settlement of Phelps and Gorham's Purchase (1851), p. 216; e History of Ontario County (1876), p. 101. O Palmyra Herald em 14 de Agosto de 1822 e o Palmyra Register em 26 de Maio de 1819 relataram descobertas de novos túmulos.

5 Veja o Apêndice A.

6 Veja o Apêndice A para extractos mais completos destas declarações juramentadas.

7 A descrição de Emma Smith foi escrita numa Carta dirigida à Sra. Pilgrim de Nauvoo, Illinois, 27 de Março de 1871. Está presentemente na biblioteca da Igreja Reorganizada em Independence, Missouri. A declaração de Martin Harris foi publicada em Tiffany's Monthly, 1859, pp. 163-170. Ele disse mais: "Havia uma companhia ali naquela vizinhança, que estava a escavar em busca de tesouros que supostamente tinham sido escondidos pelos antigos. Desta companhia eram o velho Sr. Stowel -- penso que o nome dele era Josiah -- também o velho Sr. Beman, também Samuel Lawrence, George Proper, Joseph Smith, jr., e o seu pai, e o seu irmão Hiram Smith. Eles escavaram em busca de tesouros em Palmyra, Manchester, também em Pennsylvania e noutros lugares."

Joseph exibiu a sua pedra de vidência numa data tão tardia como 27 de Dezembro de 1841. (Veja o diário de Brigham Young no Millennial Star, Vol. XXVI, p. 119.) Depois da sua morte foi levada para o Utah. Segundo Hosea Stout, Brigham Young exibiu aos regentes da Universidade de Deseret em 26 de Fevereiro de 1856 "a pedra de vidência com a qual O Profeta Joseph descobriu as placas do Livro de Mórmon." Hosea Stout disse que a pedra era quase preta, com riscas de cor clara. (Veja a transcrição dactilografada do jornal dele na Utah State Historical Society Library, Vol. VI, pp. 117-118.)

8 Elder's Journal, Far West, Missouri, Vol. I (1838), p. 43; e Joseph Smith: History of the Church, Vol. III, p. 29. (Esta história, compilada principalmente dos diários manuscritos de Smith no arquivo em Salt Lake City, será de aqui em diante mencionada simplesmente como History of the Church.)

9 History of the Church, Vol. I, pp. 5-7.

10 Veja o Wayne Sentinel, 22 de Outubro de 1823, para o relato de Wild. A visão de Elias Smith é descrita em The Life, Conversion, Preaching... of Elias Smith, escrito por ele mesmo (Portsmouth, New Hampshire, 1816), p. 58. Ele veio originalmente de Lyme, Connecticut, a cidade natal de Solomon Mack, e migrou para Vermont no mesmo período que Mack. O sonho de Thompson é descrito no seu Christian Guide (Utica, Nova Iorque, 1826), p. 71.

11 Os ficheiros do Reflector de Palmyra estão na Sociedade Histórica de Nova Iorque; outros documentos de Palmyra estão na Biblioteca Estatal de Nova Iorque em Albany. Veja o Apêndice A.

12 Veja Times and Seasons (Nauvoo, Illinois) 15 de Março de 1842. Para os três relatos diferentes da visão ditada por Joseph Smith em 1831-1832, 1835 e 1839, veja o artigo de Dean D. Jesse "Early Accounts of Joseph Smith's First Vision" (Relatos Iniciais da Primeira Visão de Joseph Smith), Brigham Young University Studies, Vol. IX, 1969, pp. 275-294. Para detalhes veja o suplemento.

13 Registos da Igreja Presbiteriana de Palmyra, conforme filmados em 1969 pelo Reverendo Wesley P. Walters, descrevem os procedimentos em 3, 10, 24 e 29 de Março de 1830, quando Lucy Smith e os seus filhos Hyrum e Samuel foram suspensos da igreja por "negligenciarem a adoração pública e o sacramento da ceia do Senhor durante os últimos dezoito meses".

14 Lucy Smith para Solomon Mack, 6 de Janeiro de 1831, em Ben E. Rich: Scrapbook of Mormon Literature (Chicago, Illinois, 190?), Vol. I, p. 543. Quando Lucy escreveu a sua biografia de Joseph em 1845, com a colaboração de Martha Coray, citou directamente a história publicada de Joseph sobre a primeira visão em vez de descrever qualquer parte dessa visão nas suas próprias palavras. Para a história de Cowdery veja Latter-Day Saint Messenger and Advocate (Kirtland, Ohio, 1834-1835), especialmente a Carta IV, Fevereiro de 1835, p. 78. William, irmão de Joseph, disse num sermão em Deloit, Iowa, em 8 de Junho de 1884: "Lembrar-se-ão que imediatamente antes de o anjo ter aparecido a Joseph, houve um reavivamento pouco usual na vizinhança.... Joseph e eu próprio não aderimos; eu não tinha semeado toda a minha aveia.... foi por sugestão do Rev. M----, que o meu irmão se dirigiu a Deus. Quando ele estava envolvido em oração, viu um pilar de fogo descer. Viu-o alcançar o topo das árvores. Ele foi sobrepujado, ficou inconsciente, não soube quanto tempo ficou nesta condição, mas quando voltou a si, a grande luz estava por cima dele, e foi-lhe dito pela personagem que vira descer com a luz, para não se juntar a nenhuma das igrejas. Que ele seria instrumental nas mãos de Deus em estabelecer a verdadeira igreja de Cristo. Que havia um registo escondido no monte Cumorah que continha a plenitude do Evangelho. Devem recordar-se que Joseph não tinha mais de dezoito anos de idade nesta altura, demasiado jovem para ser um impostor." (Saints Herald, Vol. XXXI, pp. 643-644).

O primo de Joseph, George A. Smith, fez o mesmo tipo de erro em dois sermões em Salt Lake City. Veja Journal of Discourses, Vol. XII, p. 334, e Vol. XIII, p. 78. Edward Stevenson, nas suas Reminiscenses of Joseph the Prophet (Salt Lake City, 1893), p. 4, declarou que em Pontiac, Michigan, em 1834, ele ouvira o profeta testificar "com grande poder a respeito da visão do Pai e do Filho". Mas a autobiografia manuscrita sobre a qual estas reminiscências se baseiam, escrita em 1891, ao descrever o mesmo incidente falou apenas da "visão de um Anjo".

15 O. Turner: History of the Pioneer Settlement of Phelps and Gorham's Purchase, p. 214.

16 Biographical Sketches, p. 101.

17 Carta de Hendrix datada de 2 de Fevereiro de 1897, publicada no St. Louis Globe Democrat, citada em William A. Linn: The Story of the Mormons (Nova Iorque, 1902), p. 13.

18 Declaração de William Smith, irmão mais novo de Joseph, numa entrevista com E. C. Briggs e J. W. Peterson, publicada no Deseret News (Salt Lake City, Utah), 20 de Janeiro de 1894.

19 Biographical Sketches, pp. 91-92.

20 Para a declaração de Stowel veja o seu testemunho no julgamento no tribunal de Bainbridge em 1826, reproduzido no Apêndice A. Veja também History of the Church, Vol. III, p. 29.

21 Para a declaração juramentada de Hale veja o Apêndice A.

22 Para o texto completo do registo do tribunal deste julgamento veja o Apêndice A.

23 Latter-Day Saints Messenger and Advocate (Kirtland, Ohio), Outubro de 1835. Cowdery declara que este julgamento teve lugar antes de 1827. Não deve, portanto, ser confundido com dois julgamentos posteriores na mesma área, nos quais Joseph foi mesmo absolvido.

24 Para a declaração de Ingersoll, veja o Apêndice A.


Notas do Capítulo 26

1 Isto foi feito na reunião de 1844 da Grande Loja. Veja Proceedings of the Grand Lodge of Freemasons, Illinois, from its Organization in 1840 to 1850 Inclusive (Freeport: Illinois, 1892).

2 Discurso em 29 de Dezembro de 1843. History of the Church, Vol. VI, p. 152.

3 Ibid., Vol. V, pp. 272-273; Vol. VI, pp. 164-165.

4 Ibid., Vol. V, pp. 285-286.

5 Denison L. Harris e Robert Scott, que espiaram para contar a Joseph nas reuniões realizadas por Law e Foster, relataram muitos anos depois que tinham visto três mulheres com véu, uma delas a esposa de William Law, comparecer a uma reunião e assinar declarações juramentadas dizendo que "Joseph e Hyrum Smith tinham tentado seduzi-las; e tinham feito a elas as propostas mais indecentes e iníquas, e desejavam que elas se tornassem suas esposas." (Conforme relatado por Horace Cummings, que descreveu os relatos delas no Contributor, Salt Lake City, Abril de 1884, Vol. V, p. 255.) Thomas Ford também relatou que Joseph tentou fazer de Jane Law sua esposa. (Veja o seu History of Illinois, p. 322.) E John D. Lee escreveu que Joseph queria a "amável e bonita esposa de William Law". (Mormonism Unveiled, p. 147.) Joseph H. Jackson escreveu em 1844 que Joseph lhe dissera que passara dois meses tentando em vão conquistar Jane Law, e acrescentou que Emma Smith sugeriu que lhe fosse dado William Law como esposo espiritual. Narrative of the Adventures and Experiences of Joseph H. Jackson, pp. 21-22.

6 Conforme descrito por Law no Nauvoo Expositor, 7 de Junho de 1844.

7 Veja History of the Church, Vol. VI, pp. 162-165.

8 Ibid., Vol. VI, pp. 234, 238.

9 Veja a declaração juramentada de Sarah Kimball, citada na p. 306.

10 Veja as declarações de M. G. Eaton e A. B. Williams, Nauvoo Neighbor, Vol. I, n.º 51. Estes foram reproduzidos em Times and Seasons, Vol. V (15 de Maio de 1844), p. 541.

11 Veja o Nauvoo Expositor, 7 de Junho de 1844.

12 Veja History of the Church, Vol. VI, pp. 403, 405.

13 Veja a declaração do próprio Joseph sobre este ponto, Vol. VI, p. 409.

14 Veja os testemunhos de Joseph Smith, Brigham Young e H. J. Sherwood no Times and Seasons, Vol. V (15 de Maio de 1844), pp. 537 e seguintes.

15 History of the Church, Vol. VI, pp. 408-412.

16 Veja as cartas de Sarah e Isaac Scott para os seus familiares em Massachusetts, datadas de 16 de Junho e 22 de Julho de 1844, publicadas em "The Death of a Mormon Dictator: Letters of Massachusetts Mormons, 1843-1848" (A Morte de Um Ditador Mórmon: Cartas de Mórmones de Massachusetts, 1843-1848), New England Quarterly, Vol. IX (1936), pp. 583-617.

17 Esta entrevista foi descrita por William Marks em Zion's Harbinger and Baneemy's Organ, Vol. III (Julho de 1853), pp. 52-53. O relato pode ter sido colorido até certo ponto pela sua profunda antipatia pela poligamia.

18 O Nauvoo Neighbor de 19 de Junho de 1844 publicou este processo do conselho da cidade. As palavras proferidas por Joseph que coloquei em itálico foram omitidas da History of the Church quando o processo foi reproduzido. Veja Vol. VI, p. 441.

19 History of the Church, Vol. VI, pp. 487.


Notas do Capítulo 27

9 Segundo o relato de John Taylor, History of the Church, Vol. VII, p. 101.

10 Esta história é contada por Allen J. Stout no seu diário manuscrito, 1815-1889, uma transcrição do qual pode ser vista na Biblioteca da Sociedade Histórica do Estado de Utah. Veja a p. 13. É confirmada por T. B. H. Stenhouse no seu Rocky Mountain Saints (Nova Iorque,m 1873), nota da p. 164.

11 Zina Huntington Jacobs, uma das esposas de Joseph, disse anos mais tarde numa palestra pública: "Sou a viúva de um mestre maçónico, que, ao saltar da janela na prisão de Carthage, cravado de balas, fez o sinal maçónico de aflição...." Latter-Day Saints Biographical Encyclopædia, Vol. I, p. 698.

12 Veja o seu Correct Account of the Murder of Generals Joseph and Hyrum Smith (publicado por John Taylor em Nauvoo em 1845). Daniels estava tão perturbado por ter sido uma testemunha do linchamento, senão mesmo um participante, que se converteu. Os mórmones mais tarde excluíram-no do rol de membros.


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